ABERTURA

Elevar a militância
e a implantação do Partido




Nos últimos meses, pode ser apontada uma série de importantes acontecimentos que têm posto muito em causa os princípios democráticos, o desenvolvimento económico, a justiça social. O Governo do PS é o principal responsável de tudo isso. Confirmam-se, cada vez mais claramente, as considerações que o PCP tem apresentado para caracterizar a situação geral vivida em Portugal.

A gravidade das posições do Governo PS e da direcção deste partido conduziu a um grande descontentamento até nas suas próprias fileiras. Muitos eleitores que votaram PS em 1995 reconhecem já a inutilidade desse voto.

É necessária e é possível uma muito ampla acção de esclarecimento e uma mais intensa luta em defesa dos direitos e reivindicações dos trabalhadores e das outras camadas laboriosas, contra os graves entraves que têm sido impostos à economia do país e à resolução de relevantes questões sociais, em defesa da democracia, da soberania e independência nacionais, da identidade do nosso povo.

É necessária e é possível uma nítida elevação da influência e da implantação do nosso Partido e da CDU, indispensável para conseguir modificações positivas na situação política, económica e social.

A diminuição do horário de trabalho para as 40 horas é um exemplo completo da contradição entre o que o PS defendia na oposição e o que pratica quando no Governo, do despreso pelas promessas feitas, da «vigarice» como política. Há trabalhadores que, com a diminuição» do horário, agora trabalham durante mais tempo.

O apoio claro e efectivo do Primeiro Ministro às posições dos principais patrões confirma que era correcta a classificação dada ao Governo por Nogueira Simões, vice-presidente da CIP e dirigente do CDS/PP, numa entrevista a O Diabo, em Fevereiro do ano passado: «o nosso amigo, o Governo». Nessa entrevista vem muito claro que, para o grande capital, as pausas e os intervalos, que há largas dezenas de anos foram conquistados como tempo normal de trabalho, tinham, agora, de deixar de ser contados.

Para António Guterres, para o actual Governo, o que conta são os interesses do grande patronato. Há um conluio evidente (possivelmente desde antes das eleições legislativas) entre a direcção do PS e a CIP. É compreensível o espanto do grande patronato francês ao ouvir Guterres a falar da política que defende em Portugal (*). As suas ideias sobre as actuais contradições na sociedade são as de um homem de direita, um defensor pertinaz do neoliberalismo.

Foi lastimável a actuação de António Guterres quanto ao debate sobre a interrupção voluntária da gravidez. Até já se tinha esquecido do que aprovara antes, acerca de uma questão de tão grande importância: qual a posição correcta em relação a uma penalização que é evidentemente hipócrita.

O Primeiro Ministro fez tudo o que pôde para influenciar o voto dos deputados socialistas demonstrando que não tem só uma ligação preferencial com o capitalismo mais explorador; tem também uma estreita ligação ideológica com a ala mais reaccionária da Igreja Católica.

Membros do Partido Socialista católicos não tiveram qualquer dificuldade em votar contra aquela penalização, posição defendida nas propostas apresentadas pelo PCP mas também pela JS.

Em relação à revisão da Constituição, a aliança que se estabeleceu entre o PS e o PSD é mais que escandalosa. É certo que ela prossegue o caminho do PS de cedências aos objectivos do PSD. É certo que a orientação imposta pelo Governo PS não difere em nada de fundamental da imposta pelo anterior Governo do PSD. Mas o processo que levou àquela aliança foi antidemocrático e profundamente lesivo do papel e da dignidade da Assembleia da República, um processo que Guterres e também o então líder da bancada so-cialista tinham afirmado que nunca seguiriam...

A Comissão Eventual, presidida por um constitucionalista chamado de propósito ao grupo parlamentar do PS para dirigir os trabalhos de revisão, foi totalmente marginalizada. Aliás, a sua demissão como protesto foi caracterizada por Guterres como um pequeno acidente de percurso...

Mas, pior que o processo, é o resultado do conluio PS/PSD. São muito inquietantes as modificações que são conhecidas quer em relação às normas eleitorais (presidenciais, legislativas e autárquicas), quer em relação às Regiões Autónomas, quer em relação aos direitos dos trabalhadores, quer em relação a outros aspectos que marcam ainda a Constituição como conquistas democráticas.

Constitucionalistas que nada têm a ver com o PCP, mas com o PS, não podem deixar de condenar as propostas que são conhecidas e, até mesmo, a oportunidade da revisão (*).

Mas ainda há pior e mais grave: há acordos entre o PS e o PSD que são secretos. Segundo A Capital (20/3/97): «Existe e está guardado a sete chaves um misterioso texto completo da revisão constitucional rubricado por Jorge Lacão e por Marques Mendes, mas nunca apresentado nem aos deputados do PS nem aos do PSD» (o título do artigo é «A grande mistificação»).

