XV
CONGRESSO DO PCP
Um partido
mais forte
Novo rumo para Portugal
Resolução Política
1. A luta de massas no combate à política de direita
O período que nos separa do XIV Congresso, com excepção do espaço de tempo em que se desenvolveram expectativas e ilusões de mudança política resultantes do afastamento do PSD do poder, foi marcado por uma aguda conflitualidade social, política e institucional, e por uma combativa e diversificada luta de massas contra a política de direita.
Tendo como eixo central a acção dos trabalhadores, desenvolveu-se uma objectiva frente social abarcando, além dos trabalhadores, classes e camadas sociais muito diversas (agricultores, pequenos e médios empresários, intelectuais e quadros técnicos, juventude, mulheres, reformados), vítimas de uma política que feria (e que continua a ferir) os interesses e aspirações de praticamente todas as classes e camadas não integrantes da grande burguesia.
Esta frente social, que se expressou numa multiplicidade de acções e convergiu na rejeição da política de direita, embora não se tenha traduzido numa arrumação de forças no plano político, capaz de viabilizar uma verdadeira alternativa política, foi determinante para a acentuada redução da base de apoio do PSD e para a criação das condições que conduziram à sua derrota nas legislativas de 1 de Outubro e de Cavaco Silva nas presidenciais de 14 de Janeiro.
O PCP, prosseguindo a comprovada orientação de assegurar o carácter interdependente e complementar da sua intervenção na dinamização da luta de massas, da acção institucional e da intervenção directa do Partido, confirmou-se como uma força indispensável na resistência à política de direita, no assumir das aspirações e reivindicações das massas populares e na batalha para se alcançar uma verdadeira alternativa democrática e patriótica.
A luta dos trabalhadores reflecte a tomada de consciência da natureza da ofensiva desencadeada pelo patronato, pelos governos do PSD, e prosseguida pelo Governo PS, contra as condições de vida e de trabalho, as conquistas democráticas e os direitos.
Tiveram grande significado, pela combatividade, persistência e confronto directo com os governos, a luta dos trabalhadores da Manuel Pereira Roldão contra o encerramento da empresa, da Telecom pela defesa do Acordo da Empresa, dos Mineiros de Aljustrel e Pejão contra o encerramento das minas, da TAP pela defesa de direitos e contra os despedimentos, do complexo da Grundig, da Torralta, pela defesa da empresa e a garantia dos postos de trabalho, da Siderurgia Nacional, da ABB, da Setenave, do Hotel Atlantis (Madeira), da Lisnave, da Valfrio e da Renault contra os despedimentos, a luta dos trabalhadores do Sector Empresarial do Estado contra o desmantelamento das empresas e as privatizações.
Numerosas foram as lutas de empresas e sectores pelo desbloqueamento dos processos de contratação colectiva, pelo pagamento de salários em atraso, por aumentos de salários, contra a violação de direitos, pela redução do horário de trabalho, pela segurança no trabalho e a defesa da Segurança Social.
A luta dos trabalhadores da Administração Central e Local por aumentos de salários, pela defesa de direitos adquiridos, contra os «disponíveis», pela revalorização das carreiras, contra a privatização e desmantelamento de serviços públicos teve um grande papel para a amplitude da luta de massas dos trabalhadores e no combate às políticas governamentais.
As lutas dos professores e de outros trabalhadores do ensino pelas suas reivindicações profissionais e por uma escola pública de qualidade para todos os portugueses; dos médicos, dos enfermeiros e de outros profissionais da saúde pela valorização e dignificação das suas carreiras e pela defesa e aperfeiçoamento do Serviço Nacional de Saúde constituíram uma valiosa e constante contribuição para a melhoria das condições de trabalho desses profissionais e para a salvaguarda das funções do Estado na área social.
A luta contra a Lei da Polivalência e Flexibilidade traduziu-se em milhares de acções nos locais de trabalho, no envio de 1600 pareceres de estruturas dos trabalhadores à Assembleia da República, em manifestações de rua e concentrações junto dos órgãos do poder, tendo sido decisiva para esclarecer os trabalhadores e a opinião pública sobre a verdadeira natureza da iniciativa legislativa do PS que abre caminho para um dos mais graves atentados aos direitos do mundo do trabalho, após o 25 de Abril.
