«O Militante» Nº 227 de Março/Abril de 1997 - Fluxos financeiros entre Portugal e a UE

No domínio da Agricultura

Fluxos financeiros entre Portugal e a UE

Por Joaquim Miranda
Membro do Comité Central
e Deputado no Parlamento Europeu




1. Nos últimos tempos têm vindo a lume na comunicação social nacional várias notícias, declarações e contra-declarações relativamente aos saldos financeiros entre Portugal e a União Europeia, no tocante à agricultura.

Porque as dúvidas e as interrogações se instalaram e se generalizaram, importa que, com algum rigor, se esclareça esta matéria nas suas diversas vertentes.

E a primeira afirmação que fazemos é a seguinte: é inequívoco que, no tocante à agricultura e no plano estritamente financeiro, Portugal é profundamente penalizado.

Desde muito cedo alertámos para esse perigo E, mais, esse facto tem vindo a acentuar-se nos últimos tempos, por via da crescente debilidade da nossa agricultura e, consequentemente, pelo recurso cada vez maior do país às importações de produtos agro-alimentares.

A razão de ser desta iniquidade é de simples explicação: a lógica da Política Agrícola Comum (PAC) continua a ser a do seu início e, portanto, orientada para os interesses das grandes potências agrícolas (França em primeiro lugar), e daí que quem mais produz e menos importa mais recebe. Como somos fracos produtores (e cada vez mais fracos...) e fortes importadores (e cada vez mais fortes...), um tal resultado é inevitável!

Alguns números ajudarão, porventura, a melhor compreender (que não a aceitar) esta anacrónica realidade.

De acordo com o Relatório anual do Tribunal de Contas Europeu, relativo a 1995, as contribuições dos Estados-membros, relativas a direitos niveladores agrícolas, para os recursos próprios da UE, foi a seguinte (em termos efectivos e em milhões de ecu):

Donde se retira que Portugal é o segundo contribuinte (11,9% do total) para o orçamento comunitário neste tipo de recursos, um dos dois mais importantes relacionados com a agricultura (o outro é o respeitante a quotizações de açúcar e isoglicose).

Entretanto e no respeitante a transferências da UE para os Estados-membros, no âmbito do FEOGA-Garantia, a sua distribuição foi a seguinte (em milhões de ecu):

Ou seja, neste âmbito Portugal surge nos últimos lugares com apenas 2% das transferências.

Para esta situação contribui, objectivamente e para além dos aspectos gerais acima referidos, o facto de serem privilegiadas as produções essencialmente características do centro e norte da Europa, como revela o quadro, mais abaixo, de distribuição das dotações do FEOGA-Garantia, por produções (ainda no ano de 1995 e em milhões de ecu).

Poderá argumentar-se que, no estrito plano do orçamento comunitário, ainda assim e apesar das profundas desvantagens relativas, Portugal recebe mais do que paga para a Comunidade.

É óbvio, porém, que não só não podem deixar de ser tidas em conta tais desvantagens relativas, como, mais importante, elas acontecem num contexto mais global de grave afunilamento das relações agro-alimentares do país com a Comunidade Europeia, nomeadamente decorrente da preferência comunitária, sendo certo que os preços dos produtos que dela se importam são, regra geral, mais elevados que os dos países terceiros; e isso tem um custo, de cálculo difícil, mas muito significativo.

O que nos pode levar à conclusão que, em termos financeiros (e não estritamente orçamentais) e no domínio agrícola, o país sai, inequivocamente, muito penalizado).

Três notas adicionais se impõem, entretanto e ainda a este propósito.

São absurdas, evidentemente, as orientações centrais da PAC e impõe-se, por isso mesmo, a sua urgente alteração. Nomeadamente no sentido duma correcta consideração das particularidades regionais e nacionais. Sempre o afirmámos, aliás.

Em segundo lugar, é flagrante a incapacidade negocial dos sucessivos governos, desde a adesão do país à Comunidade Europeia. Para o confirmar bastará recordar a forma triste e ridiculamente entusiástica como foi festejada a finalização da última reforma da PAC, durante a presidência portuguesa. Ao ponto de ser considerado “uma grande vitória” dessa presidência.

Finalmente, é flagrante a inexistência no país duma adequada orientação para o sector primário. Faltando, desde logo, uma devida definição de áreas de especialização. Para não falar já da forma como têm sido aplicadas as verbas comunitárias disponíveis. Responsabilidades que cabem aqui, por inteiro, aos mesmos governos (incluindo o presente).

Aliás, tal decorre largamente da convicção intolerável que os mesmos foram assumindo e generalizando, segundo a qual a agricultura portuguesa não tem futuro (e não terá, é certo, a manterem-se aquelas orientações comunitárias e tais posicionamentos governamentais).

