MESA REDONDA
O nosso Partido considerou desde logo como positiva a
atribuição da EXPO 98 a Portugal e propôs, defendeu e apoiou a
sua implantação na zona oriental de Lisboa e de Loures, tendo
em vista a recuperação das áreas mais degradadas dos dois
municípios e o reequilíbrio urbanístico-social da zona.
Tratando-se de um projecto estratégico de importância nacional,
nem tudo mereceu, necessariamente o nosso acordo. A menos de um
ano da abertura oficial da EXPO 98, decidimos trazer às páginas
de O Militante a reflexão conjunta de três camaradas que
exercem funções directa ou indirectamente ligadas à
exposição mundial de Lisboa: Eng. Adão Barata
(AB), Administrador não executivo da Parque Expo, empresa
responsável pela implantação e administração da EXPO 98,
representante do Município de Loures e candidato nas listas da
CDU à Câmara Municipal de Loures; Ruben de Carvalho
(RC), membro do Comité Central e que, como deputado na
Assembleia da República, exerce as funções de secretário da
Comissão Parlamentar Eventual para acompanhamento da EXPO 98; e Eng.
Rui Godinho (RG), vereador e Presidente-Substituto da
Câmara Municipal de Lisboa e membro da DORL.
A Mesa Redonda foi conduzida pelo camarada Armando Pereira da Silva. Confirmam-se as esperanças depositadas na realização da EXPO 98 como factor de requalificação e reequilíbrio da zona da cidade onde a exposição está a ser implantada?
RG - Nós sempre defendemos que se deveria aproveitar esta
oportunidade para promover uma reabilitação e uma
requalificação da zona oriental da cidade de Lisboa, na qual se
verifica um desequilíbrio evidente tanto do ponto de vista
urbanístico como da localização das principais actividades de
todo o tipo - económicas, sociais, culturais. A zona ocidental e
a zona central de Lisboa têm beneficiado de actividades e
investimentos que permitiram uma cidade qualificada. A
requalificação da zona oriental permitirá o reequilíbrio da
cidade, entendida como um todo e não com zonas em que a
qualidade de vida tem um certo índice e outras em que esse
índice é muito superior. Foram estes pressupostos que nos
levaram a apoiar, na fase em que era discutido o local, a zona
oriental da cidade como local adequado e a defender depois um
projecto mais amplo para a realização da EXPO 98. Por outro
lado, a EXPO permitiu um grande desenvolvimento, um grande
boom da construção civil. Chamou um volume de
emprego a esta zona da cidade de Lisboa. Só que se trata de um
volume de emprego associado a obras que têm um prazo limitado de
execução. Depois veremos que impactos nos aguardam, quando
terminar. Em síntese, eu diria que se trata de um projecto de
importância para a cidade de Lisboa, de importância para a sua
Área Metropolitana, indiscutivelmente um projecto de
importância nacional, pois deve ser entendido como tal, com os
seus prós e os seus contras.
Alguns contras...
RG - A experiência que temos destes anos de execução da
exposição e da intervenção urbanística em curso naquela
área motiva-nos alguma preocupação. Desde logo porque o plano
de urbanização aprovado para a chamada zona de intervenção
definida para a EXPO não mereceu total acolhimento dos
municípios, designadamente, no que a Lisboa diz respeito,
determinado tipo de ocupações a nosso ver não adequadas para a
zona; por outro lado, alguns indícios de promoção imobiliária
especulativa dentro dos terrenos que foram expropriados por
utilidade pública, dentro da zona de intervenção da EXPO,
levam-nos também a ter alguma preocupação sobre se não
estaremos a criar ghettos de luxo, do ponto de vista da
habitação.
Por isso mesmo, na Câmara de Lisboa preparamo-nos para os impactos que a zona da EXPO vai ter de imediato na zona envolvente: foi elaborado um plano de pormenor que estipula de forma muito rígida quais são os usos, as funções, qual o tipo de actividades que admitimos na zona imediatamente envolvente da EXPO 98.
