«O Militante» Nº 227 de Março/Abril de 1997 - Comunicado do Comité Central do PCP

Comunicado do Comité Central do PCP

Lisboa, 2 de Fevereiro de 1997




Reunido nos dias 1 e 2 de Fevereiro, o Comité Central do PCP debateu e deliberou sobre questões da organização e estruturação do trabalho de direcção tendo aprovado uma Resolução sobre essa matéria, e analisou a situação política nacional e as tarefas prioritárias do Partido no ano em curso.

1. O Comité Central destaca a grande importância e necessidade, a todos os níveis de responsabilidade e nas mais diversas esferas de intervenção das organizações e dos militantes do Partido, de desenvolverem um grande esforço para se avançar na concretização das orientações e perspectivas apontadas pelo XV Congresso.

Entre muitos outros aspectos, é essencial a adopção de medidas e decisões visando reforçar, ampliar e rejuvenescer as fileiras do Partido; fortalecer e renovar os organismos; favorecer a intensificação da militância e a dinamização da vida partidária; mobilizar e aproveitar melhor as energias e capacidades existentes no colectivo partidário; aprofundar e desenvolver o diálogo e a acção comum com outros sectores democráticos e de esquerda e cidadãos independentes; ampliar e melhorar a prontidão e eficácia da resposta política e da presença e intervenção do Partido designadamente em relação às lutas de massas e aos problemas mais sentidos pelos trabalhadores e pela população.

O Comité Central salienta ser indispensável que a firme intervenção do Partido, das suas organizações e militantes no processo de resistência e luta popular contra a política de direita do Governo do PS seja articulada com formas de expressão concreta do empenho construtivo do PCP na solução dos problemas nacionais e com a apresentação das suas propostas e projecto alternativos de uma política de esquerda.

2. O Comité Central constata que a acção e a prática do Governo do PS confirmam que as grandes opções e o essencial da política governativa do PS e de António Guterres se não afastam, antes se identificam cada vez mais com as que foram conduzidas pelos Governos do PSD e de Cavaco Silva.

O discurso governamental de que, no âmbito económico, tudo corre no melhor dos mundos, já se não distingue do discurso do «oásis» do PSD. Mas, hoje como ontem, o que fundamentalmente ressalta da evolução económica é que a estrutura produtiva nacional continua a definhar, que persistem as dificuldades de muitas empresas e o investimento empresarial decresce ou estagna, que prossegue a política do «escudo caro» e que, em grande parte por isso, aumentam as dificuldades da produção nacional na competição com produções estrangeiras, quer no mercado interno quer no exte-rior. Realidades básicas e essenciais que os efeitos conjunturais decorrentes de dois ou três grandes empreendimentos públicos não permitem escamotear.

Do mesmo modo que o Governo do PS prossegue e acelera o nefasto processo de privatizações de empresas públicas, delapidando o património público, agravando a dependência económica nacional, promovendo os despedimentos e o desemprego, violando direitos dos trabalhadores e beneficiando o grande capital nacional e transnacional.

No âmbito da União Europeia e em particular na fuga em frente para a Moeda Única que põe em causa os interesses e soberania nacionais, os princípios, as orientações, as prioridades e as práticas do Governo do PS são a imagem reflexa das que foram definidas e desenvolvidas pelo PSD. De tal modo a identificação é total e completa que é agora o próprio PSD que procura, a todo o custo, inventar nuances que aparentem a sua demarcação dessa opção do Governo do PS e que lhe permitam desresponsabilizar-se das suas desastrosas consequências.

O discurso da «solidariedade» e da «preocupação com as pessoas» é desmentido diariamente. Com os elevados e injustificados aumentos de preços de bens e serviços essenciais que, só por si, praticamente consomem as irrisórias actualizações das pensões e reformas e do salário mínimo. Com a tentativa de definição de normas salariais que a serem aplicadas constituiriam um autêntico congelamento ou redução dos salários reais. Com a permanência dos socialmente insuportáveis níveis de desemprego. Com a completa sintonia, cada vez mais comprovada pelos factos, entre as posições do Governo do PS e da CIP em matéria laboral. Sintonia revelada no “Acordo de Concertação Estratégica” e brutalmente demonstrada na interpretação e aplicação dos horários de trabalho decorrentes da lei da flexibilidade e polivalência.

