Intervenção de Jerónimo
de Sousa, |
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A vossa presença tem para mim um grande significado! Porque nos nossos fraternais e solidários percursos de acção e de luta forjámos a nossa consciência, demos têmpera aos nossos ideais e convicções, fizemos a nossa opção e tomámos partido em defesa dos direitos e aspirações dos trabalhadores, sem perder de vista esse fascinante e transformador objectivo duma sociedade liberta da injustiça e da exploração, num país e num mundo melhor! Juntos, em destacamentos avançados ou em trincheira de resistência, na conquista ou na defesa dos direitos de quem trabalha, na conquista ou na defesa da liberdade e da democracia, com memória e projecto, demos sentido, substância e esperança aquela palavra de ordem mil vezes entoada: a luta continua! E ela também tem sentido nesta batalha das presidenciais! À medida que se clarifica o quadro das candidaturas às próximas eleições para a Presidência da República e se identificam as forças que as suportam e as dinâmicas que as envolvem, mais evidente se torna quanto importantes são, para os trabalhadores e para o povo, as eleições do próximo dia 22 de Janeiro. É hoje manifesto que a direita pensa que criadas as condições para ajustar contas com Abril, a sua Constituição e o seu rasto libertador e socialmente justo e joga essa possibilidade na vitória da sua candidatura. Travar o passo a tal projecto é não só um objectivo central da nossa candidatura, como uma questão da máxima importância que se joga nas próximas eleições. Mas a importância das próximas eleições não está confinada a travar esse combate, que se quer firme, aos velhos projectos da direita de se apropriar do controlo do órgão de soberania Presidente da República. Elas são a possibilidade de afirmar e lutar por um projecto para Portugal mais solidário, mais justo e mais fraterno. Numa situação nacional marcada por agravados problemas políticos, económicos e sociais que comprometem o futuro do País e as condições de vida dos trabalhadores e do povo, as próximas eleições são também de grande importância para afirmar a necessidade de uma ruptura democrática e de esquerda com as políticas de direita que são a causa das dificuldades que o país enfrenta. As próximas eleições são, por isso, mais uma batalha pela exigência de mudança e uma oportunidade para alargar a torrente dos que lutam por uma nova política de esquerda, para um Portugal com futuro. Apresentamos a nossa candidatura assumindo o compromisso solene de defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República. Somos uma candidatura que afirma a necessidade de um novo rumo para o país, no respeito pelo legado da Revolução de Abril e que aspira à construção em Portugal de uma democracia simultaneamente política, económica, social e cultural. Tomamos a Constituição da República como um documento consagrador de um evoluído quadro de direitos sociais e que comporta igualmente as obrigações do Estado em relação à sua efectiva concretização em domínios tão importantes como os da educação e do ensino, da saúde, da segurança social e da protecção à terceira idade. Somos uma candidatura que emana de uma força política que sempre se bateu por dar valor a quem trabalha e assume os valores do direito ao trabalho e do trabalho com direitos como um eixo democrático essencial e um factor indispensável à valorização humana e ao progresso de Portugal. Uma candidatura que marca a sua genuína diferença, pela valorização e assumpção da proposta da própria Constituição e da sua opção quando esta no confronto dos interesses do poder económico com os interesses de quem trabalha, consagra no seu capítulo mais nobre, no Capitulo dos Direitos, Liberdades e Garantias, a prevalência dos direitos sociais e laborais sobre o direito económico ou do lucro. Diferença marcada também não só pelo reconhecimento dos direitos individuais e colectivos dos trabalhadores que a Lei fundamental consagra nesse seu capítulo mais nobre, mas também pela consideração de que se tratam de direitos intrínsecos à própria democracia. O direito ao trabalho e à segurança no emprego, a uma redistribuição mais justa da riqueza com a efectivação do direito a salários mais justos, onde se inclui a revalorização do salário mínimo nacional, a horários de trabalho mais dignos, o direito à greve, a liberdade sindical, os direitos de contratação colectiva, são entre outros, direitos que a minha candidatura prestará uma permanente atenção e defesa. Somos uma candidatura que, no quadro dos vastos poderes que a Constituição confere ao Presidente da República, coloca como prioridade da sua intervenção e como primeiro grande desígnio de