AB - A zona de intervenção está dividida em lotes de terreno
que têm sido adquiridos por promotores privados, cooperativas e
entidades públicas como a Portugal Telecom. No caso dos
edifícios destinados fundamentalmente à habitação, o seu
custo tem sido influenciado principalmente por duas razões. Uma
resultante da natureza dos terrenos que obrigou a cuidados
especiais na execução das fundações...
RG - Esse é um dos erros do plano que nós criticámos. É que
na zona onde se vai construir determinado tipo de habitação,
isso não deveria acontecer.
AB - E há outro factor que também encareceu este tipo de
habitação: trata-se de uma experiência pioneira em Portugal,
que é a rede de distribuição de água fria e de água quente e
também a recolha centralizada do lixo. A instalação destas
duas redes encarecem, segundo alguns promotores, o custo da
construção em cerca de 12 a 15 contos por m2.
Até que ponto as Câmaras interessadas têm poder de decisão
na zona da Parque Expo? O Rui Godinho falou apenas da
intervenção da Câmara de Lisboa nas áreas adjacentes.
RG - Exactamente. Relativamente ao plano de urbanização da
área de intervenção da EXPO, o plano foi elaborado por
exclusiva responsabilidade da Parque Expo, foi aprovado ainda
pelo Governo Cavaco Silva e, com reservas e ressalvas já
referidas, por parte dos municípios. Mas não se pode afirmar
que não trouxe benefícios. A própria dinâmica de renovação,
de requalificação da zona oriental é um benefício que
preenche os requisitos tidos por indispensáveis para a
realização da EXPO naquele lugar. A criação de vastas zonas
verdes, por exemplo, com um parque urbano de qualidade,
correspondem a esses requisitos.
AB - Este parque urbano Tejo/Trancão localizado no concelho de
Loures, com 80 ha, é factor fundamental para o município e
preencherá os requisitos se for feito de acordo com o
estipulado, ou seja, equipado com infra-estruturas desportivas,
zonas pedonais e zonas de lazer, assim como de aproximação ao
rio.
Há a certeza de que a área prevista para o parque urbano vai
ser respeitada?
RG - Não tenho nenhuma informação em contrário. Direi mais.
Até vai permitir uma coisa interessante, que é a reutilização
dos efluentes tratados na nossa estação de tratamento de águas
residuais de Beirolas, o que do ponto de vista ambiental,
ecológico, é uma novidade em Portugal: a aplicação de formas
avançadas de gestão de recursos importantes, como são os
recursos hídricos.
Um dos aspectos importantes do projecto, como já foi
sublinhado, será levar habitantes para aquela zona, evitar que a
população fuja ou seja expulsa da cidade. Mas o
impacto não levará à rejeição da população que lá mora
actualmente?
RG - Nós previmos isso. A Câmara Municipal de Lisboa tem um
Plano de Pormenor da zona envolvente, não sei se Loures também
tem, exactamente para prevenir isso, para que os impactos
negativos da EXPO possam vir a ser amortecidos.
AB - Os impactos negativos da EXPO 98 para a população de
Loures, estão a registar-se presentemente, dado o enorme volume
de obra que se está a realizar em simultâneo. Após a EXPO e se
os projectos forem cumpridos, a recuperação da zona ribeirinha
funcionará como factor de equilíbrio e de descompressão
urbana, portanto um factor apelativo e não repulsivo.
RC - Há uma zona, desse ponto de vista, sensível e complicada,
que é Moscavide. A densidade no Beato e Marvila já era muito
baixa, os Olivais são uma zona estabilizada do ponto de vista
habitacional de classe média.
RG - Mas tende a aumentar com o realojamento. A zona está a
crescer.