Tal como o seu Governo, igualmente o PS e o seu Grupo Parlamentar mostram uma enorme ausência de vontade política para se demarcarem do PSD nas questões fundamentais. Antes persistem na via das aproximações e dos «negócios» acordados na penumbra dos gabinetes. Tal como agora se registou em relação à composição do chamado Conselho de Fiscalização do SIS. Mas também, por exemplo, nas cedências ao PSD, que comprometem a concretização da Regionalização e no que respeita à Revisão Constitucional.

O Comité Central considera aliás da maior gravidade o que se está a passar no âmbito da Revisão Constitucional. Há mês e meio que a Comissão Eventual de Revisão tem os seus trabalhos paralisados. Não porque o processo de Revisão tenha sido suspenso ou cancelado. Mas porque o PS retirou o processo da sua sede própria, da Comissão Eventual - cujas reuniões são abertas e em que participam todos os Grupos Parlamentares - transferindo-o para os bastidores, para o negócio a dois e secreto com o PSD.

Para além do carácter negativo das alterações constitu-cionais que estejam a ser negociadas entre o PS e o PSD, designadamente no que respeita à eventual perversão do sistema eleitoral, o Comité Central chama a atenção e condena a falta de democraticidade e a violação dos princípios constitucionais e institucionais que, mais uma vez, o PS protagoniza de braço dado com o PSD. Desmentindo as numerosas declarações e compromissos publicamente assumidos pelo PS. E confirmando a razão de ser dos alertas que o PCP atempadamente fez.

São estas e outras identificações das políticas governativas e das orientações e práticas do PS com as do PSD que tornam perfeitamente natural e justificado que se evidenciem crescentemente na sociedade o desencanto e descontentamento de muitos e muitos portugueses, e em particular dos trabalhadores, que cada vez mais se sentem defraudados nas suas legítimas aspirações a uma mudança de política. E que se sentem enganados pelas promessas de um PS que, no Governo, as esquece e se recusa a honrar os compromissos que assumiu com os eleitores portugueses.

3. O Comité Central salienta que o expressivo e combativo movimento de iniciativas e de lutas contra a política do Governo, enfeudada aos interesses do grande capital, que se vem afirmando e desenvolvendo nos últimos meses, constitui um aspecto fundamental da situação política nacional. E representa uma séria derrota da esperança que o PS depositava em que a política de direita, desde que prosseguida pelo seu Governo, beneficiasse de uma resignação geral.

Num quadro muito vasto de múltiplas formas de protesto, intervenção e luta que abrange populações e diversos sectores sociais e profissionais, constituem exemplos de grande determinação a concentração e desfile de activistas sindicais e trabalhadores dos distritos de Lisboa e Setúbal realizado em 19 de Dezembro, as lutas e acções dos pescadores, dos trabalhadores da Função Pública com vínculos precários, dos ferroviários, dos agricultores, bem como as lutas dos trabalhadores de numerosas empresas e sectores pela redução do horário de trabalho, por melhores salários, contra os despedimentos e o encerramento de empresas.

Neste contexto de claro ascenso do descontentamento e da luta populares assume especial destaque a notável luta dos trabalhadores dos têxteis, vestuário e calçado, pela redução efectiva do horário normal de trabalho para as 40 horas (mantendo a integração das pausas e intervalos entre turnos na contagem desse horário) e contra as interpretações arbitrárias da lei que o patronato e o Governo, com o apoio da UGT, pretendem ilegitimamente impor.

As greves, plenários, concentrações, marchas e a manifestação realizada em Lisboa exprimiram uma profunda indignação com a fraude que o Governo do PS pretende praticar e uma forte afirmação da atitude combativa dos trabalhadores dos têxteis e vestuário em defesa de horários de trabalho dignificados. Simultaneamente, outros trabalhadores dos sectores do calçado, da metalurgia e das indústrias eléctricas alcançaram pela luta a redução do horário semanal de trabalho obrigando o patronato a recuar e fazendo fracassar as aplicações discricionárias da lei.

