Por Carlos Luís
Figueira
Membro da Comissão Política
A actividade turística ou o Turismo tem vindo progressivamente a
assumir-se como um importante segmento da actividade económica
em múltiplos países. O último Forum Internacional da
Organização Mundial de Turismo (OMT) realizado em Cadiz que
reuniu Deputados, eleitos no Poder Local e vários agentes
ligados a esta actividade económica, considerou esta
actividade económica como a mais importante a nível mundial,
com um volume de negócios acima da indústria petrolífera.
No nosso País o peso da actividade turística na nossa economia tem vindo gradualmente a aumentar, até pelo confronto com o definhamento e a destruição que se tem vindo a verificar nos sectores produtivos da agricultura, pescas e indústria em virtude das políticas neoliberais de enfeudamento a Bruxelas postas em prática pelos Governos do PSD e continuadas pela actual gestão do PS. Assim o turismo representa já 8% do PIB, empregando directa ou indirectamente um contingente de mão-de-obra superior ao ocupado pelo tradicional sector da indústria têxtil.
Com uma distribuição regional muito desequilibrada, fruto das profundas distorções que desde a sua expansão estiveram presentes, o Algarve, a chamada Costa de Lisboa e a Madeira detêm cerca de 70% da oferta de alojamento. Portugal terá recebido em 1994 cerca de 22 milhões de visitantes dos quais 9,3 milhões foram turistas, tendo-se obtido uma receita estimada em cerca de 700 milhões de contos.
Valorizando a importância da actividade turística num País que tem excepcionais aptidões para o seu desenvolvimento, sempre foi por nós afirmado que dadas as vulnerabilidades e dependências a que esta actividade está sujeita, este sector nunca poderia, por si só, constituir base para sustentar projectos e propostas de desenvolvimento económico à escala de uma região e muito menos do País.
O exemplo do Algarve como principal região turística atesta à exaustão tal facto. A sistemática liquidação da actividade produtiva na indústria, na agricultura e nas pescas, não só aprofundaram assimetrias inter-regionais como agravaram brutalmente os problemas sociais já que, como hoje dolorosamente se constata, a actividade turística, mesmo na transversalidade que comporta, não absorve, nem abre qualquer perspectiva sólida para garantir trabalho e muito menos emprego certo, seguro e qualificado.
Assumir a consciência deste facto significa a obrigatoriedade de definirmos uma estratégia que tem de ser afirmada na defesa da qualidade dos nossos recursos, produtos e serviços turísticos ultrapassando um ciclo caracterizado por medidas pontuais, numa atitude marcada pela cedência às pressões da especulação imobiliária. Continuar a concorrer numa linha de massificação e vulgarização é o caminho mais curto que inevitavelmente conduz à desqualificação e desvalorização de importantes destinos e produtos turísticos, tendo como consequência o reverso de acolhermos contingentes de menores recursos.
A actividade turística passa por profundas alterações. A dimensão do volume de negócios nela obtidos motivou a atenção e o interesse das grandes multinacionais. A concorrência tornou-se mais agressiva. De igual modo se verificam alterações no comportamento do perfil médio do turista, tornando-se mais exigente quanto à relação oferta-produto-preço. As estadias são mais curtas. Aumentou a procura de destinos alternativos ao sol e praia (embora não nos restem dúvidas que ainda hoje 80% dos fluxos turísticos que acolhemos são atraídos por tal produto). É maior o interesse pelo turismo ligado ao património, à natureza, à cultura, ao desporto, à gastronomia. Verifica-se, igualmente, uma reanimação importante no turismo termal e afirmam-se nichos de mercado associados ao turismo de negócios nos quais os Congressos assumem já um papel de relevo.
A liberalização no transporte aéreo tornou mais competitivos destinos exóticos que até há alguns anos atrás eram somente desfrutados por reduzidos segmentos de mercado e só a insegurança que muitos deles atravessam impede a sua mais forte afirmação como destinos turísticos alternativos aos representados pela bacia do mediterrâneo.
Todos estes factores conferem uma importância acrescida à necessidade desta actividade económica ser dotada com políticas coerentes, articuladas, de forma a que seja garantida uma devida ocupação territorial, uma acertada defesa dos recursos turísticos existentes, uma rigorosa planificação da oferta de alojamento nas suas diversas componentes e finalmente acções promocionais que tenham em conta as diversas realidades regionais e a estas estejam profundamente associadas. Hoje, mais do que crescer no plano da oferta de alojamento e de outros equipamentos associados a esta actividade, importa saber até onde é comportável a nossa oferta turística e, tão importante quanto isso, para que destinos e correntes prioritariamente nos temos de dirigir.