RC - Está a crescer, mas a zona complicada é Moscavide, que é
uma zona, digamos, dormitório, de má construção, mau
urbanismo, más condições de vida, população envelhecida,
rendas baratas. Quem vai apanhar a grande pressão especulativa a
seguir à EXPO - o que já está a acontecer um pouco - é
Moscavide, vai ser um problema complicado para Loures resolver. E
mais, o tecido, a malha urbana de Moscavide é muito má, ruas
muito estreitas, má construção. Daí que a pressão no sentido
de mudar, de deitar abaixo e fazer tudo de novo vai ser muito
grande.
RG - Se Loures está disponível para aceitar uma sugestão - só
uma sugestão - eu acho que era urgente instalar um Gabinete de
Recuperação de Moscavide.
AB - Por causa do Metro e das obras de acessibilidade.
RG - Pois, por causa do Metro, das obras da EXPO e por causa dos
problemas que as obras de acessibilidade estão a provocar. Houve
alturas em que os Olivais estavam bloqueados, não havia uma
única saída. Isso criou, claro, situações de grande
descontentamento.
Temos falado quase só das questões da EXPO relacionadas com
a cidade de Lisboa. E quanto ao concelho de Loures?
AB - Aquilo que disse o Rui sobre Lisboa, aplica-se também ao
concelho de Loures. A zona do concelho de Loures envolvida no
projecto estava perfeitamente degradada. A EXPO poderá dar um
forte impulso à despoluição do rio Trancão, que é uma das
primeiras medidas pois só abrange 2 kms a partir da foz. Ainda
ficará muito por fazer. E relacionado com a despoluição do
Trancão, há um passo decisivo com a construção da ETAR de
Frielas para o tratamento de esgotos de 700 mil
habitantes/equivalentes da bacia hidrográfica do Trancão.
Uma pergunta sobre a despoluição do Trancão. Por que se
começa da foz para a nascente, de juzante para montante?
AB - As obras de despoluição do Trancão são da
responsabilidade do Ministério do Ambiente, que prioriza a sua
intervenção no sentido referido. No entanto, a Câmara de
Loures com a construção da estação de tratamento de águas
residuais (ETAR) de Frielas está já a actuar a montante, mas
muitos outros trabalhos complementares terão de ser
implementados até se poder considerar concluída a despoluição
do Trancão.
RG - Ao mesmo tempo, do lado de Lisboa, estamos a receber já há
quatro anos 60 mil habitantes equivalentes (é como
se mede) do lado de Loures, que são tratados na nossa estação
de Beirolas, o que dá igualmente uma contribuição para a
despoluição do Trancão na margem direita. Ou seja, o projecto
de despoluição do Trancão é um projecto múltiplo que engloba
a obra de redução de lodos na zona terminal do rio e também os
grandes investimentos do lado de Loures e do lado de Lisboa, com
a estação de Beirolas que se vai manter com a sua tecnologia
moderna. Tudo isto irá permitir a prevista despoluição do
Trancão.
RC - Gostava de retomar um fio da meada, que é o seguinte: penso
que a esmagadora maioria das pessoas - neste caso, a população
de Lisboa - não tem uma ideia muito clara do que era a zona
oriental da cidade e do que é a zona de intervenção da EXPO.
Lisboa, ao longo da sua evolução, foi-se desequilibrando. Foi
caminhando para poente ao longo do rio, uma grande parte das
actividades relacionadas com o porto de Lisboa cessava na zona do
Cais do Sodré e depois, progressivamente, a cidade foi
deslizando, digamos assim, para ocidente, desenvolvendo-se para o
interior de uma forma radial, com grandes problemas de
crescimento, com quatro radiais que se concentravam para o centro
da cidade, com problemas de urbanização complicados. E isto
deu, à semelhança de outras cidades europeias, que a zona a
montante do rio se transformou numa zona progressivamente
desqualificada onde foram instaladas as indústrias mais
poluentes. A partir do momento em que as indústrias deixaram de
laborar, as instalações passaram a ser aproveitadas como
armazéns, num processo sucessivo de degradação, de mau
tratamento de solos... Ora, como a Administração do Porto de
Lisboa era uma espécie de Estado dentro do Estado...
