MESA REDONDA

EXPO 98: Esperanças,
realidades e preocupações




O nosso Partido considerou desde logo como positiva a atribuição da EXPO 98 a Portugal e propôs, defendeu e apoiou a sua implantação na zona oriental de Lisboa e de Loures, tendo em vista a recuperação das áreas mais degradadas dos dois municípios e o reequilíbrio urbanístico-social da zona. Tratando-se de um projecto estratégico de importância nacional, nem tudo mereceu, necessariamente o nosso acordo. A menos de um ano da abertura oficial da EXPO 98, decidimos trazer às páginas de O Militante a reflexão conjunta de três camaradas que exercem funções directa ou indirectamente ligadas à exposição mundial de Lisboa: Eng. Adão Barata (AB), Administrador não executivo da Parque Expo, empresa responsável pela implantação e administração da EXPO 98, representante do Município de Loures e candidato nas listas da CDU à Câmara Municipal de Loures; Ruben de Carvalho (RC), membro do Comité Central e que, como deputado na Assembleia da República, exerce as funções de secretário da Comissão Parlamentar Eventual para acompanhamento da EXPO 98; e Eng. Rui Godinho (RG), vereador e Presidente-Substituto da Câmara Municipal de Lisboa e membro da DORL.

A Mesa Redonda foi conduzida pelo camarada Armando Pereira da Silva. Confirmam-se as esperanças depositadas na realização da EXPO 98 como factor de requalificação e reequilíbrio da zona da cidade onde a exposição está a ser implantada?



RG - Nós sempre defendemos que se deveria aproveitar esta oportunidade para promover uma reabilitação e uma requalificação da zona oriental da cidade de Lisboa, na qual se verifica um desequilíbrio evidente tanto do ponto de vista urbanístico como da localização das principais actividades de todo o tipo - económicas, sociais, culturais. A zona ocidental e a zona central de Lisboa têm beneficiado de actividades e investimentos que permitiram uma cidade qualificada. A requalificação da zona oriental permitirá o reequilíbrio da cidade, entendida como um todo e não com zonas em que a qualidade de vida tem um certo índice e outras em que esse índice é muito superior. Foram estes pressupostos que nos levaram a apoiar, na fase em que era discutido o local, a zona oriental da cidade como local adequado e a defender depois um projecto mais amplo para a realização da EXPO 98. Por outro lado, a EXPO permitiu um grande desenvolvimento, um grande “boom” da construção civil. Chamou um volume de emprego a esta zona da cidade de Lisboa. Só que se trata de um volume de emprego associado a obras que têm um prazo limitado de execução. Depois veremos que impactos nos aguardam, quando terminar. Em síntese, eu diria que se trata de um projecto de importância para a cidade de Lisboa, de importância para a sua Área Metropolitana, indiscutivelmente um projecto de importância nacional, pois deve ser entendido como tal, com os seus prós e os seus contras.



Alguns contras...



RG - A experiência que temos destes anos de execução da exposição e da intervenção urbanística em curso naquela área motiva-nos alguma preocupação. Desde logo porque o plano de urbanização aprovado para a chamada zona de intervenção definida para a EXPO não mereceu total acolhimento dos municípios, designadamente, no que a Lisboa diz respeito, determinado tipo de ocupações a nosso ver não adequadas para a zona; por outro lado, alguns indícios de promoção imobiliária especulativa dentro dos terrenos que foram expropriados por utilidade pública, dentro da zona de intervenção da EXPO, levam-nos também a ter alguma preocupação sobre se não estaremos a criar ghettos de luxo, do ponto de vista da habitação.

Por isso mesmo, na Câmara de Lisboa preparamo-nos para os impactos que a zona da EXPO vai ter de imediato na zona envolvente: foi elaborado um plano de pormenor que estipula de forma muito rígida quais são os usos, as funções, qual o tipo de actividades que admitimos na zona imediatamente envolvente da EXPO 98.



AB - A zona de intervenção está dividida em lotes de terreno que têm sido adquiridos por promotores privados, cooperativas e entidades públicas como a Portugal Telecom. No caso dos edifícios destinados fundamentalmente à habitação, o seu custo tem sido influenciado principalmente por duas razões. Uma resultante da natureza dos terrenos que obrigou a cuidados especiais na execução das fundações...



RG - Esse é um dos erros do plano que nós criticámos. É que na zona onde se vai construir determinado tipo de habitação, isso não deveria acontecer.



