«O Militante» Nº 227 de Março/Abril de 1997 - As desigualdades continuam a aumentar em Portugal

Fiscalidade

As desigualdades continuam
a aumentar em Portugal

Por Eugénio Rosa
Economista




Um aspecto importante que caracteriza a sociedade portuguesa actual é o agravamento das desigualdades sociais. Neste artigo iremos apenas analisar como isso toma forma no campo fiscal, e, dentro deste, numa área especifica, que é a dos benefícios fiscais.

O actual sistema de benefícios agrava injustiças

O rendimento sujeito a imposto não é aquele que cada contribuinte aufere, mas sim aquele que fica depois de ter sido tirado aquilo que, na gíria fiscal, se chama deduções e abatimentos. Portanto, quanto mais elevados forem os valores das deduções e abatimentos (PPR, crédito a habitação, conta poupança reforma, despesas de saúde, etc.) que cada contribuinte consiga subtrair aos rendimentos que recebe, menor rendimento ficará sujeito a imposto e menor será o imposto que pagar .

Assim, a questão importante que interessa esclarecer é, no fundo, esta: Será  que são os contribuintes com rendimentos mais baixos aqueles que conseguem maiores benefícios fiscais, o que até seria uma forma de implementar uma maior justiça social? Ou será que o actual sistema de benefícios está montado de forma a favorecer fundamentalmente os contribuintes de rendimentos mais elevados, ou seja, aqueles que menos precisam e que menos apoios deviam receber do Estado?

Para obter as respostas para as perguntas anteriores, comece-se por observar os dados do quadro abaixo, relativos a 1995. Estes dados referem-se a contribuintes que têm de entregar o chamado MODELO 1, ou seja, trabalhadores por conta de outrem que só recebem salários e reformados cujo único rendimento é a pensão, e foi construído com dados da Direcção Geral de Contribuições e Impostos (DGCI).

Assim, de acordo com os dados do quadro, em relação a PPR(s), por ex., os contribuintes com rendimento bruto superior a 20.000 contos conseguiram descontar em 1995, em média, 6 vezes mais do que os contribuintes com um rendimento anual inferior a 700 contos; relativamente às despesas com saúde, a proporção já era de 8 vezes mais, etc..

E para o conjunto dos 5 tipos de benefícios constantes do mesmo quadro (PPR, CPH, Despesas com Saúde, Despesas com Habitação, e Abatimentos com Limite), conclui-se o seguinte: Contribuintes com rendimento bruto até aos 700 contos, a soma daqueles abatimentos determinou uma redução média de 316,1 contos no seu rendimento sujeito a imposto, enquanto contribuintes com rendimento médio bruto superior a 20.000 contos a redução média do rendimento, provocada por aqueles 5 benefícios fiscais, já foi de 1.651,3 contos.

E isto apenas para os 5 tipos de abatimentos referidos no mesmo quadro. No entanto, se somarmos todos os abatimentos e deduções (porque existem mais benefícios do que aqueles que constam do quadro), em 1995, segundo a DGCI, o desconto total no rendimento de cada contribuinte foi, em média, de 337 contos para os que tinham um rendimento bruto anual inferior a 700 contos, e de 2.816 contos, ou seja, 8,3 vezes mais, para os que auferiam (cada um deles) um rendimento bruto anual superior a 20.000 contos. Tal como muitas vezes sucedeu no passado, os contribuintes com baixos rendimentos podiam dizer aos contribuintes de elevados rendimentos: "Dá-me o teu desconto em troca de todo o meu salário".

Se fizermos idêntica análise em relação aos contribuintes que são obrigados a entregar o chamado MODELO 2, e que abrange todos os que não recebem rendimentos do trabalho ou de pensões, ou que auferindo esses rendimentos têm também rendimentos de outras origens (ex: rendas, juros, lucros de empresas, etc.), a desigualdade é ainda maior. Efectivamente, de acordo com dados da DGCI, em 1995, os contribuintes com rendimentos brutos inferiores a 700 contos descontaram, em média (cada um deles) apenas 98 contos no rendimento sujeito a imposto, enquanto os com rendimentos brutos superiores a 20.000 contos conseguiram descontar, em média, já 2.615 contos, ou seja, 27 vezes mais.

