«O Militante» Nº 227 de Março/Abril de 1997 - A magnífica luta dos trabalhadores dos TVC

Pela redução efectiva do horário de trabalho para as 40 horas!

A magnífica luta dos trabalhadores dos TVC

Por António Lopes
Membro da Comissão Política




Não é naturalmente fruto de “naturais incompreensões” ou ainda “obra de meia dúzia de agitadores” a magnífica luta, que vem sendo desenvolvida pelos trabalhadores das indústrias têxteis, vestuário e calçado (TVC), pela conquista da redução efectiva do horário de trabalho para as 40 horas e o não trabalho ao sábado.

Ela exprime não só a grande indignação e revolta contra a mentira e a burla que o Governo-patronato-UGT pretendem concretizar no que respeita à redução do horário de trabalho, como tem raízes bem fundas na brutal exploração a que têm sido sujeitos os trabalhadores dos TVC ao longo já de muitos anos, pela política da direita, ora do PSD, ora do PS.

A força com que a luta se desenvolveu entre os trabalhadores dos TVC é inseparável de uma realidade social e económica marcada pelas mais dramáticas e escandalosas desigualdades e injustiças. De uma realidade em que, a par dos “Ferrari” e de outros “mimos” para uns tantos, subsistem os mais baixos salários, as mais elevadas jornadas de trabalho e os maiores atropelos e ofensas à dignidade dos trabalhadores.

Realidade que parece nunca ter chocado ou escandalizado muito o “humano” Governo do Sr. António Guterres. Possivelmente porque o Primeiro Ministro pensará que os “Ferrari” são daqueles que se trocam por uns tantos pontos nalguma bomba de gasolina. Possivelmente porque para o Primeiro Ministro os elevados horários de trabalho e baixos salários do sector é aquilo que melhor serve à “competitividade” dos “Ferrari”, claro!

A grande "vigarice"

A enorme “vigarice”, como justamente têm chamado os trabalhadores às tentativas de aplicação da redução do horário de trabalho (não contando as pausas e intervalos de turno como tempo de trabalho), pondo em causa uma efectiva redução, pretendendo naturalmente ser extensiva a todos os trabalhadores, mostra-se cada vez mais como um instrumento demasiado à medida (e não o será por coincidência a mais) para servir no fundamental o prosseguimento da sobrexploração a que têm estado sujeitos os trabalhadores dos TVC.

Não é difícil de ver que a “vigarice” interpretativa do texto legal assenta que nem uma luva aos interesses do grande patronato.

Estendendo-se a resistência e os atropelos à efectiva redução do horário de trabalho num vasto conjunto de empresas dos TVC, não é difícil de verificar que à sua cabeça estão os grandes tubarões destas indústrias - os “Manuel Gonçalves”, os “Oliveiras”, os “Almeidas”, os “Cardoso”, os “Machados”, os “Violas”, os “Quintas”, os “Albano Lima”, etc.. É para estes que tão descaradamente interpretou a Lei o Sr. secretário de Estado, a mando do Sr. António Guterres, depois da entrevista desastrosa dada ao jornal Público.

Ao ter-se prestado a este papel, o Governo já não só assume as responsabilidades da Lei, a pensar sobretudo nos interesses de todo o patronato, mas ainda de uma “interpretação” que, como um “prato especial”, é servido ao patronato mais retrógrado e reaccionário existente nos sectores industriais dos TVC.

Ao fazê-lo, o Governo da campanha eleitoral - “as pessoas não são números” - não deve ter quaisquer dúvidas que são os sectores dos trabalhadores mais explorados e indefesos do país, maioritariamente mulheres e jovens, e até crianças, as vítimas privilegiadas desta “obstrusa” e desumana interpretação das normas legais.

As posições do Governo do PS a este respeito configuram também o carácter profundamente discriminatório e de classe da sua política contra os que mais necessitam da intervenção e do apoio do Estado para se defenderem dos abusos e injustiças do grande patronato.

O reforço da luta

Apesar da crescente repressão sobre os trabalhadores, das inevitáveis pressões económicas pela luta prolongada (13ª semana), das tentativas de desmobilização através de uma orquestrada e diversificada campanha do Governo, patronato e UGT para fazerem os trabalhadores caírem no “conto do vigário”, a luta dos trabalhadores dos TVC persiste e prossegue com uma grande firmeza e determinação.