RG - Eu costumo chamar à APL a Câmara da Margem Centro!
RC - Exacto. Há décadas que a população de Lisboa está
cortada do rio pela linha do caminho de ferro - o único sítio
onde se podia ver o rio era entre o Cais do Sodré e o Terreiro
do Paço. A população não se apercebeu muito bem do que foi a
crescente degradação daquela zona oriental, dos seus problemas
ambientais terríveis. Por exemplo, a situação dos depósitos
de lixo de Beirolas era uma coisa apocalíptica, como a
situação dos depósitos de combustíveis, com rupturas,
infiltrações do solo, lamas tóxicas, etc.; milhares e milhares
de toneladas de sucata, da mais variada, com todos os problemas
inerentes à sucata ao ar livre. E outras situações de risco,
como seja, nomeadamente, a existência da refinaria da Petrogal,
completamente ultrapassada e com problemas graves e complicados
de segurança. Só para limpar aquela zona, só para a deixar
limpa, a EXPO já era, do ponto de vista de Lisboa, um avanço
particularmente importante e que se torna ainda mais relevante
quando, apesar de tudo, existe um projecto não apenas de
limpeza, mas também de requalificação.
RG - É isso: limpa-se um espaço que apresentava um estado de
degradação inacreditável e, ao mesmo tempo, procede-se à
requalificação de toda a zona, ligando-a equilibradamente ao
resto da cidade. Já agora, não deixemos passar em claro a
quantificação dos numerosos benefícios duráveis que esperamos
da organização da Expo 98. Por exemplo, Lisboa ficará com um
grande complexo multi-usos que poderá ser utilizado em
manifestações de carácter cultural, desportivo, recreativo, um
grande equipamento para servir não só a cidade mas também toda
a sua Área Metropolitana. Estão em construção outros
equipamentos e infra-estruturas modernas, quer no domínio da
colecta e do tratamento dos resíduos sólidos urbanos, quer das
águas residuais. Está a ser erguido um parque urbano, uma zona
verde de 64 ha, entre Beirolas e o Trancão, aproveitando a zona
de deposição de lixos que passa a ser uma grande zona verde, um
considerável acrescento a toda a estrutura verde da cidade e da
Área Metropolitana. Está a proceder-se à reformulação do
sistema de transporte de toda a zona oriental da cidade, a
construir-se o acesso do metropolitano à zona oriental, a
Chelas, aos Olivais e a Moscavide. É importante essa artéria do
metropolitano porque irá combater o factor ghetto que a zona
oriental tem sofrido, concretamente as zonas de realojamento de
Chelas e a zona dos Olivais. Estão em construção novas vias de
acesso, quer ao interior da cidade, quer permitindo deslocações
do interior para fora dela, com ligações a outras vias
estruturantes como é a auto-estrada do Norte e a nova ponte com
ligação à auto-estrada do Sul e ligação dentro da cidade de
Lisboa, o que permitirá uma maior permeabilidade entre as
várias áreas - combater o tal desequilíbrio da cidade de que
falávamos. O prolongamento da Av. dos Estados-Unidos até à
Infante D. Henrique, a reconstrução da Infante D. Henrique e da
Marechal Gomes da Costa, que liga a Rotunda do Relógio até à
EXPO, o prolongamento da Av. de Berlim, de Pádua e da Av.
Bensaúde até ao Tejo, o ganho de uma faixa ribeirinha
significativa, uma área enorme que estava sob a jurisdição do
Porto de Lisboa, permitindo uma ligação directa da população
ao rio - são ganhos que estão para além da EXPO.
