«O Militante» Nº 227 de Março/Abril de 1997 - O logro da "concertação estratégica"
Por José
Ernesto Cartaxo
Membro do Comité Central do PCP
e da Comissão Executiva da CGTP-IN
A concertação estratégica era a grande novidade do Governo PS
para a concertação. Dizia-se que iria significar um novo modo
de fazer concertação no nosso país. Hoje, concluídos que
estão já dois processos com o Governo PS, o que está à vista
é que o novo é para pior: uma nova fase na
desregulamentação e na flexibilidade laboral, com o acordo de
curto prazo e com a aplicação das 40 horas; novas e graves
alterações à legislação laboral em domínios tão sensíveis
como, por exemplo, o conceito de retribuição e a duração das
férias; ataques à segurança social a favor dos interesses de
um poderoso "lobby" financeiro; benesses ao patronato
com o dinheiro dos contribuintes e da segurança social.
Logo na primeira reunião do processo de concertação estratégica, ocorrida em 6 de Maio passado, a CGTP-IN chamava a atenção para o facto de a negociação estar à partida envenenada pela forma como se pretende impor a flexibilidade e a polivalência. Estava ainda bem presente a chamada concertação social de curto prazo, encerrada em fins de Janeiro de 1996, em que a directriz essencial fora a flexibilização do trabalho, a moderação dos salários e um inqualificável atentado ao direito de contratação colectiva.
As perspectivas não eram, pois, boas até porque o patronato, que vira satisfeitas reivindicações que não obtivera com os Governos PSD, radicalizava ainda mais as suas posições, declarando desde logo que teriam de existir novas modificações na legislação de trabalho. As matérias de negociação não eram claras, porque se a tónica era posta em medidas de médio prazo, ditas estratégicas, o que aparecia na mesa de concertação social eram posições imediatistas patronais para desregulamentar e flexibilizar a legislação de trabalho e obter novas benesses, designadamente nas áreas fiscais e da segurança social.
Constatava-se também que o Governo manifestava uma grande pressa em concluir uma negociação à partida difícil, para um período alargado, havendo mesmo quem defendesse que antes das férias deveria estar encerrado. E insistia-se igualmente que só poderia haver acordo na globalidade das matérias, um método que tem sido utilizado para impor medidas que são contrárias aos interesses dos trabalhadores. O contexto era pois muito desfavorável, fosse longo ou fosse curto o processo de negociação.
Após uma primeira ronda de reuniões nos 6 grupos de trabalho entretanto criados, o Governo apresentou em fins de Julho um documento intitulado Bases para um Acordo de Concertação Estratégica. Trata-se de um documento em que se assumem as orientações macro-económicas e monetaristas da União Europeia e, em particular, o cumprimento dos critérios de Maastricht que é apontado como um grande desígnio nacional, e que no plano social não dá resposta aos principais problemas e questões com que se debatem os trabalhadores e o país. O prosseguimento das reuniões em grupos de trabalho, em reuniões plenárias e em contactos bilaterais não alterou substancialmente esta apreciação, pelo que, no início de Novembro, existia um conjunto significativo de matérias que estavam bloqueadas.
Foi nesta situação que a CGTP-IN apresentou uma proposta de acordo (Proposta da CGTP-IN de Acordo de Concertação), que foi aprovada em Plenário de Sindicatos, que reuniu no Pavilhão dos Desportos cerca de 2.500 quadros sindicais. A Central tivera uma intervenção muito activa em todo este processo, quer nas dezenas de reuniões dos grupos de trabalho, quer no desenvolvimento de negociações bilaterais com o patronato e com o Governo. Aliás, no início de Outubro, a CGTP-IN apresentou mesmo uma proposta de acordo à CIP, na sequência das reuniões bilaterais efectuadas, iniciativa que apenas poderia surpreender os menos atentos já que a CGTP-IN sempre definiu as suas posições em termos dos conteúdos negociais e não de quaisquer outros critérios.
A proposta apresentada ao Governo era um documento global, abrangendo todas as matérias. Poderia ter significado uma viragem nas negociações, pelo que vale a pena ter presente alguns dos seus pressupostos básicos:
- a ideia de que não tem sentido consagrar no texto final considerações de ordem política e princípios doutrinários que não são passíveis de negociação.
