A comunicação social em geral e a imprensa em particular
constantemente divulgam opiniões e comentários sobre a moeda
única. Quem os lê sem ter uma ideia de fundo sobre o que, na
verdade, é a União Europeia e o que pretende vir a ser, deve
sentir-se pouco confortável com apreciações tão diferentes
vindas de gente da mesma área ou vindas até de uma mesma
pessoa.
Um exemplo. Por um lado, o DN (18/12/96) noticiava: Esta é a primeira vez que o ex-ministro (Miguel Cadilhe) se pronuncia sobre a regionalização e fala abertamente nos malefícios da moeda única. Por outro lado, o Expresso (21/12/96) dizia: Miguel Cadilhe e Cavaco Silva deixaram esta semana no Porto duas visões contraditórias quanto aos custos e virtualidades da regionalização no quadro da União Monetária.
Isto significa que Miguel Cadilhe tem hoje uma posição contrária à moeda única e considera que é necessária uma regionalização forte como forma das indústrias tradicionais amortecerem o impacto da moeda única. Afirma, além disso, que a regionalização não implica grandes despesas. Cavaco Silva mantém-se contra a regionalização porque, para ele, põe em causa o défice orçamental, mas, entretanto, continuando a defender a moeda única, agora já chama a atenção dos deputados para a perda de soberania orçamental da Assembleia da República na sequência da (recente) aprovação (pela UE) do Pacto de Estabilidade.
A propósito da soberania, não só orçamental, que só por si tem uma grande importânia, é mais explícito Hans Tietmeyer, presidente do Bundsbank, o poderoso Banco da Alemanha. Diz ele numa entrevista (DN, 23/12/96): (...) todos os países devem ter a consciência que uma união monetária é mais que um simples acordo técnico, ela entra profundamente na soberania política de um país. Não se trata de uma novidade. O PCP desde há muito refere isso. É essa uma das razões por que estamos contra a moeda única. E Cavaco Silva sabe-o perfeitamente. Por que é que só fala na soberania orçamental?
É boa altura para lembrar o que o mesmo Tietmeyer, então recente presidente do Bundesbank, dizia numa entrevista à Business Week (citado pelo jornalista Victor Cunha Rego no DN, 11/10/93): (...) no caso de um conflito entre os interesses internos da Alemanha e as responsabilidades monetárias internacionais «nós decidiremos sempre a favor dos factores internos». Não se pode ser mais claro!
E não estará o ministro das Finanças da Holanda também a pensar nos interesses internos quando, em declarações ao Diário Económico (7/1/97), afirma que exclue os países do Sul, incluindo Portugal, do primeiro pelotão da moeda única?
É certo que, dias depois, houve um desmentido. Mas logo a seguir é o secretário de Estado das Finanças alemão que aconselha países cujas estruturas económicas não estão preparados, em que inclui certamente Portugal, Espanha e Itália, a manterem-se fora da moeda única mesmo que cumpram Maastricht (DN, 3/2/97).
E o ex-presidente do Banco Central Holandês e futuro presidente do Banco Central Europeu (BCE) diz o mesmo quando afirma que os países da Europa do Sul seriam excluídos da moeda única (DN, 6/2/97). A explicação que é dada é que a sua entrada enfranqueceria o euro frente ao dólar.
Outro exemplo. Soares dos Santos, presidente do importante grupo distribuidor Jerónimo Martins, numa entrevista ao DN (16/12/96), diz que a política do PS mudou pequenos pormenores, no fundo a posição é exactamente a mesma nos dois governos. E sobre a moeda única afirma: penso que a moeda única é capaz de trazer vantagens ao nível da economia. Só não percebo porque é que tem de ser introduzida já. E a um custo social brutal. As pessoas tendem só a ter uma visão económica da sociedade. Não sei como é que se pode construir uma União Europeia baseada no desemprego, no desalento e no desencanto social. E sobre a entrada na primeira fase ainda esclarece: O que penso é que estamos todos debaixo do poder alemão e não há ninguém a raciocinar, a não ser talvez os ingleses.
Outras visões surgem também na imprensa. Duas frases do jornalista Victor Cunha Rego (DN, 4/12/96): Mas a moeda única - a real paixão de Guterres - encarregar-se-á de lhe tornar a vida num inferno. Continuamos a pensar que, depois de ter roubado o emprego para dar ao capital, a moeda única poderá fugir.
O sociólogo Manuel Vilaverde Cabral (DN, 2/12/96), depois de dizer que sempre lhe agradou a ideia de uma Europa unida, uma Europa democrática, social e moderna, na qual Portugal teria tudo a ganhar em se integrar plenamente, escreve: Como é sabido, o défice democrático agravou-se drasticamente com o Tratado de Maastricht. Hoje, salta à vista que a moeda única é um instrumento completamente artificial para impor uma unidade que não só não existe como são os promotores dessa moeda única os primeiros a impedir que ela se faça. E a unidade só pode fazer-se gradualmente: esbatendo as desigualdades económicas, harmonizando os sistemas fiscais e de segurança social e dotando os cidadãos de formas genuínas de representação democrática à escala da União. Na ausência desta convergência real e participada, é evidente que a moeda única, caso fosse posta a votos, seria rejeitada pela maioria dos europeus. E o facto da União ignorar olimpicamente essa rejeição só se explica pela instauração subreptícia de uma espécie de autoritarismo supranacional.