«O Militante» Nº 227 de Março/Abril de 1997 - Um caso político singular mas de grande significado

Ilha das Flores

Um caso político singular
mas de grande significado

Por José Decq Mota
Membro do Comité Central
e Coordenador da DORAA




1. A Ilha das Flores é uma das nove ilhas do Arquipélago dos Açores e constitui, com a Ilha do Corvo, o Grupo Ocidental daquele Arquipélago.

Ocupa 141,7 km2 e tem uma população residente de 4 329 habitantes (censos de 1991) distribuídos por dois concelhos - o de Santa Cruz com 2 628 habitantes e o das Lajes com 1 701. A densidade da população é de 31 habitantes por km2 (a Região Autónoma dos Açores tem uma população residente de 237 795 habitantes - 102 habitantes por km2).

As Flores é a sexta ilha em área e a oitava ilha em população.

As actividades económicas dominantes situam-se no sector primário (produção de leite e carne, agricultura de subsistência e pesca em pequena escala) e nos serviços, com grande importância para o sector público administrativo (serviços regionais e autarquias) como entidade empregadora.


2. A Ilha das Flores sofreu durante séculos um elevadíssimo grau de isolamento. Apenas nos últimos 30 anos se verificou uma diminuição desse isolamento.

Desde o início do século até ao fim dos anos 50 vigorou a regra de um navio por mês, com escala nas Flores e Corvo. A construção pela Empresa Insulana de Navegação de navios pequenos de passageiros e carga para ligação inter-ilhas permitiu uma escala quinzenal na década de 60.

A instalação nesses anos 60 da Estação Francesa de Medidas (base militar de rastreio de mísseis balísticos) trouxe modificações na vida das Flores e da sua população. Foi construído um aeroporto e ampliada a rede de estradas; foi construída uma central hidroeléctrica e montada a rede geral de distribuição de energia; foi remodelado o pequeno hospital da Misericórdia e melhorada a assistência médica; foram criados postos de trabalho civis e ampliados os serviços públicos (civis e militares) portugueses.

Entretanto as características fundamentais quer da actividade económica, quer no que respeita a condições de vida, mantiveram-se, no essencial, no nível de grande carência que caracterizava os Açores no período anterior ao 25 de Abril.


3. Em 74, as Flores tinha um pequeno aeroporto mas não tinha carreiras civis regulares em quantidade suficiente. Não tinha porto em condições, nem infra-estruturas para a actividade agrícola, nem ensino secundário oficial. Tinha gravíssimas deficiências de abastecimento de bens essenciais, sofria de roturas frequentes no abastecimento de combustíveis, etc..

Alguns destes problemas eram semelhantes aos existentes noutras ilhas, só que o poder regional, criado em 1976, entendeu que não deveria dar prioridade às Flores, uma vez que “as Flores tinham tido na década de sessenta, com os franceses, um surto de desenvolvimento”. Gera-se pois uma situação profundamente contraditória e grave, que se resume assim: enquanto a partir de 77 o novo poder regional começava a construir portos e aeroportos e depois escolas, serviços de saúde e outros importantes investimentos públicos, as Flores, que em virtude do acordo luso-francês gerava para a Região uma importante receita de centenas de milhares de contos por ano, foi relegada para o fim da lista.

O porto das Flores só veio a ser uma realidade em 89; o crescimento da pista do aeroporto só se deu em 91; a escola C+S (entretanto criada) só abre ao décimo ano em 95.


4. Esta opção injusta e injustificada custou caro ao PSD/A e motivou, de entre outros factores, a possibilidade do PCP e da CDU se afirmarem como uma força política lutadora, essencial e determinante para o desbloqueamento do processo de desenvolvimento das Flores.

Após o 25 de Abril e tal como no resto da Região, a maioria da população votante das Flores deu apoio eleitoral ao PSD. O poder regional criado instalou-se em todas as ilhas e usou, por todo o lado, os mesmos métodos de selecção e manipulação que visavam consolidar o poder.

Após uma primeira fase ascendente longa, as contradições, o esclarecimento e a luta política fizeram com que o poder do PSD fosse sendo contestado e declinasse até cair em 96, como aconteceu.

Entretanto esse mesmo processo teve lugar nas Flores mas com um ritmo diferente e com uma característica essencial também diferente.

Por um lado o descontentamento afirmou-se mais cedo nas Flores, por outro lado, o PCP teve e tem nessa ilha um papel de liderança que não conseguiu ainda ter em outros pontos da Região.


5. Atentemos na distribuição dos três deputados regionais das Flores, por partidos, ao longo dos vários actos eleitorais, apresentada no primeiro quadro.


Em 76, 80 e 84 é claro o domínio do PSD. Em 84 há um primeiro sinal de alteração eleitoral cedendo o PS o seu lugar ao CDS, que apresentou um candidato que de algum modo soube catalisar o descontentamento.

