Sobre a situação actual e a política doPartido
Por José
Oliveira
Editor
Este artigo (que reproduz, com algumas alterações, uma
intervenção no Encontro Cultura e Mudança, realizado pela DORL
em 23 de Março último) pretende debruçar-se sobre a situação
do livro, da leitura e da literacia no nosso país, levantando ao
mesmo tempo algumas questões para a definição de políticas e
objectivos do Partido nestes campos.
Em primeiro lugar, alguns dados sobre a edição em Portugal. Segundo os números fornecidos pela Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL), em 1995 o número de títulos publicado foi de 6 933, dos quais 28% da chamada literatura geral (que inclui a ficção, a poesia, o teatro) e 14% infantis/juvenis. Venderam-se 22 milhões de exemplares, sendo 46,8% livros escolares, 11,8% literatura geral e 16,8% livros infantis-juvenis. O montante global das vendas elevou-se a 37 milhões de contos; cerca de 30% corresponderam a livros escolares, 19% à literatura geral e 4% à literatura infantil/juvenil.
A tiragem total foi de cerca de 26,5 milhões de exemplares, dos quais 40,7% livros escolares, 12,8% literatura geral e 16,9% livros infantis-juvenis. A tiragem média geral foi de 3 812 exemplares, sendo de 1 752 exemplares para a literatura geral e de 4 712 exemplares para a literatura infantil-juvenil.
Tem havido um crescimento constante do número de títulos publicados (5 499 em 1988, 6 933 em 1995), mas as tiragens, flutuando embora ao longo dos anos, são praticamente as mesmas de 1988, a saber: 26,3 milhões em 1988 e 26,4 milhões em 1995. Assistiu-se portanto a uma baixa considerável das tiragens médias, que atingem por vezes números muito reduzidos. A chamada literatura geral passou de uma tiragem média já baixa de 2 892 exemplares em 1988 para 1 752 exemplares em 1995.
Como é sabido, o volume da tiragem é um elemento determinante do preço e da viabilidade económica da edição. Além da elevação do preço dos livros, isto implica que podemos estar perigosamente próximos de um limiar abaixo do qual a edição de certo tipo de livros deixe de ser possível.
Quanto ao número de originais portugueses, faltam elementos quantitativos de confiança; temos de nos limitar a análises empíricas. Publicar-se-ão poucas dezenas de novos romances de autores portugueses por ano. Quanto aos livros para crianças e jovens, os originais portugueses que se podem considerar literatura (ficção, poesia) deverão andar na casa das duas ou três dezenas. Podemos estar a chegar ao ponto em que a edição de autores portugueses deixe de atingir a massa crítica que lhe permite renovar-se e permanecer. E o caso dos livros para crianças e jovens não é marginal: os leitores de hoje serão os leitores - e os escritores, não o esqueçamos - de amanhã.
O livro tem uma dignidade específica que não é redutível a um simples veículo de informação. Além de também continuar a ser um importantíssimo veículo de informação, o livro é o único suporte da literatura, forma de arte e modo de afirmação da identidade cultural de um povo. Neste momento em que se anuncia o advento da chamada «sociedade da informação» é importante afirmá-lo. Sem pôr em causa a utilidade real de outros meios e suportes, devemos ter consciência de que o livro conserva potencialidades que estão longe de estar esgotadas, particularmente em Portugal.
Diversas medidas de defesa e promoção do livro devem ser consideradas. O regime de preço fixo, que foi legalmente estabelecido, ainda que com deficiências, é uma medida que promove a diversidade cultural, beneficia os autores e em última análise favorece os consumidores. Outras medidas, como a abolição do IVA sobre o livro, tarifas especiais para os portes dos livros, apoios à exportação, etc., têm também de ser consideradas.
Naturalmente estas medidas, por positivas que sejam, não resolvem por si a situação de baixo consumo de livros no nosso país (por sua vez apenas uma vertente do baixo consumo de produtos culturais em geral). Esta realidade cultural do nosso país não é desligável de outros índices de desenvolvimento, e desde logo do nível de vida. Se a elevação deste não se traduzir automaticamente num aumento do consumo de livros, tem decerto um papel determinante.
Os dados sobre a edição são confirmados pelos dados sobre os hábitos de leitura dos portugueses. No Inquérito aos Hábitos de Leitura, da autoria de Eduardo de Freitas e Maria de Lourdes Lima dos Santos, publicado em 1991, os autores estabelecem três tipos de leitura e chegam aos seguintes resultados: leitura cumulativa (livros, jornais e revistas): 40,3%; leitura parcelar (só um ou dois suportes de leitura, indiciando uma prática tendencialmente não consolidada): 45,0%; não leitura: 14,7%. Ou seja, cerca de 60% têm uma prática pouco consolidada da leitura ou não lêem de todo em todo (e trata-se de pessoas que sabem ler).
Especificamente sobre livros, 59,4% declararam ler livros. Mas são apenas 49,7% os que estão na altura a ler um livro (e, conclui-se, a outra metade realmente não é leitora). Mais de 90% lêem menos de 20 livros por ano.
Por seu lado, o estudo Hábitos de Leitura e de Compra de Livros em Portugal, realizado em 1995 por encomenda da APEL, conclui nomeadamente: 53,9% costumam ler livros, mas só 37,2% destes estavam a ler um livro na altura da entrevista. Em 11,6% dos lares não há livros nenhuns, e em 50,0% dos lares há 50 livros ou menos (de todos os géneros, incluindo escolares).
Este estudo, realizado regularmente desde 1983, permite concluir que há cada vez mais pessoas a ler e a comprar livros, mas essas pessoas lêem cada vez menos e compram cada vez menos livros!
Estes inquéritos permitem ainda estabelecer claramente uma correlação entre o nível sócio-económico e de instrução e os hábitos de leitura. Mais ainda, confirmam a reprodução geracional dos hábitos de leitura: os filhos de pais leitores (que são os de estratos sócio-económicos e de instrução mais elevados) tenderão a ser leitores, os filhos de não leitores (que são os de estratos sócio-económicos e de instrução mais baixos) tenderão a ser não leitores. É um círculo vicioso da desigualdade, de que não é fácil escapar.