«O Militante» Nº 227 de Março/Abril de 1997 - Uma experiência cultural participada

Município do Seixal

Uma experiência cultural participada

Por Eufrázio Filipe
Membro do Comité Central e Presidente da Câmara do Seixal




Volvidos os tempos mais recentes, o nosso país espera ressarcir-se, não só dos efeitos negativos provocados pela política que conduziu à litoralização demográfica mas também à aridez no fomento das dinâmicas culturais. Hoje, legitimamente sem ilusões mas ainda com consideráveis expectativas, pretendemos vivificar desejos, vontades e projectos - esperamos que não sejam de novo adiadas as dinâmicas dos agentes culturais. Hoje como ontem a identidade de um povo não se mede pelo número de prédios altos concentrados à beira-mar - hoje como ontem é urgente despertar valores, referências, raízes patrimoniais.

O desenvolvimento cultural da população, a democratização do ensino e da cultura são objectivos constitucionais cujo cumprimento cabe ao Estado.

A Cultura é uma componente imprescindível do desenvolvimento económico e social do País, constituindo um factor de soberania, de enraizamento e ampliação da democracia, num mundo em crescente internacionalização e nesta etapa da integração europeia de Portugal em que a preservação da Identidade Nacional não pode deixar de ser um objectivo que a todos mobilize.

Desta forma é sem dúvida fundamental uma política de cultura que salvaguarde o Património e a Identidade Cultural do País, que favoreça a liberdade criativa, o pluralismo e o confronto de diferentes correntes estéticas, que fomente o desenvolvimento cultural das populações e alargue a possibilidade da fruição dos bens culturais a todas as regiões do País.

As Autarquias têm contribuído de forma decisiva para criar as condições de uma vida cultural que contraria os fenómenos decorrentes da degradação do Sistema de ensino, da marginalização, do baixo nível cultural imposto pelos media dominantes e as regras de mercado das indústrias culturais.

A acção das Autarquias na área da Cultura tem sido tanto mais importante quanto durante os últimos anos o poder central se tem demitido das suas responsabilidades e obrigações no domínio dos investimentos, nas infra-estruturas, no fomento e apoio à produção cultural, nos apoios ao Movimento e Agentes Culturais.

Os apoios do poder central têm sido manifestamente escassos e limitados aos contratos-programa da rede de Leitura Pública embora ainda longe do objectivo da cobertura nacional, dado que apenas em 20% dos concelhos do País existem Bibliotecas, e pequenas comparticipações em algumas iniciativas locais. Não tem existido uma política de descentralização cultural, muitos projectos de inegável importância não são apoiados, sendo por demais evidente a situação do movimento associativo sem incentivos minimamente significativos do Governo e sem um enquadramento legal à sua actividade que apoie a sua insubstituível função social.

Mais de duas décadas decorridas sobre a institucionalização do Poder Local democrático, entre a vasta obra das Autarquias, a actividade cultural assume relevância indesmentível.

Na verdade, nunca será demais sublinhar que, enfrentando atrasos seculares nas condições de vida mais elementares das populações, lutando com a dramática falta de meios agravada por uma Lei das Finanças Locais jamais cumprida pelos sucessivos governos, as Autarquias não deixaram de considerar ser também sua a responsabilidade no apoio à cultura.

Na verdade, nunca como hoje, pesem todas as insuficiências, se verificou a possibilidade de um mais generalizado acesso à Cultura fora dos grandes centros.

Sem a iniciativa das Autarquias, a miríade de festas, concertos, festivais, ciclos que de Norte a Sul se realizam, essa realidade que é o aparecimento de um tecido profissionalizado de criação e produção no campo das artes e das letras não se teria seguramente verificado. Deste modo a actividade autárquica consubstancia uma criadora resposta a uma dicotomia que desde sempre se acompanha e atormenta, isto é, apoiar e dinamizar a produção cultural ou apoiar e dinamizar o consumo cultural.

A proximidade das populações, que está na essência do carácter democrático do Poder Local português, parece ter forjado a resposta para esta dicotomia, isto é, as Autarquias apoiam simultaneamente a criação, a produção e o consumo de bens culturais.

Aqui reside uma das mais fecundas experiências do Poder Local e uma das razões da dimensão e projecção do nosso trabalho.

Ecomuseu Municipal

Através do Ecomuseu, a Câmara Municipal do Seixal promove a salvaguarda e a valorização do património cultural e do património natural do concelho, que constitui o território de referência do museu.

Conhecer o nosso património é o primeiro passo para participarmos na sua valorização e para dele nos apropriarmos, com o sentido de o podermos legar como herança às novas gerações. Por isso o nosso projecto museológico municipal reconhece às comunidades locais um papel fundamental nessa defesa do património colectivo.