Governo PS, tal como fazia o Governo anterior, também propagandeia descarada e falsamente os seus "sucessos". Para o Governo PS os aumentos dos preços foram muito reduzidos, o desemprego está a diminuir, a economia está a melhorar e a preocupação pelos roblemas sociais deve estar a passar para uma (outra) grande paixão.

A verdade não é essa. Depois de quase ano e meio de Governo, os graves problemas existentes na educação, na saúde, na habitação, na segurança, não vêem ainda qualquer saída ou encaminhamento. Alguns até estão mais embrulhados.

Tem de reconhecer-se que, no que respeita à tuberculose, embora tenha havido um desagravamento, continuamos à frente na União Europeia, não em relação à cura, mas quanto ao seu ressurgimento. Isso sucede porque as manchas de pobreza alastram, porque mais de meio milhão de trabalhadores estão desempregados (os números oficiais de desemprego já apontam mais de 480 mil, mas há muitos desempregados reais que não são contados), porque a exploração é mais intensa.

Um recente estudo feito por sociólogos do Ministério para a Qualificação e o Emprego mostra que o trabalho permanente se reduz cada vez mais; é o trabalho precário que vai avançando de ano para ano (Público, 3/3/97). Uma técnica do MQE estimou em cerca de 1,832 milhões o número de trabalhadores naquelas condições em 1995. Seriam então 43% do total dos empregados em Portugal. Mas com os dados de 1996 já se atingem quase 2 milhões de trabalhadores, cerca de 46% dos empregados, muito perto de metade. Também quanto ao desenvolvimento económico, o Governo continua a falar num aumento a rondar os 3% no PIB (Produto Interno Bruto), mas o economista João Ferreira do Amaral, assessor do Presidente da República, diz que o «PIB cresceu pouco acima de 1% em 1996» (Semanário Económico, 14/3/97).

As comemorações do aniversário do Partido tiveram uma importante repercussão por todo o lado tendo atingido, em alguns locais, expressões magníficas. Como é uma acção anual que se liga directamente ao Partido, a sua evolução dá também uma ideia do nosso desenvolvimento em cada caso.

O Dia Internacional da Mulher teve este ano maior repercução. A manifestação que teve lugar em Lisboa foi notável quanto à adesão e também no que respeita à forma, à variedade e à imaginação.

No dia 22 de Março milhares de trabalhadores da Região de Lisboa manifestaram-se na Avenida da Liberdade salientando as suas reivindicações e exigindo a sua resolução. Foi um acontecimento importante que acumulou a experiência de muito diversas lutas e otenciou a sua intensificação e o seu alargamento a outras empresas e sectores.

A campanha de esclarecimento sobre a moeda única e a recolha de assinaturas para um referendo a esse respeito estendeu-se por todo o país e tem encontrado uma grande aceitação entre os trabalhadores e elementos de outras camadas sociais. No comício internacional «Pelo emprego com direitos, por uma Europa de progresso social, paz e cooperação», que se vai realizar em Lisboa (Campo Pequeno) no próximo dia 24 de Maio, participarão partidos comunistas e outras forças de esquerda da Europa. Trata-se de uma iniciativa com grande interesse a que deve ser dada a maior adesão.

A Conferência Nacional do PCP sobre as eleições autárquicas de 1997, que teve lugar em Palmela no dia 12 de Abril, foi uma excelente jornada de preparação da luta que se vai travar este ano pela conquista do Poder Local. A Coligação Democrática Unitária (CDU), que goza de um grande prestígio principalmente assente no trabalho que tem desenvolvido em todas as autarquias onde tem tido papel de direcção, é a única grande força de esquerda que irá concorrer, excepto no concelho de Lisboa, em todos os municípios e na grande maioria das freguesias das diversas regiões do país.

Para muitos trabalhadores e elementos de outras camadas laboriosas, para muitas mulheres, para muitos jovens, para muitos reformados, para muita gente de diversas condições, está hoje muito mais evidente a política do Governo PS. De muitos lados se vai conhecendo que essa compreensão motiva aproximações às posições do nosso Partido, desde aqueles que já hoje aparecem nas nossas iniciativas e até dão a sua colaboração àqueles que simplesmente pretendem conhecer-nos melhor e procuram ouvir as nossas opiniões.

Vive-se um período em que o diálogo com toda a gente se torna indispensável, um diálogo sem qualquer arrogância nem sectarismo, um diálogo que tenha em conta a existência de velhos preconceitos anticomunistas, um diálogo que consiga aproximar e sirva o esclarecimento.

Cabe aos membros do Partido, mas também aos seus simpatizantes e a qualquer activista da CDU um trabalho paciente e persistente a este respeito. Mas é preciso conhecer as situações, é muito importante que se esteja a par dos problemas, é bom que se conheça o que a imprensa do Partido divulga.

A intensificação e o alargamento das lutas bem como um mais amplo trabalho de esclarecimento são fundamentais para elevar a influência e a implantação do Partido.

15/4/97

(*) Ver Notas e comentários.


«O Militante» Nº 228 de Maio/Junho de 1997