Os milhares e milhares de acções de protesto e luta reivindicativa, umas pequenas, outras grandes, assumindo uma enorme diversidade de formas, desde o recurso à greve (forma de luta amplamente utilizada a todos os níveis), a concentrações, manifestações, cortes de vias de comunicação, vigílias, plenários, abaixo-assinados, foram decisivos para contrariar medidas gravosas e impor justas reivindicações.
Foi pela luta que em muitas empresas se defenderam postos de trabalho e legítimos direitos; foi pela luta que elevado número de trabalhadores de sectores (comércio retalhista, metalurgia, cortiça, mármores, cimentos, indústria farmacêutica, etc.) viu consagrada nos contratos colectivos a redução do horário de trabalho semanal. A luta por aumentos salariais, apesar de condicionada por uma insistente política de contenção previamente determinada pelos governos e seus aliados na concertação social, não tendo alcançado os objectivos desejados foi, no entanto, factor decisivo para contrariar as tentativas de degradação dos salários e para que, em muitos sectores e empresas, se rompessem os tectos salariais que o patronato tentou impor.
O mesmo poderá dizer-se dos resultados alcançados na luta pelo emprego e contra os despedimentos. Não fora a corajosa acção dos trabalhadores e hoje o desemprego seria ainda maior.
Embora a luta contra a liquidação do Sector Empresarial do Estado tivesse sido insuficiente e ficado aquém das necessidades, considerada a dimensão e profundidade da ofensiva contra as conquistas sociais e os direitos dos trabalhadores, não é menos verdade que foi a corajosa e consciente intervenção de milhares de trabalhadores que impediu que o processo de destruição fosse mais rápido e profundo e a perda de direitos mais grave.
Apesar da grandeza e dos resultados da acção dos trabalhadores, da criatividade demonstrada na busca de novas formas de luta, importa considerar e acompanhar algumas insuficiências, nomeadamente a fraca coordenação, no tempo e no espaço, de muitas lutas; a pouca articulação entre lutas pela satisfação de reivindicações de carácter imediato e novas frentes resultantes da ofensiva contra a legislação laboral, a Segurança Social, as funções sociais do Estado, etc..
A defesa do direito histórico à negociação colectiva, sujeita a uma poderosa ofensiva por acção conjunta do patronato, governo e UGT, nem sempre mereceu a atenção necessária, insistindo-se em formas rotineiras de apresentação de contratos e desligadas da mobilização dos trabalhadores. A necessária e indispensável articulação entre a luta contratual e a luta nas empresas foi igualmente pouco cuidada. A divulgação das lutas e dos seus resultados continuou a ser insuficiente.
O Partido, através das células de empresa e dos seus membros nas estruturas unitárias, desempenhou papel determinante no impulso e na organização da luta dos trabalhadores. Muitas foram as lutas encabeçadas por membros do Partido. Entretanto, se há casos em que as células, conhecendo profundamente os problemas e o estado de espírito dos trabalhadores, discutiram, prepararam e dirigiram as lutas em todas as suas fases, outros casos se verificaram em que as organizações do Partido prestaram atenção insuficiente às lutas ou deixaram às estruturas unitárias essa tarefa, com graves consequências para o seu desenvolvimento, para o prestígio do Partido e a sua ligação às massas.
Como resultado das orientações decididas na Conferência Nacional do PCP de 26 de Novembro de 1994, regista-se uma melhoria, ainda que insuficiente, nesta direcção de trabalho.
O prosseguimento da política de direita pelo Governo PS, atingindo gravemente os trabalhadores, torna imprescindível que se considere o desenvolvimento da sua luta como uma linha prioritária de trabalho.
Outras classes e camadas contribuíram de forma relevante para o desenvolvimento e a amplitude da luta de massas: os agricultores, desenvolvendo um número significativo de acções contra a política agrícola e para travar uma maior degradação da situação na agricultura, muitas delas de grande combatividade; os pequenos e médios empresários, em que avultam as lutas conduzidas pelas estruturas do Norte contra a proliferação indiscriminada das grandes superfícies; os pescadores, em luta contra medidas condicionadoras da sua actividade, pelo pagamento de subsídios devido a paralisações forçadas da frota, por melhores condições de vida e de trabalho a bordo das embarcações; as lutas da juventude, com destaque para as dos estudantes contra o aumento das propinas e as provas globais, e pelo desenvolvimento da acção social escolar; as mulheres, pela defesa da idade da reforma aos 62 anos; os reformados e os deficientes, apresentando cadernos reivindicativos às entidades oficiais e realizando marchas e concentrações nacionais junto de órgãos de poder.