uma política nacional o crescimento económico e o desenvolvimento sustentado, virados para a satisfação das necessidades de todos, particularmente dos que vivem apenas dos salários, pensões e reformas. Uma política de desenvolvimento que finalmente assuma a defesa da produção nacional, o emprego, a valorização do trabalho nacional e o desenvolvimento e modernização das nossas capacidades produtivas, como uma questão fundamental e básica para assegurar o presente e o futuro do país e uma vida melhor para os portugueses. A minha candidatura à Presidência da República ocorre num quadro profundamente marcado pela ofensiva neo-liberal, com desastrosas consequências para o país e para o povo e particularmente para os trabalhadores. Os efeitos mais visíveis desta politica de recuperação capitalista são o crescimento das injustiças e desigualdades sociais, a degradação dos salários e o aumento do custo de vida, o aumento do desemprego e da precariedade do trabalho e o forte ataque aos direitos sociais e sindicais e a acentuação da exploração, enquanto crescem desmesuradamente os lucros dos grupos económicos e financeiros. Neste contexto importa referir alguns aspectos: O primeiro refere ao “Código do Trabalho”, onde é clara a sintonia do grande capital com os sucessivos Governos na violenta cruzada que têm desenvolvido para destruírem a contratação colectiva e consequentemente a liquidação do importante património de direitos que ela consagra. O Código de Trabalho põe em causa o trabalho com direitos e constitui um retrocesso de décadas na regulação dos direitos do trabalho. O boicote à contratação colectiva, que desde há muito tempo vem sendo praticado pela acção patronal com sérias consequências e prejuízos dos trabalhadores, teve agora um extremoso reforço com a proposta de revisão do Código de Trabalho apresentada pelo governo/PS. O Código do Trabalho, filho do Governo PSD/PP e hoje adoptado pelo Governo/PS, apesar de anteriormente, na oposição, estar contra, tem hoje uma proposta de alteração que não só mantém como agrava os seus piores aspectos. A segunda referência diz respeito à Segurança Social e aos sistemas de reformas e pensões dela decorrentes, que têm sido e são outro alvo da ofensiva da direita e do capital com dois grandes objectivos chave: um, o de se apropriar da gestão dos recursos financeiros do sistema público e promover a sua privatização e o outro, reduzir o sistema público a uma situação caritativa e assistencialista reduzindo drasticamente o direito dos trabalhadores a uma efectiva protecção social. Isto é evidente na proposta recente do governo do PS de alteração às condições de atribuição do subsídio de desemprego. O terceiro aspecto decorre da profunda ofensiva, incluindo ideológica, dirigida contra os funcionários públicos e que pretende fazer passar a ideia de que estes trabalhadores são uns privilegiados e, como tal, num quadro de “crise” há que lhe reduzir os direitos e nivelá-los pelos do sector privado. Com tal ofensiva e campanha procura-se fragilizar a unidade e a solidariedade entre os trabalhadores dos sectores público e privado e assim dificultar a luta comum, para mais facilmente destruírem os direitos de todos. Estes são exemplos que demonstram a natureza das políticas dos últimos governos e do PS e como se tem aprofundado e ampliado a ofensiva contra os interesses e direitos dos trabalhadores. Caminho que é necessário inverter, assegurando o cumprimento dos direitos dos trabalhadores e a garantia do cumprimento das obrigações que resultam das funções sociais do Estado e dos serviços que lhe são próprios. Neste quadro, é urgente a revogação do Código do Trabalho, prioritariamente as suas normas mais gravosas de modo a assegurar que este seja o instrumento de garantia efectiva dos direitos dos trabalhadores. Como é urgente defender a contratação colectiva e os direitos nela consagrados, assim como o direito de contratação colectiva que a Constituição confere aos trabalhadores e às suas organizações sindicais, bem como o direito de acesso à justiça. Nesta matéria é urgente garantir a alteração da lei das custas judiciais e apoio judiciário, promovendo a redução dos actuais custos judiciais, que são elevadíssimos e constituem um factor de descriminação que impede o acesso à justiça aos mais pobres. A conquista, realização e consagração dos direitos dos trabalhadores foram sempre, ao longo da história, parte constitutiva dos avanços civilizacionais do ser humano. A nossa Revolução de Abril foi mais um passo nesse processo. Todos nós temos consciência que os principais obreiros e protagonistas do trabalho com direitos são os próprios trabalhadores, os seus representantes, as suas