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Alentejo. Legenda e Esperança *




A grande concentração da propriedade agrícola é uma marca secular do Alentejo, sendo, neste contexto, a luta pela terra um elemento integrante da identidade cultural alentejana e fonte dos principais processos de transformação social registados ao longo dos tempos.

Desde os princípios da nacionalidade, quando os novos grandes domínios foram entregues e doados à nobreza e às ordens militares e religiosas com missões de defesa, até ao Liberalismo - época em que foram criados alguns dos actuais grandes patrimónios fundiários -, o latifúndio foi sempre a base da estrutura fundiária do Alentejo, a par da existência de um número imenso de assalariados rurais, sem terras nem qualquer outro meio de subsistência, que não fossem os seus braços para trabalhar.

Com o advento da República surge, em vários pontos do Alentejo, um vasto movimento social que conduziu à criação dos primeiros sindicatos rurais e, a partir de 1912, à ocupação de terras que regista, em 1921, um dos episódios mais marcantes da história rural alentejana em Vale de Santiago (Odemira).

Durante o fascismo, a luta em torno dos problemas da terra, pelo pão e pelo direito ao trabalho foi uma constante no Alentejo, ao mesmo tempo que o absentismo agrícola e a inexistência de qualquer actividade industrial com peso significativo votavam a região ao abandono e à pobreza.

Nos finais da década de 60, a solução encontrada por milhares de alentejanos sem trabalho foi a emigração para o estrangeiro ou para a cintura industrial de Lisboa.

Foi, assim, uma legião de ganhões e de ceifeiras, de cavadores e jornaleiros (tantas vezes forçados à condição de «malteses»), sujeitos ao analfabetismo e à repressão violenta, que escreveram a história do Alentejo profundo e que puseram em marcha, natural e inevitavelmente, a Reforma Agrária de 1975.

Os últimos anos, designadamente o período após adesão à Comunidade Europeia, vieram demonstrar, de novo, que a solução da questão agrária é condição necessária para o desenvolvimento e o progresso social do Alentejo.

As orientações da Política Agrária Comum (PAC) vieram (re)fortalecer o sistema latifundiário e absentista a que as políticas de destruição da Reforma Agrária tinham dado lugar.

Ao continuar a privilegiar a agricultura extensiva, ao premiar as práticas de pousio, ao incentivar à diminuição da produção, a PAC gera, de novo, o desemprego no Alentejo, intensifica o despovoamento dos campos e agrava a pobreza de toda uma região. Por outro lado, a própria construção da barragem do Alqueva levanta questões para as quais ainda não foram dadas respostas claras, isto é, quem vai beneficiar das mais-valias geradas? Tão grande esforço do país, de todos nós afinal, irá beneficiar apenas alguns?

E, assim, a questão da terra emerge novamente na história do Alentejo.

Raramente os trabalhadores, os militantes e dirigentes sindicais, ou o cidadão anónimo, deixam atrás de si uma autobiografia ou outro tipo de documentos em que tentem descrever factos ou acontecimentos do seu quotidiano, das suas lutas e anseios. Perdem-se, por isso, fontes importantes para a História, a despeito da força de uma Comunidade residir no conhecimento que ela tenha da sua história para a consequente compreensão do seu presente e construção do seu futuro.

Foi tendo isto em conta que a Câmara Municipal de Évora apoiou Dias Lourenço, um homem que viveu muitos dos dramas por que passaram os trabalhadores alentejanos, calcorreando palmo a palmo o Alentejo profundo e acompanhando as lutas clandestinas aqui desenvolvidas, na passagem a escrito de um testemunho, verdadeiro e vivo, da realidade que conheceu: o Alentejo dos latifundiários e dos seareiros, dos ranchos migratórios, do desemprego e das praças de jorna, da luta pelas 8 horas de trabalho, da opulência e domínio dos grandes senhores da terra e da miséria e da sujeição dos assalariados agrícolas.

Mas, para além do testemunho, o que agora nos orgulhamos de publicar é também um estudo sobre o Alentejo, centrado num período em que, razão a razão, malha a malha, se teceu a inevitabilidade da Reforma Agrária.

Sobre a nossa história mais recente, mais estudos e trabalhos são necessários, nomeadamente novas abordagens com outros pontos de vista, exigindo-se de todos os seus autores tão-só o mesmo rigor, profundidade e análise e verdade dos factos. Espera a Câmara de Évora que a actual obra de Dias Lourenço constitua um estímulo ao aparecimento de novos trabalhos, cuja edição esta autarquia estará disponível para apoiar, face à sua importância para a História local e regional.



* Da Introdução de Abílio Fernandes, Presidente da Câmara Municipal de Évora, ao livro de António Dias Lourenço, Alentejo. Legenda e Esperança - I, Editorial Caminho, Lisboa, 1997.


«O Militante» Nº 229 de Julho/Agosto de 1997