A luta das populações constitui uma realidade relevante no conjunto da luta social e política desde o XIV Congresso: pelo seu elevado número e diversificação de objectivos; pelo carácter de massas e rápida radicalização que muitas delas assumiram; pela sua extensão nacional; pelo impacto mediático que conseguiram; pelo grande significado e importância que tiveram contra as consequências da política de direita na vida das populações; mas, sobretudo, pelo enorme contributo que deram para o descrédito e derrota do governo PSD onde, sem dúvida, sobressaiu com particular força e destaque a luta dos utentes da Ponte 25 de Abril contra as portagens.
Na base dos principais problemas detonadores das lutas das populações estão, no geral, as consequências das opções neoliberais da política social e económica seguida pelos governos do PSD e agora do PS, conducentes à crescente desresponsabilização do Estado das suas funções sociais.
O desenvolvimento, diversificação e amplitude da luta e protesto das populações reflectem de forma crescente as enormes contradições decorrentes das grandes desigualdades de desenvolvimento criadas entre regiões, com a progressiva desertificação e subdesenvolvimento do interior e o crescente sobrepovoamento urbano do litoral, com todos os problemas sociais, económicos e ambientais daí decorrentes, mas também os resultantes do alastramento da pobreza entre largos sectores da população, da marginalidade, da prostituição, da toxicodependência, da corrupção, da violência e da criminalidade.
Por isso, a par das lutas e protestos cujos objectivos podemos considerar como tradicionais na luta das populações, assistimos, nos últimos anos, ao desenvolvimento de grandes acções de massas envolvendo populações inteiras de concelhos ou regiões, em defesa da actividade produtiva, do emprego, do desenvolvimento económico e social (como, por exemplo, a actividade do Movimento Alentejo pela Regionalização e Desenvolvimento, envolvendo mais de 600 organizações de todo o Alentejo e que, entre outras iniciativas, realizou a «Embaixada do Alentejo» a Lisboa; em defesa da prevenção da toxicodependência e de medidas de segurança e tranquilidade públicas.
Caracterizada por uma grande espontaneidade e utilizando uma grande riqueza de formas de acção (abaixo-assinados, petições, concentrações, vigílias, manifestações, cortes de vias rodoviárias e ferroviárias, tribunais públicos, impedimento de obras...), a luta das populações, perante a necessidade do seu prosseguimento e face à manutenção dos problemas, evoluiu em muitos casos para formas orgânicas permanentes (comissões de utentes, comissões de luta, comissões e associações de moradores, etc.), por forma a assegurar o seu acompanhamento regular.
O Partido teve papel muito positivo, e em vários casos essencial, na iniciativa e acompanhamento das lutas das populações, mas há igualmente a registar que nem sempre as organizações locais mostraram suficiente conhecimento dos verdadeiros problemas que afectam as populações, as suas aspirações e nível de descontentamento, tendo sido surpreendidas pelo desenvolvimento de acções de protesto.
Casos houve, igualmente, em que faltou iniciativa às organizações locais no desencadear das lutas, tornando difícil a intervenção do Partido, enfraquecendo a sua ligação às massas.
Frustradas as expectativas de mudança política, às velhas expectativas juntar-se-ão muitas outras. O desenvolvimento das lutas das populações é não só essencial para a resolução de graves problemas que afectam o seu viver, como para dar maior amplitude e coesão à frente social que rejeita a política de direita.
Com vista ao desenvolvimento deste trabalho, devem ser consideradas como prioritárias para a intervenção do Partido as seguintes orientações:
a) Conhecer os principais problemas que afectam as populações, o seu estado de descontentamento e avaliar, em cada momento, a possibilidade de desencadear acções concretas para a resolução, definindo em diálogo com as populações objectivos e formas de luta;
b) incentivar os membros do Partido para uma participação e intervenção activa na iniciativa, dinamização e organização da luta das populações;
c) afirmar as posições políticas do Partido, quer em relação aos problemas quer em relação às lutas em si;
d) articular a acção geral do Partido
junto das populações com a intervenção dos membros do Partido
nas autarquia, associações populares e outras instituições.