Por Manuel
Gouveia
Membro da Comissão Política da Direcção Nacional da JCP
A luta contra o racismo tem sido, demasiadas vezes, integrada
exclusivamente numa lógica educacional, ou de defesa dos
interesses e direitos de uma camada específica da população, a
das vítimas de racismo. Esta abordagem, que a burguesia
naturalmente estimula, porque redutora, resulta perigosa.
O racismo é, no fundamental, uma arma na luta de classes e um instrumento da opressão de uma classe sobre a outra. As sequelas que a sua utilização sistemática pelas classes dominantes deixaram na sociedade são uma consequência e não a sua causa.
Desta forma, o combate ao racismo, se necessita de dar resposta a essas sequelas e tentar erradicá-las, não pode menos deixar de dar resposta à utilização hoje desse instrumento. E o nosso Partido tem que ocupar o seu lugar de vanguarda nesta luta.
A resposta dos trabalhadores à opressão e exploração de que são vítimas, para ser eficaz, depende da sua unidade. E isto sucede desde a luta na empresa aos enfrentamentos em larga escala. É aqui que o racismo intervém, como potencializador de inúmeras divisões, procurando alcançar a não participação na luta, ou até, colocar trabalhadores contra trabalhadores. E não apenas estimulando a divisão ou o confronto entre grupos diferentes, mas dentro de um mesmo grupo, procurando a divisão e o confronto entre os que quebram os laços de classe e os que os não quebram. E quanto maior for a percentagem de imigrantes (ou outro grupo alvo) na população activa de um país, mais útil (logo necessário) se torna, aos olhos dos opressores, a utilização deste instrumento, o racismo, como arma para quebrar a unidade e enfraquecer ou anular quem o pode enfrentar.
Por outro lado, o racismo assume-se como um factor mais para aliviar, perante os povos, as responsabilidades do sistema pela crise que as sociedades atravessam, apresentando bodes expiatórios e explicações simplistas para a sua incapacidade de satisfazer justos anseios.
Para resistir à permanente busca pelo capital da máxima exploração, o trabalhador conta com duas armas fundamentais:
a existência (conquistada) de um quadro de relações laborais que lhe reconhece os direitos com os mecanismos jurídicos que lhe permite fazê-los valer; e a sua integração num colectivo, que agindo, e independentemente do primeiro factor, tem a força de fazer valer os seus direitos. O racismo assume-se nestes dois vectores como um instrumento, precioso, das classes exploradoras.
O racismo serve de instrumento legitimador de um conjunto de práticas, discriminações e opressões que recusam direitos, deixando um conjunto largo de trabalhadores mais indefesos perante as investidas do patronato. É o que acontece, por exemplo, quando a burguesia consegue generalizar a visão de inferioridade dos outros povos, das suas sociedades, da sua cultura, e colocar a imigração e o asilo político como questões da caridade e espírito de sacrifício colectivo, construindo uma cortina legitimadora e mistificadora sobre o imperialismo, suas razões e consequências, e omitindo o acréscimo em riqueza produzida que qualquer trabalhador traz e, no caso dos imigrantes, com um investimento bastante menor (ou nulo) por parte do Estado que o recebe.
O racismo, ao dividir a classe explorada, facilita a sua exploração, porque lhe enfraquece a resposta, porque cria condições para o sucesso das práticas de dumping (e lembremo-nos das lutas das praças de jornas do Alentejo e dos ratinhos) e, no caso extremo, deixa um alvo da exploração completamente isolado da sua classe, num quadro social e institucional hostil. E não podemos esquecer que falamos de apenas mais um instrumento precarizador do trabalhador perante o patronato; os restantes mecanismos existentes (dependência extrema do salário para acesso aos serviços sociais indispensáveis e a uma qualidade de vida mínima, desemprego e precariedade laboral) são o caldo de cultura que dá eficácia àquele instrumento e, igualmente, que ajuda a sua acção.
Este combate exige-nos assim travar uma dura luta contra a mistificação racista, contra as sequelas culturais da sistemática utilização deste instrumento pelas classes dominantes, contra a legislação racista ou complacente com este fenómeno e pela defesa dos direitos e interesses dos grupos alvo. Mas não chega. Todos diferentes, todos iguais é bonito, é justo. Mas como pensar que este lema, mais do que compreendido, pode ser verdadeiramente assimilado na vertente específica do racismo a que se destinava, se assim o deixarmos, isolado, quando a maioria sente, no dia a dia, a falsidade real deste lema nos aspectos fundamentais da sua vida, quando a maioria constata que iguais o somos em muito pouca coisa porque os mecanismos opressivos do Estado burguês se encarregam de impor a diferença dos que têm dinheiro?
Da mesma forma, por muitas alterações de cariz anti-racista que se introduzam nos programas escolares, como esperar que alcancem resultados decisivos num sistema educativo organizado em funil, promotor por si só do individualismo, assente na elitização? É a alteração radical do próprio sistema educativo que se impõe, dos seus objectivos e diversos mecanismos. Por outro lado, uma verdadeira educação anti-racista, que atacasse a fundo todos os factores que contribuem para o racismo latente, teria, por exemplo, que aprofundar as razões das diferenças de desenvolvimento no planeta e o porquê da concentração de riqueza e bem-estar (ainda que também elitizado) num pequeno pólo do planeta. Teria assim que apontar, demonstrar e fazer repudiar a exploração e opressão imperialista passada e presente. Transformar-se-ia de educação anti-racista em esclarecimento anti-imperialista. E não é possivel esperar que uma sociedade burguesa aceite um sistema educativo que se afronte com os pilares da sua ideologia e do seu poder. É que o racismo não é apenas um instrumento, é um desenvolvimento natural da ideologia burguesa.
E longe de mim querer aqui afirmar a inutilidade de lutar nestas vertentes, antes pelo contrário, elas não só se assumem com um valor per si, como são mais um contributo para o destacar das contradições do sistema, como uma frente de batalha fundamental contra esta hidra de tantas cabeças. Não só a melhor formação anti-racista é a compreensão clara de que as explorações, opressões e discriminações fundamentais que vivemos não advêm da nossa cor da pele, da nossa nacionalidade, das nossas opções sexuais, nem das dos outros, como é a luta pela superação do capitalismo o único caminho, que abrindo portas a uma sociedade com uma moral e uma ideologia superiores, e estabelecendo relações entre os Homens não assentes na exploração, que poderá dar os passos decisivos para a erradicação do racismo.
E para o alcançarmos, o decisivo, também aqui, é preservar e alargar a unidade, dentro da classe operária e dos trabalhadores, dentro da sua vanguarda. Partindo da célula mais pequena até à acção geral dos trabalhadores, encontrar os mecanismos de promoção dessa unidade, rejeitar qualquer forma de guetização (mesmo as mais bem intencionadas) e derrotar este instrumento, que não podemos sobrestimar nem subestimar.