AB - E há outro factor que também encareceu este tipo de habitação: trata-se de uma experiência pioneira em Portugal, que é a rede de distribuição de água fria e de água quente e também a recolha centralizada do lixo. A instalação destas duas redes encarecem, segundo alguns promotores, o custo da construção em cerca de 12 a 15 contos por m2.



Até que ponto as Câmaras interessadas têm poder de decisão na zona da Parque Expo? O Rui Godinho falou apenas da intervenção da Câmara de Lisboa nas áreas adjacentes.



RG - Exactamente. Relativamente ao plano de urbanização da área de intervenção da EXPO, o plano foi elaborado por exclusiva responsabilidade da Parque Expo, foi aprovado ainda pelo Governo Cavaco Silva e, com reservas e ressalvas já referidas, por parte dos municípios. Mas não se pode afirmar que não trouxe benefícios. A própria dinâmica de renovação, de requalificação da zona oriental é um benefício que preenche os requisitos tidos por indispensáveis para a realização da EXPO naquele lugar. A criação de vastas zonas verdes, por exemplo, com um parque urbano de qualidade, correspondem a esses requisitos.



AB - Este parque urbano Tejo/Trancão localizado no concelho de Loures, com 80 ha, é factor fundamental para o município e preencherá os requisitos se for feito de acordo com o estipulado, ou seja, equipado com infra-estruturas desportivas, zonas pedonais e zonas de lazer, assim como de aproximação ao rio.



Há a certeza de que a área prevista para o parque urbano vai ser respeitada?



RG - Não tenho nenhuma informação em contrário. Direi mais. Até vai permitir uma coisa interessante, que é a reutilização dos efluentes tratados na nossa estação de tratamento de águas residuais de Beirolas, o que do ponto de vista ambiental, ecológico, é uma novidade em Portugal: a aplicação de formas avançadas de gestão de recursos importantes, como são os recursos hídricos.



Um dos aspectos importantes do projecto, como já foi sublinhado, será levar habitantes para aquela zona, evitar que a população fuja ou seja “expulsa” da cidade. Mas o impacto não levará à rejeição da população que lá mora actualmente?



RG - Nós previmos isso. A Câmara Municipal de Lisboa tem um Plano de Pormenor da zona envolvente, não sei se Loures também tem, exactamente para prevenir isso, para que os impactos negativos da EXPO possam vir a ser amortecidos.



AB - Os impactos negativos da EXPO 98 para a população de Loures, estão a registar-se presentemente, dado o enorme volume de obra que se está a realizar em simultâneo. Após a EXPO e se os projectos forem cumpridos, a recuperação da zona ribeirinha funcionará como factor de equilíbrio e de descompressão urbana, portanto um factor apelativo e não repulsivo.

Um problema chamado Moscavide



RC - Há uma zona, desse ponto de vista, sensível e complicada, que é Moscavide. A densidade no Beato e Marvila já era muito baixa, os Olivais são uma zona estabilizada do ponto de vista habitacional de classe média.



RG - Mas tende a aumentar com o realojamento. A zona está a crescer.



RC - Está a crescer, mas a zona complicada é Moscavide, que é uma zona, digamos, dormitório, de má construção, mau urbanismo, más condições de vida, população envelhecida, rendas baratas. Quem vai apanhar a grande pressão especulativa a seguir à EXPO - o que já está a acontecer um pouco - é Moscavide, vai ser um problema complicado para Loures resolver. E mais, o tecido, a malha urbana de Moscavide é muito má, ruas muito estreitas, má construção. Daí que a pressão no sentido de mudar, de deitar abaixo e fazer tudo de novo vai ser muito grande.



RG - Se Loures está disponível para aceitar uma sugestão - só uma sugestão - eu acho que era urgente instalar um Gabinete de Recuperação de Moscavide.



AB - Por causa do Metro e das obras de acessibilidade.
RG - Pois, por causa do Metro, das obras da EXPO e por causa dos problemas que as obras de acessibilidade estão a provocar. Houve alturas em que os Olivais estavam bloqueados, não havia uma única saída. Isso criou, claro, situações de grande descontentamento.



Despoluição do rio Trancão



Temos falado quase só das questões da EXPO relacionadas com a cidade de Lisboa. E quanto ao concelho de Loures?



