As críticas ao PS e a Guterres
alargam-se muito




Os acontecimentos políticos dos dois últimos meses tornaram muito mais clara a péssima e perigosa orientação que António Guterres e o seu Governo prossegem no que respeita à administração do País.

Não admira, pois, que mesmo uma parte da comunicação social dominante tenha levantado duras críticas a aspectos do procedimento do Governo e do seu Primeiro Ministro. Aliás, dentro do próprio PS erguem-se vozes que contestam, por vezes com acutilância, as posições dos seus dirigentes. O PS colocou-se tão à direita que até elementos do PSD se pôem à sua esquerda. Exemplos:

Filipe Nunes, editor do Jovem Socialista, orgão oficial da JS, a propósito da votação em relação à despenalização do aborto, escreve no editorial daquela publicação (27/2/97): «Foi, lamentavelmente, mais uma vitória da direita dos negócios e dos sectores mais reaccionários da Igreja Católica, que desde o 25 de Novembro de 1975 têm vindo a recuperar, um a um, todos os velhos privilégios (empresas, bancos, rádios) e a obter outros que lhes faltavam (universidades e canais de televisão).»

Numa reunião entre deputados do PS e a ministra do Emprego em que se discutia a lei das 40 horas, o deputado socialista Strecht Ribeiro exclamou: «Mentimos aos trabalhadores» (Público, 2/3/97).

A deputada socialista Maria Belo aprecia Guterres desta forma: «Guterres é de uma tal sonsice que a gente nem tem por onde se revoltar. Nem sei o sentimento que se pode ter em relação a ele. É de tédio, de desgosto» (Tal & Qual, 28/2/97). Arménio Santos, deputado do PSD e secretário-geral dos Trabalhadores Sociais Democratas, acusou o Governo socialista de se «aproximar de um certo patronato retrógrado, mais conservador e menos sensível às questões laborais e sociais, conotado com a CIP. Nunca, nos últimos anos, se verificou um abuso tão grave por parte de alguns patrões» (Público, 23/2/97).

«Os clones» é o título de uma crónica de João Carreira Bom (Expresso, 8/3/97) que encima a caricatura de duas ovelhas com as caras de Guterres e Marcelo:

«Iguais no cozinhado da revisão constitucional, iguais na democracia de bastidores, iguais na penalização do aborto, iguais na interpretação «antimictorial» da lei das 40 horas, iguais no deslumbramento do sr. Kohl, iguais na apologia do euro, iguais na dependência da economia globalista, (...) [mais de 40 iguais], iguais no marcelismo pós-moderno, (...).» A propósito da revisão constitucional, o director do Expresso, José António Saraiva, escreve (15/3/97) que «a actuação de António Guterres neste processo foi tudo menos transparente. Não apoiando Lacão durante as negociações, não pondo em causa os acordos que ele foi obtendo, e não fazendo depois nada para impedir a sua queda, o comportamento de Guterres foi mais próprio de Pilatos do que de um líder socialista e cristão.» No mesmo dia, J. A. S. escreve no Expresso o seguinte:

«Recorrendo a uma táctica profusamente utilizada pelo PSD no pós-cavaquismo, é agora a vez de o PS erguer com a maior convicção (e não menor desfaçatez) as bandeiras políticas que, no dia anterior, eram as do seu adversário. António Guterres não só foi objecto de uma inexplicada alteração no seu voto de consciência sobre o aborto como se converteu (...) num súbito opositor das competências dos ministros da República e num inesperado adepto dos Estados federados da Madeira e dos Açores. Mas o caso mais extraordinário é a apaixonada defesa do voto dos emigrantes a que o líder do PS se tem dedicado nas suas digressões internacionais.» Sobre o tema do aborto, Manuel Vilaverde Cabral, no seu artigo «No reino da hipocrisia» (DN, 24/2/97) diz: «(...) se estou solidário com a escassa centena de deputados socialistas que resistiram à pressão do lider do partido, também estou convencido de que outras derrotas se seguirão até à descaracterização total daquilo que restava de progressivo no PS, cujo nome se tornará um resquício incomodativo.» Mais adiante, acrescenta: «Nesta direita restauracionista que vai do eng. Guterres até ao dr. Manuel Monteiro (...)».


«O Militante» Nº 228 de Maio/Junho de 1997