organizações. Mas há um papel a assumir pelas instituições e, no caso concreto, pelo Presidente da República. A minha candidatura dá atenção e valoriza a acção e intervenção das Organizações Sindicais e das Comissões de trabalhadores e é solidária com a luta persistente que desenvolvem, neste quadro particularmente complexo que resulta da política de direita levada a cabo por sucessivos Governos nos últimos 29 anos. Tal como afirmei na declaração de candidatura, não nos conformamos perante as desigualdades cada vez mais gritantes que se observam no nosso país e a violação ou o incumprimento de direitos alcançados com o 25 de Abril e que a Constituição consagrou. Não nos resignamos perante a degradação da situação social e a desvalorização do trabalho resultantes de uma agravada exploração e a crescente desresponsabilização do Estado na área das suas funções sociais – saúde, educação e segurança social. Afirmámos que a nossa candidatura é uma candidatura distinta e que não se confunde com nenhuma outra. Não se confunde com a candidatura de Mário Soares, nem com as candidaturas de Francisco Louça ou Manuel Alegre e claramente assume como grande objectivo a derrota do candidato da direita, Cavaco Silva. Os trabalhadores, talvez melhor que ninguém compreendem a justeza desta nossa posição. Foi com Cavaco Silva que, durante os dez anos que esteve à frente do governo do país, que se promoveu e desenvolveu uma das maiores ofensivas contra os direitos individuais e colectivos dos trabalhadores e deu rosto ao mais grave desrespeito pelos valores e princípios básicos do regime democrático com uma prática governativa à revelia e contra a Constituição da República. Foi com Cavaco Silva e no seu ciclo governativo que se iniciou o processo de subversão das leis laborais. É dele o primeiro pacote laboral. Foi no seu governo que se iniciou o ataque à lei da greve e à lei dos despedimentos, abrindo as portas aos despedimentos colectivos. Foi Cavaco Silva que, insensível às injustiças, promoveu um redobrado ataque ao trabalho com direitos, apoiou e incentivou as rescisões e as pré-reformas forçadas de acordo com os interesses do grande capital. Foi nos seus governos que se acentuaram as chagas sociais dos salários em atrasos e do trabalho infantil e foi na sua governação que a idade da reforma das mulheres foi aumentada dos 62 para os 65 anos. Foi com Cavaco Silva no governo que se acelerou o processo de reconstituição das grandes fortunas e de entrega do melhor património público empresarial, nomeadamente as empresas dos sectores básicos ao capital estrangeiro. Um governo que utilizou acintosamente a repressão contra os trabalhadores e outras camadas população. É este candidato, que aí está de novo a cavalgar a onda anti-políticos e, sobretudo, anti-partidos, que se apresenta com uma missão messiânica – a de ajudar os portugueses e de salvar Portugal. Uma candidatura bem urdida e que repete passo a passo o filme que o levou ao poder em 1985, também nessa altura com a falácia da decisão solitária ou em família. O homem que vai à Figueira da Foz ao Congresso do seu partido, o PSD, para rodar o seu novo automóvel e sai presidente, sem apoios e sem compromissos. Um ilustre desconhecido que, contudo, tinha sido antes Ministro da Finanças de Sá Carneiro e com profundas ligações aos grupos económicos e personalidades que agora novamente o acompanham neste nova candidatura. Cavaco Silva nunca foi, nem é o cidadão “independente”, como ele próprio e os seus correligionários de candidatura querem fazer crer e muito menos o cidadão “neutro”, acima dos partidos ou dos interesses. Trata-se de uma pura manobra com o objectivo de branquear o seu passado de governante ao serviço dos grandes senhores do dinheiro e iludir a sua responsabilidade pela situação do país. Cavaco Silva é responsável por 1/3 da governação do regime democrático e a sua política está na origem dos nossos atrasos estruturais e das actuais dificuldades que o país atravessa. Governação que deixou o país numa profunda crise e que se pôs em fuga perante o desastre da sua política após dez anos do seu governo. Dez anos de Governos marcado pela tentativa de subversão da Constituição pela acção da prática governativa e de um profundo autoritarismo, bem patente na acusação de “ força de bloqueio” a todas as instituições que se lhe opunham e exigiam o respeito pela legalidade dos actos governativos. E, talvez por isso, se remete ao silêncio e não quer o debate, ou então tem medo de cometer mais “gaffes” e de admitir que afinal também se engana. Se assim for, nós dizemos-lhe: - venha para o debate, venha discutir os problemas do país. Não tenha medo, as “gaffes” são humanas, o que não era de