AB - Aquilo que disse o Rui sobre Lisboa, aplica-se também ao concelho de Loures. A zona do concelho de Loures envolvida no projecto estava perfeitamente degradada. A EXPO poderá dar um forte impulso à despoluição do rio Trancão, que é uma das primeiras medidas pois só abrange 2 kms a partir da foz. Ainda ficará muito por fazer. E relacionado com a despoluição do Trancão, há um passo decisivo com a construção da ETAR de Frielas para o tratamento de esgotos de 700 mil habitantes/equivalentes da bacia hidrográfica do Trancão.



Uma pergunta sobre a despoluição do Trancão. Por que se começa da foz para a nascente, de juzante para montante?



AB - As obras de despoluição do Trancão são da responsabilidade do Ministério do Ambiente, que prioriza a sua intervenção no sentido referido. No entanto, a Câmara de Loures com a construção da estação de tratamento de águas residuais (ETAR) de Frielas está já a actuar a montante, mas muitos outros trabalhos complementares terão de ser implementados até se poder considerar concluída a despoluição do Trancão.



RG - Ao mesmo tempo, do lado de Lisboa, estamos a receber já há quatro anos “60 mil habitantes equivalentes” (é como se mede) do lado de Loures, que são tratados na nossa estação de Beirolas, o que dá igualmente uma contribuição para a despoluição do Trancão na margem direita. Ou seja, o projecto de despoluição do Trancão é um projecto múltiplo que engloba a obra de redução de lodos na zona terminal do rio e também os grandes investimentos do lado de Loures e do lado de Lisboa, com a estação de Beirolas que se vai manter com a sua tecnologia moderna. Tudo isto irá permitir a prevista despoluição do Trancão.



A reconquista do Tejo



RC - Gostava de retomar um fio da meada, que é o seguinte: penso que a esmagadora maioria das pessoas - neste caso, a população de Lisboa - não tem uma ideia muito clara do que era a zona oriental da cidade e do que é a zona de intervenção da EXPO. Lisboa, ao longo da sua evolução, foi-se desequilibrando. Foi caminhando para poente ao longo do rio, uma grande parte das actividades relacionadas com o porto de Lisboa cessava na zona do Cais do Sodré e depois, progressivamente, a cidade foi deslizando, digamos assim, para ocidente, desenvolvendo-se para o interior de uma forma radial, com grandes problemas de crescimento, com quatro radiais que se concentravam para o centro da cidade, com problemas de urbanização complicados. E isto deu, à semelhança de outras cidades europeias, que a zona a montante do rio se transformou numa zona progressivamente desqualificada onde foram instaladas as indústrias mais poluentes. A partir do momento em que as indústrias deixaram de laborar, as instalações passaram a ser aproveitadas como armazéns, num processo sucessivo de degradação, de mau tratamento de solos... Ora, como a Administração do Porto de Lisboa era uma espécie de Estado dentro do Estado...



RG - Eu costumo chamar à APL a Câmara da Margem Centro!



RC - Exacto. Há décadas que a população de Lisboa está cortada do rio pela linha do caminho de ferro - o único sítio onde se podia ver o rio era entre o Cais do Sodré e o Terreiro do Paço. A população não se apercebeu muito bem do que foi a crescente degradação daquela zona oriental, dos seus problemas ambientais terríveis. Por exemplo, a situação dos depósitos de lixo de Beirolas era uma coisa apocalíptica, como a situação dos depósitos de combustíveis, com rupturas, infiltrações do solo, lamas tóxicas, etc.; milhares e milhares de toneladas de sucata, da mais variada, com todos os problemas inerentes à sucata ao ar livre. E outras situações de risco, como seja, nomeadamente, a existência da refinaria da Petrogal, completamente ultrapassada e com problemas graves e complicados de segurança. Só para limpar aquela zona, só para a deixar limpa, a EXPO já era, do ponto de vista de Lisboa, um avanço particularmente importante e que se torna ainda mais relevante quando, apesar de tudo, existe um projecto não apenas de limpeza, mas também de requalificação.