O Governo PS na retórica que o tem caracterizado para iludir as opções de fundo que tem vindo a concretizar, começou por considerar a actividade turística como um sector estratégico da economia nacional, tecendo sobre a mesma um rol imenso de considerações a partir das quais apresentou um conjunto de medidas no Programa do Governo e nas Grandes Opções do Plano, medidas tais que, pelo caracter genérico que tinham, eram largamente consensuais, somadas a outras que, mais em concreto, poderiam de facto responder a alguns dos graves problemas e estrangulamentos nesta actividade.
Mistificando a acção do Governo através de operação de propaganda, o Primeiro Ministro tira da cartola, num golpe de magia, em fins de Novembro de 1995, por ocasião do Congresso da APAVT (Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo), a decisão do seu Governo considerar o ano seguinte como o Ano Nacional do Turismo.
Mais incisivo ainda, dias depois, na Madeira, o após demitido Secretário de Estado do Turismo afirmava, convicto, que em matéria de turismo se estava perante um modelo esgotado. Reafirmando então a vontade do Governo PS em promover um crescimento turístico equilibrado visando a correcção dos desequilíbrios estruturais de forma a desconcentrar a oferta e a combater a economia paralela, a progredir na qualidade dos serviços e a combater a excessiva centralização da comercialização dos nossos produtos pelos grandes operadores internacionais, a diminuir a sazonalidade, a aumentar a procura interna ... etc., etc., visando tudo isto o objectivo supremo de alcançar um desenvolvimento sustentado ou sustentável do turismo. Num acerto de calendário, marcava então a data do Ano Nacional do Turismo, de Maio de 1996 a 30 de Abril de 1997.
Mantinham-se então as expectativas tanto mais que o diálogo corria num estilo simpático, de aparente consenso envolvido em promessas a rodos. Eis senão quando todo o sector confirma o que desde há algum tempo se sussurrava nos corredores. O secretário de Estado era demitido por desavenças internas, arrastado com a demissão do então ministro da Economia. Um longo silêncio se seguiu, só interrompido pelo desarrumar das cadeiras e o assomo dos que então se encarrapitavam para melhor serem vistos como potenciais candidatos de substituição.
Andou e desandou a Lei Hoteleira com os prazos a esfumarem-se. A taxa do IVA recuou para 12%. Reviram-se os incentivos financeiros sem um balanço real acerca dos efeitos produzidos e de quem deles beneficiou. A promoção externa entrou em colapso, sem estratégia nem objectivos mesmo de curto prazo. As Regiões de Turismo continuaram com a mesma Lei Quadro a regê-las, com a novidade de terem sido esbulhadas em 800.000 contos de receitas provenientes do Bingo, entregues pelo actual Governo aos clubes de futebol.
Neste contexto, as expectativas começam a dar lugar a uma sensação de inércia, de tempo perdido, agravado, sem dúvida, pela ausência de medidas estruturais, mais uma vez sacrificadas ao curto prazo e à protecção de interesses instalados. Caminha-se de novo no vazio criado pela ausência de uma política nacional de turismo a qual não pode estar dissociada da justa ocupação e gestão do solo, da definição de regras para o crescimento da oferta, do avanço de medidas que rentabilizem os gastos com a promoção interna e externa dos nossos produtos turísticos, de medidas que permitam, duradouramente, diversificar mercados e minimizar a extraordinária dependência da nossa oferta de alojamento em relação aos grandes operadores.
Ao invés, o que realmente se verifica é que enquanto os Planos Regionais de Turismo não avançam, o Governo descobre, no recurso aos chamados "Projectos Estruturantes", um mecanismo para ignorar os Planos Regionais de Ordenamento e os Planos Directores Municipais, decidindo por cima aprovar projectos de crescimento da oferta e de ocupação de solos até aqui protegidos pela Reserva Agrícola e Ecológica Nacional como de tal é exemplo o escandaloso empreendimento Vilamoura Século XXI. Ou ainda concertar com a SONAE a venda da Torralta em Tróia a troco daquela empresa não respeitar as regras impostas pelo PROTALI - Plano Regional de Ordenamento do Território do Litoral Alentejano.
De novo, pela mão do Governo PS, na continuidade de orientações anteriormente praticadas pelo PSD, a execução de políticas associadas à promoção da defesa dos grandes interesses económicos instalados assenta, mais uma vez, na especulação imobiliária e no lucro fácil e rápido.