Hoje cada vez menos os trabalhadores acreditam nas boas intenções do Governo. Depois deste ter violado a sua promessa eleitoral das 40 horas ao aprovar este horário numa Lei que, ao mesmo tempo, consagra gravíssimos retrocessos dos direitos dos trabalhadores, designadamente a polivalência e a flexibilidade de horários, quer agora negar, de facto, a concretização das 40 horas de trabalho. Por isso também um número cada vez maior de trabalhadores se vai apercebendo que não é com o Governo mas sim com o prosseguimento e reforço da luta que poderão conquistar a redução do horário de trabalho, confrontando-o de facto com a sua justa aplicação, como já hoje está a acontecer em muitas empresas, contrariando os desejos do patronato.

Não procurando substituir-se, o mínimo que seja, à importância da luta dos trabalhadores para alcançar a redução efectiva do horário de trabalho, mas, pelo contrário, com o objectivo de incentivar e estimular a sua continuação, o PCP, no prosseguimento de outras iniciativas parlamentares para a institucionalização das 40 horas, lançou uma nova iniciativa que “procede à clarificação de conceitos atinentes à duração do horário de trabalho” (incluindo os conceitos de período normal de trabalho, duração normal do trabalho semanal, trabalho efectivo e tempo de trabalho), de forma a que a sua aprovação possa evitar, daqui para o futuro, manipulações grosseiras que atentem contra os direitos dos trabalhadores quer na definição do horário de trabalho, quer na execução da sua redução, por força de lei ou regulamentação.

A acção dos trabalhadores comunistas

A acção dos trabalhadores comunistas dos TVC, associada à de muitos outros trabalhadores in-tegrados no movimento sindical unitário, na CGTP-IN, tem-se revelado como essencial, quer no esclarecimento da grande “vigarice” feita pela “sagrada trindade patronato-Governo- -UGT”, quer na mobilização, organização e apoio à luta do conjunto dos trabalhadores.

Na fase em que se encontra a luta são de esperar, pela parte do Governo e do patronato, crescentes dificuldades ao seu prosseguimento, além de grandes esforços para a silenciar nos principais órgãos de comunicação social.

A iniciativa parlamentar do PCP vem, por isso, num momento muito oportuno para dar um novo fôlego à luta e possibilitar através da consulta que vai ser feita aos trabalhadores sobre o Projecto-Lei, um maior e reforçado esclarecimento e mobilização.

Às organizações do Partido, principalmente àquelas que estão localizadas em fortes concentrações de indústrias dos TVC, cabe-lhes uma especial atenção e intervenção na divulgação do projecto do PCP e no apoio e solidariedade com este importante e numeroso sector de trabalhadores da indústria transformadora portuguesa.

Dando um balanço às diversas empresas têxteis de vestuário e calçado verifica-se que:

a) Uma parte significativa de empresários decidiu resolver a redução do horário para as 40 horas no respeito pelos direitos contratuais. Não é justo que os restantes, para além de uma atitude ilegal, queiram praticar concorrência desleal com as empresas respeitadoras da legalidade.

Entre os que cumprem estão dirigentes das associações patronais actuais e do passado, nomeadamente.

b) É ainda significativo o número de trabalhadores que não viram o horário reduzido ou ilegalmente reduzido, caso das confecções e dos turnos na têxtil, cordoaria e lanifícios.

c) Os dados demonstram que as orientações dadas pela Srª ministra e secretário de Estado do Emprego à Inspecção Geral do Trabalho (IGT) não neutralizaram a actuação do patronato, pois face a tantas ilegalidades por nós registadas e do conhecimento da IGT, nada foi resolvido.


SALÁRIOS TÊXTEIS/HORA COMPARAÇÃO INTERNACIONAL 1994

 

País/cidade			Nº de horas 	 Salário/h 
				semanal		(Frs. suíços)

Grécia/Atenas			40		4,23
Bélgica/Bruxelas		38		8,55
Dinarmarca/Copenhague		37		12,42
Irlanda/Dublin			38		6,57
Alemanha/Dusseldorf		38		10,88
Suíça/Geneve			41		14,58
Finlândia/Helsínquia		40		7,78
Reino Unido/Londres		40		6,88
Luxemburgo/Luxemburgo		40		12,93
Espanha/Madrid			39		5,72
Itália/Milão			39		7,99
Noruega/Oslo			38		11,13
França/Paris			39		9,07
Suécia/Estocolmo		40		9,42
Áustria/Viena			38		9,90
Holanda/Amsterdão		38		9,86
Média 15 países europeus	39		9,20
Portugal/Lisboa			44		3,57
Portugal/Média 15 países	+5h		38,9%

«O Militante» Nº 227 de Março/Abril de 1997