RG - É isso: limpa-se um espaço que apresentava um estado de degradação inacreditável e, ao mesmo tempo, procede-se à requalificação de toda a zona, ligando-a equilibradamente ao resto da cidade. Já agora, não deixemos passar em claro a quantificação dos numerosos benefícios duráveis que esperamos da organização da Expo 98. Por exemplo, Lisboa ficará com um grande complexo multi-usos que poderá ser utilizado em manifestações de carácter cultural, desportivo, recreativo, um grande equipamento para servir não só a cidade mas também toda a sua Área Metropolitana. Estão em construção outros equipamentos e infra-estruturas modernas, quer no domínio da colecta e do tratamento dos resíduos sólidos urbanos, quer das águas residuais. Está a ser erguido um parque urbano, uma zona verde de 64 ha, entre Beirolas e o Trancão, aproveitando a zona de deposição de lixos que passa a ser uma grande zona verde, um considerável acrescento a toda a estrutura verde da cidade e da Área Metropolitana. Está a proceder-se à reformulação do sistema de transporte de toda a zona oriental da cidade, a construir-se o acesso do metropolitano à zona oriental, a Chelas, aos Olivais e a Moscavide. É importante essa artéria do metropolitano porque irá combater o factor ghetto que a zona oriental tem sofrido, concretamente as zonas de realojamento de Chelas e a zona dos Olivais. Estão em construção novas vias de acesso, quer ao interior da cidade, quer permitindo deslocações do interior para fora dela, com ligações a outras vias estruturantes como é a auto-estrada do Norte e a nova ponte com ligação à auto-estrada do Sul e ligação dentro da cidade de Lisboa, o que permitirá uma maior permeabilidade entre as várias áreas - combater o tal desequilíbrio da cidade de que falávamos. O prolongamento da Av. dos Estados-Unidos até à Infante D. Henrique, a reconstrução da Infante D. Henrique e da Marechal Gomes da Costa, que liga a Rotunda do Relógio até à EXPO, o prolongamento da Av. de Berlim, de Pádua e da Av. Bensaúde até ao Tejo, o ganho de uma faixa ribeirinha significativa, uma área enorme que estava sob a jurisdição do Porto de Lisboa, permitindo uma ligação directa da população ao rio - são ganhos que estão para além da EXPO.

E mal fora se assim não fosse. Estaríamos perante um fracasso igual ao de Sevilha em 1992 e a zona oriental não se transformaria numa zona qualificada, mas num amontoado de edifícios degradados, como se verifica na ilha da Cartuxa hoje, em Sevilha. Temos boas razões para pensar que isso não vai acontecer.



Cultura e ciência



Voltando à Expo propriamente dita. Que esperar dela como manifestação importante nos campos cultural e científico?



RC - A temática da EXPO e todo o seu aproveitamento, em meu entender, não estão a ser suficientemente potenciados, pela miopia e pela brotoeja europeísta quer do Governo Cavaco Silva quer do Governo Guterres. É evidente que a temática dos oceanos para a EXPO 98 foi feita de propósito para Portugal. Mas há aqui uma certa dislexia. Ou seja, a grande temática político-cultural da Exposição, com estes governos, corre o risco de não ser aproveitada de modo a tirar dela os gigantescos proveitos que, em termos nacionais, poderia permitir.



RG - Uma das razões porque a EXPO 98 deve ser assumida como um todo nacional é que ela permite dar um contributo para relançar o papel de Portugal na cena internacional. Ao ser consagrado o ano de 1998 como o Ano Internacional dos Oceanos pelas Nações Unidas, com o zénite das comemorações a ter lugar aqui em Portugal durante a EXPO 98, isso permitirá, se for bem gerido, se for bem dimensionado pelos responsáveis portugueses, um relançamento da posição de Portugal e daquilo que são as linhas fundamentais de investigação para o futuro que é, a meu ver, a investigação e a gestão dos oceanos. Nos oceanos vai estar, no próximo milénio, muito do segredo daquilo que vão ser os equilíbrios da Humanidade: políticos, sócio-económicos e ambientais. Olhamos para o mundo e vemos que tem havido exploração sobre exploração, e até rapina, dos recursos naturais em muitas zonas do planeta, mas ainda sabemos muito pouco sobre aquilo que se passa nos oceanos e há muito recurso, recursos fundamentais para a sobrevivência e modernização da humanidade que estão nos oceanos. Por isso serão fundamentais as grandes linhas estratégicas de investigação e de exploração dos oceanos. Portugal, que há 500 anos teve um papel determinante, poderá voltar a ter um papel importante e assumir protagonismo na cena internacional, por forma que possamos colher alguns benefícios da nossa posição geo-estratégica privilegiada entre a Europa, a América e a África.