- a necessidade de um conteúdo equilibrado e socialmente justo, o que exige a correcção ou eliminação dos aspectos mais gravosos contidos no documento do Governo. Com esse objectivo, a CGTP-IN avançou com propostas ponto por ponto.
- a reafirmação do entendimento de que as áreas da segurança social, da fiscalidade e da saúde, por constituírem problemas de fundo de toda a sociedade - para os quais importa definir soluções na base de ampla discussão e consenso -, devem merecer um tratamento autónomo, visando acordos específicos.
- a delimitação, o mais clara e precisa possível, entre as matérias de carácter estratégico e as de carácter conjuntural.
O Governo, na pessoa do 1º Ministro, reconheceu a validade da proposta apresentada, mas colocado numa situação em que tinha de fazer opções claras decidiu claramente pelas posições patronais. Esta opção foi mesmo extremada quando, na fase final, o Governo apresentou uma última versão que continuava a não dar acolhimento às propostas da CGTP-IN ao mesmo tempo que inseria as alterações de revisão de legislação de trabalho que o patronato vinha reivindicando.
A parte final da negociação do Acordo coincidiu com a ofensiva desencadeada pelo patronato em numerosas empresas com vistas a fugir ao efectivo cumprimento da redução dos horários imposto pela Lei nº. 21/96 aprovada na Assembleia da República. O patronato pretendia anular a contagem das pausas de trabalho no período normal de trabalho, pondo em causa direitos legais e contratuais dos trabalhadores.
Esta questão assumiu ainda maior gravidade na medida em que o procedimento ilegal do patronato veio a ter cobertura do Governo, por via da interpretação da lei feita pelo Secretário de Estado do Trabalho e, sobretudo, pela pretensa Resolução da Comissão de Acompanhamento do Acordo de Concertação de Curto Prazo aprovada em 6 de Dezembro.
A CGTP-IN, não podendo ficar indiferente a tão graves atropelos aos direitos dos trabalhadores, decidiu suspender, no imediato, a sua participação nas reuniões da CPCS com vista a que o Governo clarificasse o seu conceito de concertação social, que se comprometesse claramente na sua responsabilidade de governar e afirmasse, sem equívocos, a sua rejeição da corporativização das relações laborais.
A última versão do documento do Governo, conhecida no próprio dia da assinatura, introduz alterações gravosas de modificação da legislação laboral, que há muito vinham sendo reivindicadas pelo patronato. Nestas alterações, destacam-se:
- o objectivo de restringir o conceito de retribuição, mediante a alteração da actual legislação, excluindo determinadas prestações regulares e periódicas, nomeadamente alguns prémios, o que visa facilitar ao patronato a sua eliminação.
- a tentativa de criar um regime alternativo de férias, no qual, entre outras inovações, se condiciona o período de férias à assiduidade, se admite que o valor do subsídio de férias seja inferior ao correspondente ao tempo de férias e à própria retribuição mensal e garantindo apenas um período mínimo de férias anual de 10 dias úteis, em violação da Directiva Comunitária 93/104/CE, que preconiza um mínimo de 4 semanas de férias anuais remuneradas e da Convenção nº 132 da OIT, que preconiza um mínimo de 3 semanas por ano.
- a intenção de recorrer a medidas para reforçar a flexibilidade dos horários como seja a redução de 8 para 2 dias, do período para envio obrigatório dos mapas de horário de trabalho; a dispensa desse envio, quando as alterações aos horários de trabalho não excedam uma semana; e o estabelecimento da regra do deferimento tácito, decorridos 15 dias após a apresentação do requerimento de alteração do horário, sem que a IGT se tenha pronunciado.
- o alargamento (ainda que a título excepcional) não só do limite de duração de 3 para 4 anos, dos contratos a prazo, como do número de renovações actualmente possíveis, no que constitui um sinal negativo de aumento da insegurança e da precarização crescente das relações de trabalho.
- a transformação de contratos simulados por recibos verdes, em contratos a prazo, no que constitui a confirmação da linha precarizadora preconizada pelo patronato.
- atribuição do direito de participação na elaboração da legislação laboral às entidades patronais.
- pagamento parcial de indemnizações por despedimento, com dinheiros da Segurança Social, isto é, com uma parte do dinheiro dos próprios trabalhadores, em processos de reestruturação que envolvam um número significativo de trabalhadores, no que constitui uma medida explicita de apoio aos despedimentos colectivos realizados em grandes empresas.
