«O Militante» Nº 227 de Março/Abril de 1997 - De olhos nos olhos na baixa de Lisboa
Idália Cerca Martins é a camarada responsável por uma
frente de trabalho do Partido que tem expressão em algumas
organizações mas é um exemplo que deveria ser seguido em
muitas outras: o quiosque permanente do PCP instalado junto da
rua Augusta, na Baixa de Lisboa. Normalmente entre as 10 e 30 da
manhã e as sete da tarde, «mas sempre das 11 às 15», lá
está ela a falar do Partido, dos seus ideais, da sua luta e das
suas posições, às pessoas que, ao longo dos últimos dois
anos, se habituaram a esta presença. Um diálogo muitas vezes
emocionante, outras, algumas, mais duro.
Idália foi operária da Plessey Automática durante trinta anos. Quando Rocha de Matos, patrão dos patrões da indústria, comprou a empresa e lhe chamou Centrel Automática, apressou-se a concretizar o maior despedimento colectivo feito em Portugal até 1995. A nossa camarada foi uma das vítimas. «Perder o emprego aos 50 anos e sem direito a reforma é uma situação deveras dolorosa» - confessa. «São trinta anos de convívio, de trabalho em que se ganham grandes e profundas amizades. É o dia-a-dia ocupado. Por vezes não se faz o que se gosta, mas estamos ocupadas, é a nossa vida. Com a perda do emprego vem a solidão, a frustração, os trabalhos ocasionais que nos vão destruindo pouco a pouco».
Era este o estado psíquico da Idália Martins quando, em 1993, participou activamente na campanha distrital da CDU para as eleições autárquicas. «Foi uma experiência muito rica e quando, em Abril de 1995, o Partido me colocou a questão do quiosque, não hesitei. Além da importância deste trabalho político de rua, que me obrigaria a superar as minhas próprias limitações, foi uma maneira de deixar de estar em casa a costurar, de deixar de me sentir destruída».
Enfrentou corajosamente os riscos e hoje, quando lhe faltam as bases culturais da teoria, saca do bornal as bases da razão, dos ideais e da intuição. Com resultados certos. Entretanto, preenche o resto de uma vida diária outra vez rica com as tarefas inerentes à sua condição de membro eleito da Comissão de Freguesia dos Olivais do PCP e da Assembleia de Freguesia dos Olivais. E de mulher e mãe de família.
Mas não haverá melhor síntese desta experiência, e mais expressivo sinal das suas potencialidades, que algumas confissões da camarada Idália Martins baseadas no seu contacto com a população:
«No quiosque temos a imprensa do Partido, livros, algum artesanato e todos os documentos de informação e propaganda que vão sendo editados. Os primeiros são vendidos - os livros a preços mais baixos -, os documentos distribuídos às pessoas. Outra das tarefas, bem compensadora, é o recrutamento de novos militantes. Noventa por cento dos novos membros do Partido aqui recrutados são jovens, em grande parte estudantes. O trabalho não é fácil, e mais difícil em certos períodos. Com acontecimentos como o aniversário do Partido, Festa do Avante!, Congresso, os resultados são melhores. É mais fácil - talvez mais motivador para mim própria - o contacto com as pessoas. O mesmo se passa com a venda do Avante!, por exemplo: se armamos em ardinas e o apregoamos, os resultados são imediatos. Por isso sinto que o problema é mais nosso que das pessoas - por vezes tenho a sensação de que elas vão à nossa frente.»
«Quando sentimos que temos razão e queremos o melhor para o povo há que ir em frente. Quando surge uma boca não respondo. Mas não dou um papel para as mãos das pessoas sem lhes perguntar se o querem. Se o deitam para o chão têm-me à perna. Digo-lhes que não é asseado e que a inteligência não se deita no lixo. Se me provocam, digo-lhes que o que se deita no lixo é a estupidez ou a ignorância».
«Quando me perguntam se não me sinto só, aqui no quiosque, respondo que não senhor. Sou uma operária que tem a seu lado as obras de figuras como Karl Marx, Lénine, Álvaro Cunhal e tantos outros. Quem está acompanhada por gente como esta não se pode sentir só.»
«Os jovens são os que mais nos procuram. Se para mim é uma alegria falar com toda a gente, a juventude encanta-me. Pela expressão dos olhos dos jovens, vê-se mesmo que gostam do Partido, por isso eu acredito que o futuro é nosso».
«Na última campanha eleitoral sentimos aqui que as pessoas estavam connosco. Havia uma grande simpatia para o nosso lado. Mas nos últimos dias começámos a ver o efeito da televisão - vimos que era esse o nosso grande adversário. Por isso há que conversar, falar muito com toda a gente. Antes do nosso Congresso, distribuímos aqui 143 teses a pessoas anónimas. Conversámos muito sobre elas - mais com homens adultos, mas também com muitos jovens e algumas mulheres. Diálogos por vezes lindíssimos.»
«Interessante é a reacção dos estrangeiros. Muitos deles ficam entusiasmados ao verem à sua frente, na rua, as obras de Marx, Engels e Lénine. Outros por descobrirem que o nosso Partido está ali, sereno e livremente, no meio das pessoas, a falar com elas. Outra nota curiosa resulta da exposição prolongada de algumas páginas doAvante! e de O Militante sobre determinados temas de actualidade. Aparecem pessoas que compram, outras encomendam mais tarde, outras ainda pedem urgência por necessitarem desses jornais. Penso que serão estudiosos, investigadores, por vezes admiradores de algumas figuras históricas de que os nossos jornais falaram, como Bento de Jesus Caraça ou Cesina Bermudes, ou interessados em temas como os caminhos do movimento comunista, bem como a posição do nosso Partido sobre a Regionalização.»
Entrevista conduzida pelo camarada Armando Pereira da Silva.