Receita perdida aumenta com o PS

É facilmente compreensível que quanto maiores forem os benefícios fiscais concedidos, maiores serão as perdas de receitas para o Estado, porque uma parcela importante do rendimento de cada contribuinte não pagar  impostos. E isto é mais grave se o sistema existente determinar que os maiores beneficiários com a perda de receita do Estado são os contribuintes de altos rendimentos. É precisamente o que acontece em Portugal, como se mostrou anteriormente.

Observem-se atentamente os dados do quadro acima, os quais mostram a política do Governo PS neste campo.

Como mostram os dados deste quadro, em apenas 4 anos, o Estado perder  619,5 milhões de contos de receitas, devido aos benefícios fiscais que concede, os quais, como se mostrou, beneficiam principalmente as classes de mais elevados rendimentos.

E como se conclui também dos mesmos dados, após a tomada de posse do governo PS, a perda de receita para o Estado, resultante do tal sistema de benefícios, cresceu significativamente. Em 1996, + 26,4% e, em 1997, o Governo prevê um crescimento de 12,9%.

E naquele valor, a parcela de receita perdida resultante de benefícios concedidos às empresas, tem um peso muito grande. De acordo com os Relatórios que acompanham o Orçamento do Estado, em 1996, a receita que o Estado perdeu, devido aos benefícios fiscais concedidos às empresas, somou 63 milhões, e o valor previsto para 1997 é de 68 milhões de contos.

Empresas pagam cada vez menos impostos e querem pagar ainda menos

De acordo com a DGCI, em 1994, das 191.400 empresas que apresentaram declarações de IRC, apenas 67.300 pagaram IRC. As restantes, que são a maioria, não pagaram nada.

Mesmo as que pagaram, a taxa efectiva aplicada é muito inferior à nominal. Como se sabe a taxa legal de IRC aplicada às empresas é 36%. No entanto, devido aos volumosos benefícios fiscais concedidos, a taxa efectiva acaba por ser muito inferior àquela.

Alguns exemplos esclarecedores, constantes do Relatório da Comissão para o Desenvolvimento da Reforma Fiscal.

Em 1994, para o conjunto das 67.300 empresas, a taxa efectiva, ou seja, a que realmente se aplicou, foi de 25%, isto é, menos 11 pontos percentuais. Isto significa que se as empresas tivessem efectivamente pago pela taxa de 36%, o Estado teria arrecadado mais 125 milhões de contos de IRC. E isto só no ano de 1994.

Entre 1991 e 1994, a taxa efectiva de tributação paga pelas 22 mais importantes instituições bancárias rondou apenas 20%, portanto menos 16 pontos percentuais do que teriam de pagar se não existissem tantos benefícios fiscais; e, escândalo dos escândalos, nas 25 mais importantes seguradoras a taxa efectiva, entre 1991 e 1993, rondou apenas os 3%, tendo subido em 1994 para 21%. Tudo isto de acordo com dados reunidos pela própria Comissão oficial para a Reforma Fiscal.

Em resumo, no campo das pessoas colectivas, ou seja das empresas, a desigualdade é ainda maior. São 124.100 que não pagam impostos, e as que pagam, devido aos volumosos benefícios fiscais concedidos, a taxa de tributação efectiva é significativamente inferior à taxa nominal, que era, como se sabe, de 36%. E dizemos "era", porque o Governo PS, cedendo às pressões da Confederação da Indústria Portuguesa (CIP), comprometeu-se em baixar, em 1997, a taxa de IRC aplicada às empresas em 2 pontos percentuais.

É evidente que se os benefícios fiscais fossem reduzidos significativamente, seria possível reduzir a pesada e grave injustiça fiscal que atinge a esmagadora maioria dos trabalhadores, sem diminuir as receitas do Estado.


«O Militante» Nº 227 de Março/Abril de 1997