Em 88 há o começo da grande modificação. O PSD desce, a CDU elege o 2º mandato e o PS recupera o 3º mandato. Em 92 o PSD mantém-se na frente (recuperando um pouco), o PS obtém o 2º mandato e a CDU o 3º mandato. Em 96 a distribuição mantém-se, mas com uma enorme diferença, pois a CDU vence na ilha, o PSD volta a descer perdendo muitos votos para a CDU, ficando com o 2º mandato e o PS obtém, tangencialmente, o 3º mandato, que por uma pequena diferença não foi também da CDU.

Analisando, no segundo quadro, os resultados das eleições regionais pode avaliar-se melhor o “salto” dado pela CDU em 88 e reconfirmado nos mandatos seguintes.


Verifica-se que o PSD começa a perder votos em 84, recuperando um pouco em 92; que o CDS/PP (AD-A em 92) apenas ultrapassou os 20% em 84 (ano em que elegeu); que a CDU “descola” em 88 (obtendo o 2º mandato), desce em 92 (num contexto muito difícil) e consolida em 96 (ganhando o círculo eleitoral).

Note-se que 1992 foi o primeiro ano em que as emissões de televisão foram transmitidas regularmente para as Flores, sendo natural concluir-se que os fenómenos gerais de bipolarização se tivessem feito sentir, contra o habitual naquela ilha, de forma mais forte.

Refira-se também que o debate político nas Flores sobre a forma como o poder regional do PSD exercia o poder, em relação àquela ilha ocorre entre 84 e 88.


6. Logo após o 25 de Abril começou a verificar-se que a possibilidade do Partido se implantar na Ilha das Flores era concreta e, de algum modo, forte.

Nas eleições autárquicas de 76 a FEPU, que apenas concorreu para a Câmara Municipal das Lajes, elegeu para esse órgão autárquico, como vereador, o camarada José Gonçalves Gomes, já falecido. Sublinhe-se que o camarada, depois de cumprir o seu mandato, ocupou, por escolha, um lugar no Conselho da Ilha durante vários anos.

Com o regresso às Flores do camarada Paulo Valadão em 1976, depois de um largo período de residência em Lisboa, onde trabalhou como professor primário e se licenciou em medicina veterinária, o Partido teve condições de lançar um trabalho organizativo e de definição coerente de posições sobre os problemas próprios da Ilha, trabalho esse cujo primeiro reflexo eleitoral se veio a dar em 79 e 80, quando se verificou que os resultados eleitorais das Flores (Assembleia da República e Autarquias e Assembleia Regional) se começaram a colocar acima da média regional.

Entre 84 e 88 o debate político foi muito vivo nas Flores, o abandono a que o Governo Regional votava aquela ilha era bem patente. O PCP e a CDU intervinham firmes e constantemente, com propostas concretas, justas e bem elaboradas.

A CDU desenvolveu trabalho, implantou-se, dispunha e dispõe de quadros inseridos no meio e muito credibilizados.

Tudo isto motivou que a resposta dos florentinos à política do PSD passasse a incluir a eleição de um deputado regional do PCP, Paulo Valadão.

A vida demonstrou que, ao contrário do que alguns então diziam, não se tratou de um comportamento meramente conjuntural.

Embora para as eleições gerais de âmbito nacional (Assembleia da República e Parlamento Europeu), a nossa expressão eleitoral seja mais baixa (mas claramente acima das actuais médias regional e nacional), a CDU é hoje uma força implantada nas Flores, com deputado eleito, com vereador na Câmara de Santa Cruz, com grupos de eleitos nas Assembleias Municipais e nas várias freguesias e com autêntica influência social.

Hoje a CDU é uma força essencial ao desenvolvimento das Flores e é, no plano regional, a força que mais e melhor defende as ilhas mais isoladas e um desenvolvimento global, harmónico e equilibrado de toda a Região.


7. Deste breve e incompleto relato é importante retirarem-se algumas conclusões:

- Desde que haja a conjugação entre o trabalho organizativo, a intervenção política directa e a credibilidade local dos quadros é possível romper situações que se apresentam, à partida, como desfavoráveis ao Partido.

- A organização do Partido na Ilha das Flores, associada aos apoiantes e candidatos da CDU que não são membros do Partido, é uma força política muito interveniente na resolução dos problemas daquela ilha.

- A profunda, directa e constante ligação do deputado do PCP Paulo Valadão aos eleitores do seu círculo eleitoral constitui um claro meio de consolidação da influência obtida, sem prejuízo de um excelente desempenho regional da função de representar o PCP na Assembleia Legislativa Regional dos Açores.

- A composição social e a estrutura produtiva da Ilha das Flores demonstram que o PCP - Partido da classe operária e de todos os trabalhadores - tem reais capacidades e potencialidades de acção e de influência em meios onde o peso relativo da agricultura por conta própria e dos serviços são determinantes.


Este caso singular da Ilha das Flores, pelo que tem de positivo e profundo, merece uma atenta reflexão pois fornece pistas muito importantes para o crescimento do PCP.


«O Militante» Nº 227 de Março/Abril de 1997