Desenvolvendo projectos de divulgação, de educação e progressiva rentabilização do património, baseados numa estreita ligação com a comunidade, a Câmara espera contribuir para alargar a tomada de consciência individual e colectiva e preparar novas respostas à exigência de afirmação da identidade cultural, num quadro de desenvolvimento integrado.

Os testemunhos materiais e os testemunhos imateriais representativos da relação do Homem e da Sociedade com o meio, os bens da Natureza que a ocupação humana apesar de tudo preservou - são diversos os patrimónios que ao Ecomuseu cabe estudar, interpretar e divulgar junto das populações e para o exterior do concelho, onde conta cada vez com maior número de utentes e de visitantes.

O Património Cultural e o Património Natural formam um todo que, entendido na sua globalidade, é essencial na relação da nossa sociedade contemporânea e do território.

O Ecomuseu põe actualmente à disposição dos públicos três núcleos com exposições e actividades diversificadas - o Núcleo Sede, na Torre da Marinha; o Moinho de Maré de Corroios e o Núcleo Naval com a Oficina de construção de modelos de barcos, em Arrentela - e três embarcações tradicionais recuperadas e a navegar no Tejo como embarcações de recreio (dois botes de fragata denominados «Gaivotas» e «Baía do Seixal» e um varino denominado «Amoroso»). Com visitas condicionadas, integram-se no Ecomuseu outros dois núcleos: a Olaria Romana da Quinta do Rouxinol, em Corroios - sítio arqueológico classificado de Monumento Nacional -, e a Quinta da Trindade, no Seixal - classificada de interesse público.

Música

Com a fundação das primeiras sociedades filarmónicas, a cultura musical está cometida ao movimento associativo, desenvolve-se e alarga-se no seu seio. As filarmónicas cuidaram, ao longo de muitas décadas, do ensino e difusão da música, educando nesta área uma população essencialmente operária e funcionando como escola à margem do ensino regular, a que grande maioria não tinha acesso.

Um dos aspectos negativos da escola formal é o de não responder às necessidades e características específicas de cada região. A ausência de uma regionalização capazmente estruturada, a uniformidade dos currículos e normas de funcionamento, em ensino essencialmente teórico, desligado das realidades locais, leva a que a escola encontre grandes dificuldades em se tornar realmente um polo dinamizador da cultura local aberto ao meio.

São ainda as Filarmónicas, bem como outras instituições fundadas posteriormente no âmbito do movimento associativo, quem desenvolve verdadeiramente as actividades de complemento curricular previstas no sistema educativo, no que concerne à música.

Porém, o projecto «Alfabetização Musical», seleccionado pelo Instituto de Inovação Educacional e acreditado pelo Conselho Científico Pedagógico de Formação Contínua de Professores, constitui uma referência e um estímulo para os diferentes agentes educativos e culturais do concelho, proporcionando a realização de uma educação artística no percurso que a escola deve implementar e que infelizmente tem sido, ao nível dos planos curriculares oficiais, remetida para um intervenção superficial e secundária.

Conscientes que a educação artística constitui um meio eficaz para desenvolver na escola a relação humana e ir ao encontro da personalidade individual, única de cada criança, permitindo o desenvolvimento das suas capacidades sensoriais, motoras e afectivas, criando-lhes uma interferência positiva das suas capacidades de expressão e comunicação, ao mesmo tempo que se assiste, a uma adesão significativa de professores do 1º ciclo do Ensino Básico ao projecto, a Câmara considera que estes factores são manifestantes da vontade, da necessidade e importância em dar-se uma continuidade evolutiva ao mesmo, assente na criatividade de uma rede de organizações próximas da prática docente dos professores.

Teatro

Conscientes das potencialidades que o Teatro pode assumir como privilegiado meio de comunicação ao nível da formação de indivíduos, bem como das dificuldades que a implementação de projectos desta natureza levanta, nomeadamente face à escassez de resposta do Poder Central ao nível das infra-estruturas existentes nas escolas para a prática cultural, entre outras.

Empenhados, igualmente, numa perspectiva realista, recusando «modelos» que não contemplam o trabalho desenvolvido e as respectiva avaliação, bem como o devido ajustamento às realidades locais, a Câmara tem levado por diante um Plano que, com carácter anual, traduz linhas de acção a desenvolver em conjunto com a comunidade escolar na área do Teatro Escolar.

Este projecto, designado genericamente Apre(e)nder o Teatro, sensibilização ao teatro na escola, contempla vertentes respeitantes à divulgação, formação e comparticipação financeira em projectos e iniciativas e apetrechamento técnico.