humano era pretensão “de raramente ter dúvidas e nunca se enganar” como dizia com a arrogância que o caracterizava quando era primeiro-ministro. Venha porque é necessário que seja confrontado com as suas responsabilidades na condução do país, na situação a que se chegou e com a real natureza da sua candidatura – uma candidatura de submissão do poder político ao poder económico. É este mesmo candidato que prometeu colocar Portugal no “pelotão da frente” que iniciou a política de destruição da nossa agricultura, das pescas e da nossa indústria que agora se apresenta como predestinado a “salvar a pátria”. É por tudo isto que não se compreende o elogio de Manuel Alegre a Cavaco Silva e a afirmação de que ele dormiria descansado se Cavaco Silva fosse presidente. Manuel Alegre pode dormir descansado, mas os trabalhadores não, porque não se esquecem das suas malfeitorias e sabem das consequências da sua hipotética presença na presidência. Nem nós vamos descansar, mas sim trabalhar para a sua derrota. Compreende-se melhor agora a sua proposta de “pacto económico e social” com o governo, os partidos, os sindicatos, as associações patronais e os municípios para definir as diversas políticas para o país. Um pacto “santificado” pelo grande patronato e pelos partidos que até hoje têm governado o país e o conduziram à crise. Uma proposta que só pode vir de quem assumiu nos últimos anos grandes responsabilidades nos governos em que participou e no apoio parlamentar que tem dado a tais políticas. E que ainda agora, e depois de se ter apresentado com um manifesto no qual se assume como intrépido paladino das causas sociais e da pobreza, vem declarar o seu apoio ao Orçamento para 2006. Uma esquerda que se diz consequente não pode ser indiferente este Orçamento de Estado. Um orçamento que faz do combate ao défice das contas públicas justificação e pretexto para carregar ainda mais nas costas dos trabalhadores, dos reformados e do povo em geral o peso das dificuldades, enquanto os grandes interesses, as grandes empresas e grande capital financeiro vão vivendo à larga, com lucros nunca antes vistos e impostos pagos, quando os pagam, com descontos especiais. Grandes dificuldades para os trabalhadores com o aumento dos impostos e dos preços e do que ainda aí vem, com o aumento dos juros em perspectiva, mas de uma vida “à vara larga” para os 4 maiores bancos portugueses que arrecadaram mais 1052 milhões de euros de lucro, só neste último trimestre, em cima dos 727 milhões de euros do primeiro semestre deste ano. É um orçamento que vai continuar a contribuir para a estagnação e o fraco crescimento da economia, designadamente através de mais um brutal corte no investimento público e aumentar o desemprego, atirando para a arca do esquecimento os 150 mil postos de trabalho prometidos na campanha eleitoral. Um orçamento que tem a particularidade de conceder ao grande capital económico e financeiro um pacote de privatizações mais repleto, multiplicando por quatro o volume das privatizações do ano corrente. Um orçamento que não cumpre a Lei de Bases da Segurança Social nas transferências para o seu fundo de capitalização e retoma os cenários dramáticos da alegada falência e da insustentabilidade do sistema para cortar nos direitos e reduzir os ainda debilitados níveis de protecção social. Um orçamento que, no plano fiscal, mantém uma incidência fundamental nos rendimentos do trabalho e até na actividade de combate à fraude, ao mesmo tempo que se mantém os escandalosos benefícios fiscais à banca e ao sector financeiro. Um orçamento que só poderia ter o nosso voto contra. É por isso também que a nossa candidatura é uma candidatura diferente que se assume com total transparência e consequentemente contra a política de direita. É por isso que nós dizemos que a nossa candidatura é a mais eficaz para defender os interesses e direitos dos trabalhadores, aquela que inequivocamente assume o compromisso com os seus anseios e aspirações. É por isso que o voto na minha candidatura é de utilidade garantida e o mais seguro voto de esquerda, o melhor caminho para derrotar a política de direita no presente e no futuro. Um voto na política de verdade que não se esconde por trás de subterfúgios, nem da demagogia. Um voto que dá mais força à luta pela defesa dos interesses dos trabalhadores e do povo. Um voto que projecta a esperança num outro rumo e numa outra política para Portugal. Um voto que tem na Revolução da Abril uma referência permanente e na validade e justeza dos seus valores um olhar para o futuro. Um voto que afirma que a esperança é possível com determinação e confiança, com acção, trabalho e luta.
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