Constituição e Juventude

Por Bernardino Soares
Membro da Comissão Política da Direcção Nacional da JCP




A nossa Constituição cumpriu no passado dia 2 de Abril o seu 21º aniversário. Filha da Revolução de Abril e das conquistas históricas do povo português guardou no seu texto os grandes avanços que então se alcançaram na nossa sociedade. Apesar da sua juventude a sua vida não foi pouco atribulada, já que desde cedo os seus adversários, entre eles alguns dos que a aprovaram na Assembleia Constituinte (PS e PSD), tentaram impedir a sua aplicação e desrespeitaram as suas normas. Desde sempre coube aos comunistas o papel de defesa da Constituição de todos nós que é o mesmo que dizer das conquistas de Abril. Enquanto isso, a direita ia dando sucessivas machadadas naquilo que eram as normas mais avançadas e portanto para eles mais incómodas.

Mas o que tem tudo isto a ver com os jovens de hoje, que não viveram em ditadura fascista e que não se lembram da Revolução? É que os jovens de hoje usufruiram dos direitos que Abril nos trouxe e de que a Constituição foi guardiã. Quando lutam contra as propinas é porque sabem que têm direito a exigir que o Estado lhes garanta o acesso a um ensino superior de qualidade; quando exigem melhores condições de trabalho sabem que a elas têm direito; quando se manifestam contra crimes e actos racistas sabem que estes e as organizações que os praticam não podem existir.

Que todos saibamos o que está em causa

Mais do que nunca é fundamental que tenhamos consciência disto. Quando o PS e o PSD se preparam para mais uma enorme golpada é preciso que todos saibam o que está em causa, especialmente os jovens. E o que está em causa é muito e vai desde o fim do Serviço Militar Obrigatório (SMO) e a alteração das prioridades da defesa nacional até à limitação administrativa da representação institucional das várias correntes políticas e de opinião, passando por atropelos à representação proporcional nas Câmaras Municipais, pela possibilidade de extraditar pessoas para países em que lhes possa ser aplicada a pena de morte e outras questões de grande importância.

É preciso informar, esclarecer e alertar para os perigos que espreitam ganhando para o combate a tais atropelos e negociatas a força da juventude que, por natureza, não admite que lhe limitem a liberdade de optar nem que lhe imponham espartilhos de qualquer tipo. A todo um processo de revisão da Constituição feito pelo PS e pelo PSD, à revelia da Assembleia da República e às escondidas dos portugueses é urgente responder pondo à vista de todos o que se prepara.

A intervenção junto da juventude é uma arma fundamental para a contestação a esta revisão constitucional.

À JCP, enquanto instrumento privilegiado para a actuação junto dos jovens, cabe um papel preponderante nesta batalha. Dando resposta a esta necessidade, a JCP decidiu lançar mão das suas capacidades e avançar com um conjunto de iniciativas dirigidas à juventude, denunciando as alterações que se preparam mas, simultaneamente, apelando à tomada de posição sobre elas. Sem pretensão de abranger todas as graves alterações, seleccionaram-se algumas pela sua importância ou especificidade juvenil, lançando-se um documento específico sobre cada uma.

Assim, uma das temáticas a abordar será a dos atentados às regras da democracia, nomeadamente no sistema eleitoral, e que representa a tentativa despudorada de criar condições para que a representação institucional se limite a uma bipolarização aparente mas que esconde uma mesma política de direita. As alterações em causa pretendem que aos jovens não se apresentem mais opções do que um Bloco Central aparentemente divergente mas em que PS e PSD são mais parecidos do que Dupont e Dupond.

É preciso que todos saibam que, em última análise, o que se quer é criar obstáculos à luta e actividade institucional do PCP na defesa dos interesses e dos direitos dos jovens.

Outro dos temas fortes será necessariamente a retirada do SMO da Constituição em conjunto com a alteração do conceito de defesa, em que esta deixa de ser a defesa nacional, para passar a ser a disponibilidade das nossas Forças Armadas para actuarem noutros países ao serviço dos interesses estratégicos e imperialistas que a NATO e a UEO representam. Os jovens portugueses deixam de ir à tropa para passarem a ir à guerra.

Especial atenção também para as questões da extradição de cidadãos portugueses para serem julgados em outros países, bem como de cidadãos estrangeiros a serem extraditados para países onde existe e lhes pode ser aplicada a pena de morte.

A abertura de precedentes nestas matérias rompe com toda a tradição humanista da nossa Constituição que encontra as suas raízes históricas no século passado e que agora poderão ser postas em causa pelo Bloco Central.

Vocacionada especificamente para o movimento juvenil e estudantil, a JCP lançará igualmente uma carta aberta com o objectivo de sensibilizar todos os seus intervenientes para a gravidade das questões que estão em causa e apelar à sua intervenção, tentando assim conseguir um alargamento da base de contestação ao acordo PS/PSD.

A tudo isto se terá de juntar um rápido e eficaz trabalho de formação e esclarecimento interno que dote os nossos activistas dos instrumentos necessários para a intervenção nesta matéria e que propicie o desenvolvimento de iniciativas diversas sobre a revisão da Constituição.

Defender a Constituição

Na JCP estamos conscientes de que esta não é apenas mais uma batalha que temos que travar. Sem menosprezo por todas as outras frentes de luta em que o PCP e a JCP estão hoje envolvidos, o combate ao acordo de revisão constitucional do Bloco Central assume especial importância pelas consequências que pode acarretar e por corrermos o risco de tamanho "negócio" passar despercebido da maior parte dos jovens e do povo português.

Não estamos perante um facto consumado, mas a única forma de travar o que se prepara é pela contestação juvenil e popular.

Mais uma vez cá estaremos para defender a Constituição que ainda temos e para clamar bem alto pelos direitos dos jovens portugueses. E qualquer que seja o desfecho deste processo ficará bem claro que esta não é a solução para calar os comunistas. Aliás, não há nenhuma.


«O Militante» Nº 228 de Maio/Junho de 1997