E mal fora se assim não fosse. Estaríamos perante um fracasso igual ao de Sevilha em 1992 e a zona oriental não se transformaria numa zona qualificada, mas num amontoado de edifícios degradados, como se verifica na ilha da Cartuxa hoje, em Sevilha. Temos boas razões para pensar que isso não vai acontecer.
Voltando à Expo propriamente dita. Que esperar dela como
manifestação importante nos campos cultural e científico?
RC - A temática da EXPO e todo o seu aproveitamento, em meu
entender, não estão a ser suficientemente potenciados, pela
miopia e pela brotoeja europeísta quer do Governo Cavaco Silva
quer do Governo Guterres. É evidente que a temática dos oceanos
para a EXPO 98 foi feita de propósito para Portugal. Mas há
aqui uma certa dislexia. Ou seja, a grande temática
político-cultural da Exposição, com estes governos, corre o
risco de não ser aproveitada de modo a tirar dela os gigantescos
proveitos que, em termos nacionais, poderia permitir.
RG - Uma das razões porque a EXPO 98 deve ser assumida como um
todo nacional é que ela permite dar um contributo para relançar
o papel de Portugal na cena internacional. Ao ser consagrado o
ano de 1998 como o Ano Internacional dos Oceanos pelas Nações
Unidas, com o zénite das comemorações a ter lugar aqui em
Portugal durante a EXPO 98, isso permitirá, se for bem gerido,
se for bem dimensionado pelos responsáveis portugueses, um
relançamento da posição de Portugal e daquilo que são as
linhas fundamentais de investigação para o futuro que é, a meu
ver, a investigação e a gestão dos oceanos. Nos oceanos vai
estar, no próximo milénio, muito do segredo daquilo que vão
ser os equilíbrios da Humanidade: políticos, sócio-económicos
e ambientais. Olhamos para o mundo e vemos que tem havido
exploração sobre exploração, e até rapina, dos recursos
naturais em muitas zonas do planeta, mas ainda sabemos muito
pouco sobre aquilo que se passa nos oceanos e há muito recurso,
recursos fundamentais para a sobrevivência e modernização da
humanidade que estão nos oceanos. Por isso serão fundamentais
as grandes linhas estratégicas de investigação e de
exploração dos oceanos. Portugal, que há 500 anos teve um
papel determinante, poderá voltar a ter um papel importante e
assumir protagonismo na cena internacional, por forma que
possamos colher alguns benefícios da nossa posição
geo-estratégica privilegiada entre a Europa, a América e a
África.
RC - Julgo que se passa algo de insólito com o programa cultural
da EXPO 98. Daquilo que se conhece, nesse programa articula-se de
forma razoável a componente nacional e a componente
internacional que numa iniciativa deste género obviamente tem de
existir. Por outro lado, recolhemos algumas experiências de
realizações anteriores, nomeadamente a de Sevilha. Pessoalmente
considero feliz a ideia do Festival dos 100 dias. A Exposição
terá um festival, 100 dias antes da abertura ofi- cial, mas
promovido pela EXPO que, por um lado, se desenvolve vitalizando e
dinamizando vários locais de espectáculos e de iniciativas
culturais em toda a cidade e nos seus arredores, promove a EXPO,
e por outro lado canaliza recursos da EXPO directamente para a
valorização duma intervenção cultural com o tecido nacional e
com o tecido internacional. Ao lado desta situação há uma
outra, completamente incompreensível, que é o comportamento do
Ministério da Cultura. Este ano, ou seja no ano anterior à
realização da EXPO, esperar-se-ia uma intervenção articulada
entre o Ministério da Cultura e esta iniciativa que vai ter
lugar daqui a um ano. Mas basta ver o Orçamento do Estado deste
ano e as iniciativas previstas, para nos apercebermos que o MC
vive de costas voltadas para a EXPO.