Os apoios, definidos no âmbito do Plano de Sensibilização ao Teatro vão no sentido de tentar preencher as lacunas que as escolas sentem. O balanço é positivo. Outros sinais como uma maior participação de jovens, assim como um número crescente de projectos cada vez mais solidificados contribuem, igualmente, para o bom resultado alcançado. No entanto, ainda é possível fazer mais e melhor, daí a constante reflexão e disponibilidade da nossa parte para, em conjunto, se encontrarem soluções evolutivas e que passam, a nosso ver, pelo intercâmbio entre os diferentes grupos de teatro, por exemplo. Aliás, está no horizonte da Câmara uma mostra de teatro escolar a nível concelhio.

Também os grupos de teatro amador têm a sua expressão, pois que desempenham um importante papel social e cultural, através de uma saudável ocupação de tempos livres ou trazendo, por exemplo, mais-valias em termos de recursos humanos às colectividades. Os elementos que constituem estes grupos são, por excelência, óptimos divulgadores do teatro.

Por outro lado a apresentação, no concelho, de espectáculos produzidos por companhias profissionais de teatro, prende-se, sobretudo, com a necessidade de, dentro do quadro da sua actividade mais global, criar condições de acesso, por parte da população, ao fenómeno do teatro, sem que tenham que se deslocar a Lisboa, por exemplo. Como sabemos a descentralização cultural, por parte do Poder Central, não tem passado de meros projectos de intenções, muito poucas vezes colocados na prática. Paralelamente, pensamos que pode constituir um incentivo aos grupos existentes no concelho e contribuir para a sua qualificação.

Artes Plásticas

Na área das artes plásticas cuja evolução de qualidade nos últimos anos é significativa, em 1997, irão ser abertos mais dois novos espaços de exposições - a Galeria de Corroios e um no Centro Municipal de Informação ao Consumidor -, a juntar a outros tão importantes espaços como a Galeria de Exposições Augusto Cabrita - «…poeta dos vagarosos instantes…» - no Fórum Cultural do Seixal, na Biblioteca Municipal - polo de Amora - e na Loja da Juventude.

A Exposição Anual Artes - Colectiva de Artes Plásticas, que se realiza desde 1990, é uma iniciativa organizada pela ARTES - Associação Cultural do Seixal e apoiada pela Câmara Municipal.

Nas últimas duas décadas tem-se verificado uma maior rapidez e facilidade no acesso à arte, contribuindo, deste modo, para o reforço do binómio artista-público.

A criação de novos espaços de comunicação e fruição, uma maior aproximação e acesso à informação e à formação artística, tem como resultado uma constante, e por vezes profícua, liberdade de criação que origina um diálogo permanente, provocando uma diversificação de percursos, produções e correntes estéticas.

A importância de perpetuar pessoas e acontecimentos tem levado o município a recorrer a escultores que, mercê do seu valor artístico, têm sabido dar corpo às homenagens pretendidas, e, são disso exemplo os grupos escultóricos que representam o «Poder Local Democrático», «Fernando Lopes Graça», «25 de Abril», «O Pescador», etc..

Educação

A área da educação constitui uma efectiva prioridade na intervenção da Câmara, privilegiando a relação de estreita cooperação com a comunidade educativa do concelho.

O Plano de Acção Cultural dá corpo ao projecto de parceria que envolve as autarquias e os agentes educativos, com expressão quotidiana na ligação às comunidades locais, num quadro em que a Feira de Projectos Educativos - tem lugar no final do ano lectivo - é um espaço de expressiva comunicação entre a comunidade educativa e a população do concelho.

Leitura

Em 1997, o concelho ficará dotado com três bibliotecas com ligação em rede informática, duas salas de estudo e o acesso à base de dados da biblioteca em espaços como a Loja Municipal e a Oficina da Juventude.

O apoio às bibliotecas escolares continua a constituir uma vertente prioritária, no âmbito da formação e do apoio técnico, dando continuidade ao actual programa de fornecimento de “software”.

A Biblioteca Municipal continua a desenvolver um leque diversificado de iniciativas de animação cultural, com destaque para: Ateliers das 4 Estações, Animação de Leitura, Ciclos de Vídeo, Exposições Temáticas, Encontro Espaço Lúdico e Dia Feliz.

A actividade da Biblioteca Municipal assume um importante contributo para a consecução da política cultural da Câmara, assente na inovação, descentralização e na democratização do acesso pelas populações, fazendo do concelho um reconhecido referencial também no domínio da Leitura Pública.

Esta terra do Seixal, onde nascemos, muitos habitam e trabalham, não é só pródiga em registos da memória arqueológica, em testemunhos vivificados: esta terra que amamos é a glória dos nossos avós a projectar-se nos amanhãs, apesar das condicionantes que ultrapassam as vontades municipais.


«O Militante» Nº 227 de Março/Abril de 1997