RC - Julgo que se passa algo de insólito com o programa cultural da EXPO 98. Daquilo que se conhece, nesse programa articula-se de forma razoável a componente nacional e a componente internacional que numa iniciativa deste género obviamente tem de existir. Por outro lado, recolhemos algumas experiências de realizações anteriores, nomeadamente a de Sevilha. Pessoalmente considero feliz a ideia do Festival dos 100 dias. A Exposição terá um festival, 100 dias antes da abertura ofi- cial, mas promovido pela EXPO que, por um lado, se desenvolve vitalizando e dinamizando vários locais de espectáculos e de iniciativas culturais em toda a cidade e nos seus arredores, promove a EXPO, e por outro lado canaliza recursos da EXPO directamente para a valorização duma intervenção cultural com o tecido nacional e com o tecido internacional. Ao lado desta situação há uma outra, completamente incompreensível, que é o comportamento do Ministério da Cultura. Este ano, ou seja no ano anterior à realização da EXPO, esperar-se-ia uma intervenção articulada entre o Ministério da Cultura e esta iniciativa que vai ter lugar daqui a um ano. Mas basta ver o Orçamento do Estado deste ano e as iniciativas previstas, para nos apercebermos que o MC vive de costas voltadas para a EXPO.



Questões políticas



Com a mudança de Governo, desencadeou-se um processo político, para não dizer tempestade, que levou à substituição do Comissário da EXPO 98 e à suspeição sobre as suas contas. Foi assim levantado o problema de uma fiscalização eficiente dos actos e da própria gestão da Parque Expo. O Ruben é secretário da Comissão Parlamentar de Acompanhamento entretanto criada. As coisas são agora mais “transparentes”?



RC - Penso que, como é evidente, uma iniciativa desta dimensão tem uma componente directamente política muitíssimo grande. Com a queda do anterior Governo, pela ordem natural das coisas era evidente que ela se acentuaria ainda mais. Numa primeira fase, e o Rui Godinho sabe melhor isso do que eu, aquilo que tinha de ser feito na Parque Expo era de particular complexidade e tinha de ser gerido com alguma concisão. É preciso não esquecer que uma das partes mais complexas eram as negociações com as companhias petrolíferas instaladas naquela zona. E não será preciso explicar a ninguém que as companhias petrolíferas não são propriamente entidades “boas de assoar”, que não é fácil lidar com elas, que se desencadeiam jogos, lobbies extraordinariamente complexos. Há depois uma fase de adjudicação de grandes empreendimentos que também tem as suas condicionantes. Independentemente das críticas que se possam fazer à gestão da Parque Expo, eu julgo que, a avaliar pelos resultados desta primeira fase, não há tanta razão de queixa como se pretendeu dar a entender. Há, claro, a questão mais polémica de todas, a apresentação de um plano, que a Câmara aliás nunca subscreveu, baseado no conceito de uma EXPO pagando-se a si própria, de custo zero, segundo uma perspectiva profundamente economicista, mas irrealizável.



A verdade é que o Comissário foi substituído.



RC – A decisão tomada pelo Governo de substituir a Administração teve, a meu ver, dois aspectos não inteiramente claros nem correctos. Ninguém contestaria que o Governo tomasse a decisão de substituir o Comissário na medida em que houve mudança de Governo. Se o Governo tomou a decisão de substituir o Comissário da Comissão Nacional dos Descobrimentos por motivos de ordem inteiramente política, por excesso de razões isso poderia acontecer em relação a um projecto estratégico como a EXPO. Depois, a altura e a forma como as coisas se passaram, não foi, convenhamos, duma grande clareza.



RG - Há um aspecto que, em termos concretos, é preciso ter em conta: a forma como foi gerido este processo reflectiu-se sobre os prazos e alguns deles com impacto não só na realização da EXPO, mas fundamentalmente na realização de importantes equipamentos e infra-estruturas que hão-de ficar para a cidade e para a Área Metropolitana de Lisboa.



RC - Mais que uma gestão política de todo este processo, foi uma gestão politiqueira. Não é aceitável que um ministro chegue a uma Comissão Parlamentar e, perante a pergunta de quanto ganha o Comissário, responda que não sabe. Não é aceitável que saiba e que não diga, e é muito menos aceitável que não saiba.



RG - Um dos aspectos positivos que foi introduzido nos mecanismos de fiscalização da EXPO, com a mudança operada, e não estão aqui em causa as pessoas, foi o mecanismo de fiscalização sucessiva por parte do Tribunal de Contas. O visto prévio é um "chapéu" que desculpabiliza muita coisa, embora também controle muita coisa. A fiscalização sucessiva é um aspecto positivo, mesmo noutros domínios, pois responsabiliza muito mais os gestores dos recursos públicos.