Culminando este extenso rol contraditório, entre proclamação de intenções e políticas praticadas, este Governo apresenta, em finais do ano findo à Confederação do Turismo, um extenso documento contendo mais de 40 medidas envolvidas na mais gongórica retórica repetindo, pela enésima vez, a intenção de concretizar o que não fez ao longo de ano e meio de governação. Nada disto é credível.
Mas, significativamente, desaparecem, entre outras, das intenções agora proclamadas, a integração da oferta paralela na actividade regular, as medidas tendentes a disciplinar o crescimento da oferta e a valorização das estruturas regionais de turismo. O que se avança sobre as Regiões de Turismo é um conjunto de propostas das quais ressaltam a sua clara desvalorização.
As orientações, a política deste Governo para o turismo não poderiam, como é óbvio, ser dissonantes da que pratica noutros sectores da vida nacional. Com a agravante de associar a uma clara política de classe a mais escandalosa incompetência, acompanhada de sinuosa cumplicidade com os grandes interesses económicos instalados.
Numa actividade em tão profunda mutação, que em si mesma já comporta elevados factores de imponderabilidade, demasiadamente exposta a acontecimentos conjunturais com pesados e imediatos efeitos nos seus resultados finais, a inconsistência, a desarticulação, o distanciamento das realidades regionais, a que se tem vindo a assistir por parte da acção política de sucessivos governos, tornam mais urgente a necessidade de se tomarem medidas no domínio do planeamento, do investimento, da legislação, do emprego e da formação profissional, da valorização das estruturas regionais de turismo, de forma a dar, em palavras e em actos, um novo, importante e sólido impulso a esta actividade.
Exigindo, acompanhando, intervindo em tudo o que a esta actividade está associada, o PCP realizou no passado ano um Seminário sobre a Actividade Turística, tendo sido o primeiro Partido a ter uma iniciativa neste âmbito. Aí discutiu e aprovou um conjunto de medidas das quais sublinhamos:
- a necessidade de proceder à elaboração de Planos Regionais de Turismo, instrumentos de planeamento fundamentais para obter uma adequada ocupação do espaço físico, assegurando uma melhor coordenação entre a política de desenvolvimento turístico e o ordenamento do território, e visando a definição do tipo de oferta de alojamento a edificar, a integração na actividade regular de oferta paralela de alojamento turístico e a criação de infra-estruturas (de animação, desportivas, congressuais, culturais, entre outras) de forma a darem suporte a uma oferta diversificada e de qualidade, elementos que consideramos indispensáveis no combate à sazonalidade e à conquista de outros mercados;
- uma política de promoção mais adequada às realidades e características de cada região de forma a que os avultados investimentos se repercutam no aumento do número e qualidade dos turistas que acolhemos;
- o efectivo apoio e reconhecimento do papel que representam as Regiões de Turismo, reforçando os seus poderes e clarificando as formas de financiamento através da elaboração de uma Nova Lei Quadro;
- a necessidade de concretizar uma política salarial, de emprego e formação profissional assente no efectivo reconhecimento de que a um bom serviço prestado é indissociável uma oferta de qualidade só possível de obter com o pagamento de salários e regalias sociais que estimulem a manutenção dos trabalhadores nos locais de trabalho através de vínculos laborais estáveis;
- uma política cambial, fiscal e de crédito, mais adequada às realidades económicas do País;
- o compromiso de dar o seu contributo à revisão e actualização dos vários aspectos legislativos que têm a ver com toda a actividade turística.
Tal como noutras áreas da situação económica e social, também no que respeita ao Turismo procurou contribuir, de forma responsável, para a resolução dos problemas existentes. Foi a acentuada diferença que nos separa não só em relação ao PS e ao seu Governo mas também em relação a outros partidos da oposição, PSD e PP, que em congressos ou em propaganda eleitoral tudo prometem mas, na realidade, avalizam, designadamente na Assembleia da República, as opções e políticas de fundo do actual Governo.
Exemplo mais recente é o comportamento que assumiram na discussão e aprovação do Orçamento de Estado, no qual PSD e PP se abstiveram na votação de uma proposta do PCP visando a redução da taxa do IVA na restauração para 7%, equiparando esta tributação à praticada noutros países da UE, nossos concorrentes. Isto quando o CDS/PP tinha, demagogicamente defendido, no último Congresso da APAVT, o seu empenhamento na redução da referida taxa para 5%. Da propaganda à realidade vai a distância de um longo caminho.