O Comité Central saúda estas acções combativas dos trabalhadores em defesa das 40 horas, pelo emprego, contra os salários em atraso, garantindo que, quer na sua acção política geral quer através das iniciativas do seu Grupo Parlamentar, o PCP lhes continuará a prestar activa solidariedade em defesa dos seus direitos. O Comité Central alerta ainda para o facto de, a curto prazo, no âmbito das negociações da contratação colectiva, poder surgir uma nova ofensiva das associações patronais centrada sobre a organização do tempo de trabalho e a polivalência de funções.

O Comité Central chama a atenção para que o chamado «Acordo de Concertação Estratégica», particularmente no que se refere a novas alterações da legislação laboral e às concepções neocorporativas que dele decorrem representa mais uma ameaça para os direitos dos trabalhadores, a exigir esclarecimento mas simultaneamente a exigir uma redobrada acção reivindicativa a nível das empresas e dos sectores.

O Comité Central salienta que, em correspondência com as preocupações e aspirações dos trabalhadores, é indispensável que ganhe um novo impulso a luta por melhores salários, pelo emprego, contra a precarização e pelos direitos sociais.

4. Sem prejuízo das extensas e diversificadas responsabilidades que o PCP terá de continuar a assumir na vida nacional, o Comité Central considera que, no ano em curso, a par do objectivo do reforço orgânico do Partido, é necessária uma especial concentração de atenções e energias nas tarefas do reforço do papel do Partido no apoio à dinamização da luta de massas, da sua crescente afirmação como pólo aglutinador de valores e aspirações de esquerda e da preparação das eleições autárquicas.

Em relação às eleições autárquicas, a realizar em Dezembro deste ano, ao mesmo tempo que regista o trabalho já realizado, designadamente na apresentação de candidaturas e dos anúncios que estão previstos, bem como nas iniciativas de informação à população sobre o trabalho realizado e a actividade desenvolvida, o Comité Central considera necessário, nas próximas semanas, generalizar o trabalho de escolha das candidaturas e de formação de listas, conjugando a experiência com a renovação, com critérios de honestidade e competência; dinamizar a CDU e o funcionamento das suas estruturas e procurar o seu alargamento; desenvolver um amplo trabalho de contactos com independentes; intensificar a preparação e planeamento de diferentes aspectos da pré-campanha e a eventual criação de estruturas específicas para esta batalha eleitoral; combater a instrumentalização e o abuso do poder e do aparelho de Estado pelo Governo e por diferentes níveis da Administração Pública.

Tendo em vista aprofundar a reflexão sobre a intervenção no poder local e as orientações para a próxima campanha eleitoral, o Comité Central decidiu igualmente convocar uma Conferência Nacional do PCP sobre as Eleições Autárquicas de 1997, a realizar em 12 de Abril, em Palmela, delegando na Comissão Política e no Secretariado a tomada de decisões necessárias à sua preparação, organização e funcionamento.

O Comité Central decidiu lançar uma Campanha Nacional de Fundos extraordinária com o objectivo de recolher 200 mil contos até ao final deste ano, como contributo para reunir os recursos indispensáveis a uma ampla, empenhada e bem sucedida campanha eleitoral.

O Comité Central exprime a sua forte convicção de que está inteiramente ao alcance da CDU reforçar votações, mandatos e maiorias nas próximas eleições autárquicas, o que teria também reflexos muito positivos para a evolução futura da situação política nacional.

O Comité Central salienta de igual modo que os êxitos e progressos que o Partido alcançar no combate à política de direita (executada pelo Governo do PS e apoiada de facto pelo PSD e pelo PP) serão uma importante contribuição para o êxito da CDU nas eleições autárquicas.

5. No plano da intervenção na actual conjuntura política, o Comité Central destaca a importância da campanha de informação e esclarecimento que, abrangendo um vasto e articulado conjunto de iniciativas e acções, o PCP se propõe desenvolver nos próximos meses contra a moeda única, em defesa do emprego, dos direitos sociais e da soberania nacional, e pela realização de um referendo através do qual o povo português possa pronunciar-se sobre a participação de Portugal na moeda única.

A moeda única, assente em orientações de políticas monetária e cambial únicas de natureza neoliberal e impondo políticas orçamentais restritivas, teria profundas e negativas consequências económicas e sociais para o nosso País. Nomeadamente no âmbito dos ritmos de crescimento económico, do aumento do desemprego, das restrições salariais e da degradação do sistema de segurança social.