2. Questão diferente é a dos fluxos financeiros globais entre Portugal e a União Europeia.

Se é inequívoco que no domínio da PAC o país é penalizado em termos financeiros, igualmente claro é que, em termos orçamentais globais, Portugal recebe substancialmente mais da UE do que para ela contribui. O que acontece particularmente por via das transferências efectuadas no âmbito das Acções Estruturais (Fundos Estruturais - FEDER, FEOGA-Orientação e FSE - e Fundo de Coesão).

Facto, porém, que não justifica, minimamente que seja, a referida situação no contexto agrícola. Aliás, e para confirmar isso mesmo, bastará ter presente a situação de outros países que, sendo embora e igualmente beneficiários principais das Acções Estruturais, são no entanto e simultaneamente beneficiários financeiros da PAC.

Ou que, por outro lado, tão pouco pode levar à conclusão dum total e eficaz aproveitamento pelo país dos montantes comunitários disponíveis e/ou disponibilizados. Mas esta é matéria para outra oportunidade.

3. Outra questão ainda, distinta das duas anteriores e particularmente relevante é a seguinte: serão os fluxos financeiros entre Portugal e a UE (quantitativamente positivos, em termos globais) suficientes para compensar as enormes dificuldades económicas que decorrem das orientações comunitárias para os diferentes sectores de actividade?

Não é possível, naturalmente, dar uma resposta quantificada a tal questão.

Porém dois aspectos merecem ser tidos em conta.

Em primeiro lugar, as decisões adoptadas no passado na Comunidade e orientadas para um reforço das verbas a destinar a países de menor desenvolvimento, como Portugal, foram-no invariavelmente a par de outras decisões altamente lesivas, no plano económico, para os mesmos países. Foi o caso, primeiro, da criação do mercado único e do consequente derrube das barreiras alfandegárias. Foi, mais recentemente, a decisão de avançar com a União Económica e Monetária e com a moeda única e, neste contexto, com os critérios de convergência nominal.

Em segundo lugar e particularmente: se existem dados objectivos de certos e mesmo consideráveis avanços no domínio das infra-estruturas, são no entanto especialmente evidentes e profundas as dificuldades por que passam muitos e relevantes sectores de actividade. Assim é, desde logo, na agricultura. Mas assim acontece, igualmente, nas pescas, no pequeno e médio comércio, nos têxteis, na indústria vidreira, na siderurgia, na construção naval, nas minas,... Para não falar no desemprego, no emprego precário, ou noutros fenómenos de degradação social. Como evidentes são ainda as crescentes disparidades de desenvolvimento no seio do país.

Ou seja, apesar de ser impossível efectuar a quantificação acima referida, resulta cada vez mais evidente que as transferências financeiras comunitárias - apesar de quantitativamente importantes e não passíveis de minimização - não compensam os impactos globais e sectoriais negativos que decorrem das orientações neoliberais da UE. E esta é uma questão crucial.

E se se tiver em conta que tal se constata num momento em que, com os olhos postos no quadro financeiro comunitário para o período posterior a 1999, se desenham já perspectivas restritivas também no domínio orçamental, então o quadro ganha contornos particularmente preocupantes e exige que, desde já o país, e em especial o Governo, defina e assuma uma nova estratégia, que rompa radicalmente com a do “aluno bem comportado” que vem sendo erradamente seguida até agora.

 

Alemanha	104,6
Áustria		7,0
Bélgica		28,4
Dinamarca	7,2
Espanha		137,9
Finlândia	12,6
França		49,4
Grécia		9,7
Holanda		95,9
Irlanda		0,8
Itália		91,0
Luxemburgo	0,1
Portugal	100,6
Reino Unido	86,4
Suécia		11,3
Total		844,3

Alemanha 5 385 Áustria 88 Bélgica 1 623 Dinamarca 1 404 Luxemburgo 14 Espanha 4 575 Finlândia 63 França 8 423 Grécia 2 426 Holanda 1 945 Irlanda 1 420 Itália 3 391 Luxemburgo 14 Portugal 708 Reino Unido 1 956 Suécia 77 Total 34 497

Cereais 14 574 19,3% do total do orçamento comunitário Produtos lácteos 4 268 5,7% do total do orçamento comunitário Carnes, ovos 996 9,3% do total do orçamento comunitário Tabaco 1 111 1,5% do total do orçamento comunitário Frutas e hortaliças 1 881 2,5% do total do orçamento comunitário Vinho 1 044 1,4% do total do orçamento comunitário


«O Militante» Nº 227 de Março/Abril de 1997