RC - Há um aspecto a ter em conta quanto à estrutura que o anterior Governo de Cavaco Silva encontrou para a EXPO. A questão é esta: o Governo Cavaco Silva constituiu a Parque Expo numa altura em que o próprio Estado estava completamente desacreditado, do ponto de vista público. Casos de corrupção sobre casos de corrupção, lobbies completamente metidos e instalados dentro do Estado e do Governo. A credibilidade do Estado enquanto pessoa capaz de gerir sem cedências a lobbies e a pressões, estava reduzida a zero. Paralelamente, desenvolveu-se durante anos e anos a campanha ideológioca desacreditando o Estado como gestor. Julgo que a criação daquela entidade com aquele perfil foi uma verdadeira confissão de desconfiança do próprio poder "laranja" face a si próprio. Para uma situação perversa arranja-se uma situação perversa, que gera novas situações perversas.



E depois da Expo, o emprego?



Para acabar, um dos aspectos mais preocupantes do pós-EXPO: que vai ser dos muitos trabalhadores que ela hoje emprega, directa ou indirectamente?



RG - Pois, não é só a EXPO: são as duas pontes, as vias rodoviárias que estão a ser feitas, o Metropolitano. Ainda não detectámos que houvesse uma estratégia de resposta a esta implementação de emprego. Deveria haver uma resposta muito clara, o mais rapidamente possível, quanto a futuros investimentos nas obras públicas que, por sua vez, possam induzir investimentos de outros agentes. Eu lanço aqui uma pergunta: e o aeroporto? O aeroporto é um investimento de centenas de milhões de contos e que vai mobilizar muita mão-de-obra. Periodicamente fala-se em estudos sobre a sua localização, mas de concreto não há nada. Que tipo de obra pública se vai privilegiar no futuro? Que planos de desenvolvimento regional estão previstos? Está-se a prever a requalificação da mão-de-obra utilizada na EXPO através de cursos de formação profissional e a sua reconversão em outros sectores de actividade afins, e não só? É um problema sério que nos deve preocupar a todos e para o que urge encontrar respostas em tempo útil.



RC - E tanto mais sério quanto a Exposição se faz um ano antes da concretização prevista da moeda única, com a contenção do défice orçamental que limita o investimento público; e com outra limitação: temos eleições autárquicas este ano, 1997, depois só em 2001. Toda a gente sabe que os anos de eleições autárquicas são anos de dinamização da componente das obras públicas, acabamento de projectos, concretização de planos.



RG - Há uma outra questão que tem de se pôr com muita clareza e se prende com a solidariedade nacional. Haverá um terceiro quadro comunitário de apoio a partir de 1999? Se houver, já se fala que Lisboa e Vale do Tejo ficarão de fora do objectivo 1. Ou seja, não serão áreas de investimento prioritário. É um problema muito sério porque irá reflectir-se também no problema do emprego nesta área do país. E a situação poderá tornar-se explosiva porque há muitos trabalhadores que vieram para a Área Metropolitana de Lisboa e que aqui se fixaram e que podem ver-se, de um dia para o outro, sem estabilidade de trabalho. Por isso, repito: há que saber-se rapidamente como vai absorver-se a mão-de-obra que ficará eventualmente disponível a seguir ao fecho da EXPO e das principais obras em curso na sua área de intervenção.



AB - O pós-EXPO é uma matéria que muito tem preocupado o município de Loures. Já foi apresentada pela Assembleia Municipal um "caderno reivindicativo" equacionando dezenas de questões para as quais é preciso haver respostas rápidas e claras, que não deixem espaço para duas leituras. Desde quem vai definir as necessidades em termos de equipamentos, programação da respectiva execução, etc., uma vez que não existe estudo sócio-demográfico sobre a ocupação da zona de intervenção, até à definição da execução das infra-estruturas urbanísticas na zona de intervenção, condições de entrega ao município e acesso aos relatórios de fiscalização das mesmas; e das condições de gestão/manutenção da Galeria Técnica. Questões, entre muitas outras mais, no âmbito dos equipamentos, do parque urbano Tejo/Trancão, transportes, emprego e protecção civil, que estão apresentadas, esperam resposta e são fonte de muita preocupação.


«O Militante» Nº 229 de Julho/Agosto de 1997