Intervenção de Ana Mesquita na Assembleia de República, Reunião Plenária

Transposição proposta pelo Governo não promove a disseminação, partilha e acesso de conteúdos culturais

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Senhora Presidente,
Senhora Ministra,
Senhoras e Senhores Deputados,

O Governo apresenta hoje uma proposta de transposição da directiva UE 2019/789 sobre o exercício de direito de autor e direitos conexos no que concerne a determinadas transmissões em linha e à retransmissão de programas, depois de um puxão de orelhas da Comissão Europeia no dia 26 de Julho.

Esperemos que, ao contrário do que aconteceu noutros processos de transposição bem recentes, não seja este mais um caso de uma transposição cega, à pressa e que adicione mais contradições e aspectos negativos ao texto original.

A inovação no sector digital é um fenómeno acelerado e tem mudado constantemente as formas de comunicação, partilha, consumo e mesmo de comportamento. As tecnologias digitais têm o potencial de melhorar o acesso à informação e à cultura, podendo contribuir para o acesso a maior variedade de produtos e serviços, sejam eles públicos e/ou comerciais.

O PCP não ignora o potencial da digitalização, como também não ignora que a sua concretização no quadro do capitalismo poderá trazer consequências profundamente negativas.

Assim, o Mercado Único tem sido, na verdade, um instrumento promotor das desigualdades entre Estados-Membros, degradando a produção nacional em Portugal. Aliás, na medida em que grande parte do tecido empresarial tem de fazer face à concorrência europeia e à brutal desigualdade de circunstâncias parente a hegemonia das multinacionais, é fácil perceber o dano causado às Micro, Pequenas e Médias Empresas - de todas as áreas, inclusivamente na cultura e na comunicação.

É neste contexto que devemos analisar a presente proposta, uma vez que ela se enquadra no pacote de textos legislativos que pretendem dar resposta à construção de um Mercado Único Digital pela União Europeia. Ela não pode também ser desligada de outra legislação da UE conexa com aspetos profundamente negativos, nomeadamente a Directiva dos Direitos de Autor no Mercado Único Digital, que discutiremos de seguida.
Um dos aspectos a considerar é a confirmação recente, sobretudo muito notória em tempos de epidemia, de que as plataformas em linha são promotoras de monopólios e de fortalecimento do poder de mercado das empresas multinacionais.

Tendo em conta todos estes elementos, o PCP considera que a proposta não é a mais positiva para os autores e criadores de países mais pequenos como Portugal, não representando um instrumento que contribua para a disseminação, partilha e acesso de conteúdos culturais e não garantindo a justa remuneração dos seus autores.

Ficam por resolver problemas, injustiças e insuficiências ao nível do reforço e da salvaguarda da cultura, da diversidade cultural e do multilinguismo, dos bloqueios geográficos no acesso a programas em português. Pelo contrário, esta proposta respalda os interesses dos grandes operadores privados e da grande indústria cinematográfica, dificultando ainda mais a vida de quem trabalha nesta área no nosso país.

A transposição proposta pelo Governo não resolve os problemas de fundo, pelo que o PCP não a irá acompanhar.

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