O Comité Central reafirma que seria politicamente irresponsável e democraticamente intolerável que a opção pela participação de Portugal na moeda única, opção que necessária e insofismavelmente condicionaria de forma duradoura o futuro do País, pudesse vir a concretizar-se por directórios governamentais ou partidários, à margem do cabal esclarecimento dos portugueses e sem que ao povo português fosse dada a possibilidade de se pronunciar e decidir sobre o seu próprio destino.

6. Estando agendado para o próximo dia 20 o debate na Assembleia da República do projecto de lei do PCP sobre interrupção voluntária da gravidez apresentado em Julho de 1996 (bem como de outros projectos posteriormente apresentados), o Comité Central apela a uma vasta mobilização da opinião democrática e de todos os portugueses e portuguesas que compreendem que o alargamento dos fundamentos para a realização do aborto em condições de legalidade e segurança médica é indispensável para combater o flagelo social do aborto clandestino, para proteger a saúde das mulheres e para favorecer uma maternidade consciente e responsável.

Esta mobilização é tanto mais necessária quanto parece ser certo que sectores conservadores e reaccionários se dispõem a desencadearem de novo campanhas de demagogia, deturpação e terrorismo verbal em torno de uma questão que reclama serenidade, tolerância e sentido de responsabilidade.

E é também necessária porque a recente declaração da direcção do Grupo Parlamentar do PS manifestando a intenção de suscitar uma iniciativa de referendo se a Assembleia aprovar inovações à legislação em vigor (mas não anunciando semelhante intenção caso a AR rejeite os projectos em debate) indicia claramente que o Secretário-Geral do PS e a direcção do seu Grupo Parlamentar (contando com os votos do PSD e o PP) apostam na rejeição dos projectos, incluindo do que foi subscrito por 54 deputados do seu partido.

7. O Comité Central debateu e aprovou as linhas gerais do calendário de iniciativas do Partido em 1997 as quais, tanto a nível central como das organizações regionais, perspectivam uma intensa. dinâmica e diversificada intervenção do Partido.

Desse conjunto, o Comité Central destaca desde já os grandes comícios comemorativos do 76º aniversário do PCP (a realizar no Porto em 1 de Março e em Lisboa em 7 de Março), o Comício Internacional “Pelo emprego com direitos, por uma Europa de progresso social, paz e cooperação” a realizar em 24 de Maio, no Campo Pequeno em Lisboa, com a participação de numerosos partidos comunistas e outras forças de esquerda da Europa, a Festa do Avante! a realizar em 5, 6 e 7 de Setembro.

O Comité Central sublinha a especial importância de as próximas comemorações do Dia Internacional das Mulheres (de cujo programa se destaca a manifestação a realizar em Lisboa em 8 de Março), do 25 de Abril e do 1º de Maio constituirem uma forte afirmação dos ideais e valores democráticos e progressistas e da luta pelos interesses e direitos dos trabalhadores e do povo português.

8. O Comité Central exprime uma profunda preocupação com o errado e perigoso rumo imposto ao país pela continuação, através do Governo do PS, da política de direita e que, como se está a ver, não só não abre qualquer processo ou perspectiva séria de solução dos problemas de fundo da sociedade portuguesa, como tenderá a agravá-los consideravelmente.

Mas manifesta também a sólida confiança que anima o PCP e os comunistas portugueses de que pela resistência, pela luta, pela audaciosa afirmação das propostas para uma alternativa inspirada por valores de esquerda e por uma intervenção activa dos cidadãos em defesa dos seus interesses e aspirações a uma nova política, acabará por ser alcançada a viragem política de que Portugal precisa.

Fortalecido pelas orientações e decisões do seu XV Congresso, o PCP propõe-se ampliar o seu papel como grande força da democracia portuguesa e como grande animador de um valioso projecto de democracia, desenvolvimento, bem estar, progresso e justiça social e independência nacional.

A ampliação da influência social, política e eleitoral do PCP é a grande alternativa para evitar que a progressiva desilusão com o PS venha a desembocar numa futura reabilitação eleitoral da direita e no seu regresso ao poder.

Um PCP mais forte é, de facto, a melhor garantia de um novo rumo para Portugal.


«O Militante» Nº 227 de Março/Abril de 1997