Estas intenções mostram que a flexibilidade e a polivalência, constantes da concertação de curto prazo, com que o Governo PS iniciara a nova política de concertação, não foram meros acidentes, ou, como se pretendera, moedas de troca, para obter as 40 horas, mas antes decorrem de uma mesma linha inspiradora de matriz neoliberal de enfraquecimento dos direitos dos trabalhadores.
A intervenção activa da CGTP-IN em todo o processo de negociação levou a que diversas reivindicações apresentadas fossem consagradas. A afirmação de que 80% das matérias foram objecto de consensualização não corresponde nem a uma verdade aritmética nem a uma pretensa igualdade de todos os temas que foram incluídos, não constituindo muitos deles qualquer novidade, mas uma simples transcrição de medidas em vigor, muitas delas há diversos anos. Mas o argumento traduz um empenhamento de facto da CGTP-IN, que o Governo frustrou, com vista a obter melhorias para os trabalhadores e para a população em geral. Tais melhoras são visíveis em áreas como o financiamento da segurança social, a saúde, uma maior equidade fiscal e uma Administração Pública mais eficaz.
O traço dominante, no entanto, é o acolhimento pelo Governo de uma estratégia global que continua a pretender resolver os problemas da competitividade das empresas à custa da mão-de-obra barata, desqua-lificada e sem direitos. Esta estratégia é o suporte de uma iniciativa empresarial cada vez mais dependente dos subsídios, dos incentivos, das ajudas, dos programas especiais, dos benefícios fiscais e outros apoios de todo o tipo suportados quer pelos contribuintes quer pelas empresas cumpridoras:
- uma linha norteadora de fundo que submete os direitos dos trabalhadores e a legislação do trabalho a critérios, aliás redutores, de competitividade das empresas. É neste contexto que se inserem as medidas já referidas de revisão da legislação de trabalho;
- a subalternização do emprego a favor de políticas macroeconómicas geradoras de desemprego;
- a ênfase em políticas activas de emprego que se sabe serem pouco eficazes e distorçoras do emprego e uma lógica de promoção de novas formas de emprego precário, através do estímulo ao trabalho a tempo parcial, agora apresentado como a ultima descoberta para a solução do desemprego;
- uma política de moderação dos salários que vai ao ponto de pretender subverter os critérios de actualização do salário mínimo nacional fixados na Constituição da República;
- o ataque à segurança social pública a favor de interesses financeiros, por via do plafonamento contributivo, da redução das contribuições, da intenção de reduzir a protecção social no desemprego;
- medidas gravosas para a generalidade da população, sendo significativa a alteração pretendida da legislação das rendas de casa.
Contrariamente ao que tem sido, e vai continuar a ser dito, através de campanhas pagas com os dinheiros dos contribuintes, o acordo não é bom para os trabalhadores porque não consubstancia medidas efectivas e seguras, susceptíveis de dar resposta aos problemas com que os trabalhadores se debatem: o desemprego e os despedimentos, a melhoria dos salários e uma distribuição justa do rendimento nacional, mais e melhor protecção social, o respeito pelos direitos individuais e colectivos dos trabalhadores.
O acordo não assenta num compromisso efectivo do mundo do trabalho, na medida em que nele não está presente a organização representativa da maioria dos trabalhadores portugueses.
É neste quadro que estão em curso diversas diligências da CGTP-IN, junto de órgãos do poder e outras instituições, no sentido de se conseguir anular todos os procedimentos que estão a pôr em causa os direitos dos trabalhadores, quer no que concerne à questão das pausas, quer no que se refere às tentativas de corporativização das relações de trabalho.
Entretanto, no terreno, os trabalhadores, com o apoio e a intervenção política do Partido, estão e vão continuar a dar uma resposta firme às tentativas do patronato de não reduzirem os horários de trabalho.
É esta luta que é preciso desenvolver e alargar no imediato, no quadro da luta mais geral pela prossecução das reivindicações aprovadas pelo 8º. Congresso da CGTP-IN, o qual realçou a importância da acção colectiva nos locais de trabalho para a realização de grandes objectivos como a luta pelo emprego, contra o desemprego e a precaridade, o aumento dos salários, o horário máximo das 40 horas, os direitos dos trabalhadores e o reforço da segurança social.
Este é o caminho para a resolução dos problemas dos trabalhadores e do País e para a necessária e urgente mudança de rumo das políticas económicas e sociais prosseguidas pelo Governo do PS.