Com a mudança de Governo, desencadeou-se um processo
político, para não dizer tempestade, que levou à
substituição do Comissário da EXPO 98 e à suspeição sobre
as suas contas. Foi assim levantado o problema de uma
fiscalização eficiente dos actos e da própria gestão da
Parque Expo. O Ruben é secretário da Comissão Parlamentar de
Acompanhamento entretanto criada. As coisas são agora mais
transparentes?
RC - Penso que, como é evidente, uma iniciativa desta dimensão
tem uma componente directamente política muitíssimo grande. Com
a queda do anterior Governo, pela ordem natural das coisas era
evidente que ela se acentuaria ainda mais. Numa primeira fase, e
o Rui Godinho sabe melhor isso do que eu, aquilo que tinha de ser
feito na Parque Expo era de particular complexidade e tinha de
ser gerido com alguma concisão. É preciso não esquecer que uma
das partes mais complexas eram as negociações com as companhias
petrolíferas instaladas naquela zona. E não será preciso
explicar a ninguém que as companhias petrolíferas não são
propriamente entidades boas de assoar, que não é
fácil lidar com elas, que se desencadeiam jogos, lobbies
extraordinariamente complexos. Há depois uma fase de
adjudicação de grandes empreendimentos que também tem as suas
condicionantes. Independentemente das críticas que se possam
fazer à gestão da Parque Expo, eu julgo que, a avaliar pelos
resultados desta primeira fase, não há tanta razão de queixa
como se pretendeu dar a entender. Há, claro, a questão mais
polémica de todas, a apresentação de um plano, que a Câmara
aliás nunca subscreveu, baseado no conceito de uma EXPO
pagando-se a si própria, de custo zero, segundo uma perspectiva
profundamente economicista, mas irrealizável.
A verdade é que o Comissário foi substituído.
RC A decisão tomada pelo Governo de substituir a
Administração teve, a meu ver, dois aspectos não inteiramente
claros nem correctos. Ninguém contestaria que o Governo tomasse
a decisão de substituir o Comissário na medida em que houve
mudança de Governo. Se o Governo tomou a decisão de substituir
o Comissário da Comissão Nacional dos Descobrimentos por
motivos de ordem inteiramente política, por excesso de razões
isso poderia acontecer em relação a um projecto estratégico
como a EXPO. Depois, a altura e a forma como as coisas se
passaram, não foi, convenhamos, duma grande clareza.
RG - Há um aspecto que, em termos concretos, é preciso ter em
conta: a forma como foi gerido este processo reflectiu-se sobre
os prazos e alguns deles com impacto não só na realização da
EXPO, mas fundamentalmente na realização de importantes
equipamentos e infra-estruturas que hão-de ficar para a cidade e
para a Área Metropolitana de Lisboa.
RC - Mais que uma gestão política de todo este processo, foi
uma gestão politiqueira. Não é aceitável que um ministro
chegue a uma Comissão Parlamentar e, perante a pergunta de
quanto ganha o Comissário, responda que não sabe. Não é
aceitável que saiba e que não diga, e é muito menos aceitável
que não saiba.
RG - Um dos aspectos positivos que foi introduzido nos mecanismos
de fiscalização da EXPO, com a mudança operada, e não estão
aqui em causa as pessoas, foi o mecanismo de fiscalização
sucessiva por parte do Tribunal de Contas. O visto prévio é um
"chapéu" que desculpabiliza muita coisa, embora
também controle muita coisa. A fiscalização sucessiva é um
aspecto positivo, mesmo noutros domínios, pois responsabiliza
muito mais os gestores dos recursos públicos.
RC - Há um aspecto a ter em conta quanto à estrutura que o
anterior Governo de Cavaco Silva encontrou para a EXPO. A
questão é esta: o Governo Cavaco Silva constituiu a Parque Expo
numa altura em que o próprio Estado estava completamente
desacreditado, do ponto de vista público. Casos de corrupção
sobre casos de corrupção, lobbies completamente metidos e
instalados dentro do Estado e do Governo. A credibilidade do
Estado enquanto pessoa capaz de gerir sem cedências a lobbies e
a pressões, estava reduzida a zero. Paralelamente,
desenvolveu-se durante anos e anos a campanha ideológioca
desacreditando o Estado como gestor. Julgo que a criação
daquela entidade com aquele perfil foi uma verdadeira confissão
de desconfiança do próprio poder "laranja" face a si
próprio. Para uma situação perversa arranja-se uma situação
perversa, que gera novas situações perversas.
Para acabar, um dos aspectos mais preocupantes do pós-EXPO:
que vai ser dos muitos trabalhadores que ela hoje emprega,
directa ou indirectamente?
RG - Pois, não é só a EXPO: são as duas pontes, as vias
rodoviárias que estão a ser feitas, o Metropolitano. Ainda não
detectámos que houvesse uma estratégia de resposta a esta
implementação de emprego. Deveria haver uma resposta muito
clara, o mais rapidamente possível, quanto a futuros
investimentos nas obras públicas que, por sua vez, possam
induzir investimentos de outros agentes. Eu lanço aqui uma
pergunta: e o aeroporto? O aeroporto é um investimento de
centenas de milhões de contos e que vai mobilizar muita
mão-de-obra. Periodicamente fala-se em estudos sobre a sua
localização, mas de concreto não há nada. Que tipo de obra
pública se vai privilegiar no futuro? Que planos de
desenvolvimento regional estão previstos? Está-se a prever a
requalificação da mão-de-obra utilizada na EXPO através de
cursos de formação profissional e a sua reconversão em outros
sectores de actividade afins, e não só? É um problema sério
que nos deve preocupar a todos e para o que urge encontrar
respostas em tempo útil.
RC - E tanto mais sério quanto a Exposição se faz um ano antes
da concretização prevista da moeda única, com a contenção do
défice orçamental que limita o investimento público; e com
outra limitação: temos eleições autárquicas este ano, 1997,
depois só em 2001. Toda a gente sabe que os anos de eleições
autárquicas são anos de dinamização da componente das obras
públicas, acabamento de projectos, concretização de planos.
RG - Há uma outra questão que tem de se pôr com muita clareza
e se prende com a solidariedade nacional. Haverá um terceiro
quadro comunitário de apoio a partir de 1999? Se houver, já se
fala que Lisboa e Vale do Tejo ficarão de fora do objectivo 1.
Ou seja, não serão áreas de investimento prioritário. É um
problema muito sério porque irá reflectir-se também no
problema do emprego nesta área do país. E a situação poderá
tornar-se explosiva porque há muitos trabalhadores que vieram
para a Área Metropolitana de Lisboa e que aqui se fixaram e que
podem ver-se, de um dia para o outro, sem estabilidade de
trabalho. Por isso, repito: há que saber-se rapidamente como vai
absorver-se a mão-de-obra que ficará eventualmente disponível
a seguir ao fecho da EXPO e das principais obras em curso na sua
área de intervenção.
AB - O pós-EXPO é uma matéria que muito tem preocupado o
município de Loures. Já foi apresentada pela Assembleia
Municipal um "caderno reivindicativo" equacionando
dezenas de questões para as quais é preciso haver respostas
rápidas e claras, que não deixem espaço para duas leituras.
Desde quem vai definir as necessidades em termos de equipamentos,
programação da respectiva execução, etc., uma vez que não
existe estudo sócio-demográfico sobre a ocupação da zona de
intervenção, até à definição da execução das
infra-estruturas urbanísticas na zona de intervenção,
condições de entrega ao município e acesso aos relatórios de
fiscalização das mesmas; e das condições de
gestão/manutenção da Galeria Técnica. Questões, entre muitas
outras mais, no âmbito dos equipamentos, do parque urbano
Tejo/Trancão, transportes, emprego e protecção civil, que
estão apresentadas, esperam resposta e são fonte de muita
preocupação.