Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral do PCP, Comício «PCP – Força decisiva. Ao teu lado todos os dias»

«Nós podíamos perguntar: em que é que as respostas que os trabalhadores e o povo reclamam contribuem para a alegada crise?»

Uma saudação a todos vós e por vosso intermédio aos trabalhadores e ao povo do Porto e de toda esta Região.

Uma saudação também e o nosso reconhecimento a todos os nossos amigos do Partido Ecologista «Os Verdes», da Intervenção Democrática, aos milhares de independentes e activistas da CDU que lado a lado connosco estiveram no recente combate eleitoral para as autarquias locais e que em conjunto travámos, construindo uma grande campanha de contacto com as populações.

Este foi mais um combate entre os muitos que temos em mãos para servir os trabalhadores e o nosso povo. Um combate no decurso do qual tivemos que enfrentar um conjunto de factores adversos, num quadro particularmente exigente. Um combate onde nos batemos com armas muito desiguais e que superamos graças ao enorme esforço, dedicação e empenhamento de milhares de activistas e candidatos.

E, se neste combate não iludimos nem subestimamos perdas, não podemos deixar de notar que os resultados obtidos pela CDU continuam a confirmar a nossa Coligação como a grande força de esquerda no Poder Local.

A obtenção de cerca de 451 mil votos e de 9,1% do total nacional, a eleição de mais de dois mil mandatos directos e centenas de outros indirectos, não são apenas a expressão dessa dimensão nacional da votação da CDU, são a confirmação dessa grande força que a CDU é e continua a ser nas autarquias do País!

São mandatos a solicitar o indispensável empenhamento e contributo dos eleitos do PCP e da CDU, seja para prosseguir a concretização do distinto projecto da CDU onde estamos em maioria, seja para intervir na construção de soluções e propostas em todas as circunstâncias, seja para dar voz aos interesses das populações, seja para garantir rigor e transparência no funcionamento das autarquias.

De uma coisa podem todos estar certos, o apoio agora recolhido pela CDU nestas eleições, será integralmente posto ao serviço das populações!
Sim, travámos esta batalha eleitoral num quadro difícil e enfrentando poderosas forças económicas e políticas que têm nas mãos poderosos centros com instrumentos de domínio ideológico e de influência política onde se produz e germina o preconceito e se constrói e difunde com base na mentira e na falsidade o estereótipo das forças, como o PCP, que se opõem ao seu domínio.

Mas não há campanha por mais insidiosa que seja que nos contenha na determinação e vontade de servir os trabalhadores, o povo e o País.

Passadas as eleições, coloca-se, agora com maior premência a necessidade de dar resposta aos problemas do País.

Dar resposta aos problemas que resultam de décadas de política de direita, onde estão presentes importantes défices estruturais, o agravamento da exploração, de injustiças e de desigualdades na sociedade e no território e aqueles que derivam da epidemia e do aproveitamento que dela fizeram e fazem os grandes interesses económicos.

Problemas que precisam de uma resposta que o Governo PS, submetido a tais interesses e às imposições da União Europeia, não dá, ao manter os eixos centrais da mesma política que, à vez, executou com PSD e CDS durante anos, comprometendo o desenvolvimento do País.

Resposta a uma realidade marcada pelos baixos salários e reformas, por um desemprego estruturalmente elevado, operações de despedimento colectivo, precariedade, agravamento do custo de vida – energia, alimentos, habitação -, destruição e definhamento do aparelho produtivo e desindustrialização, pelas fragilidades das micro, pequenas e médias empresas e cedência clara aos interesses dos grupos económicos como acontece com a GALP, o Novo Banco, a EDP, os CTT ou a ANA Aeroportos.

Sim, a situação do País impõe uma amplitude de respostas e de opções que correspondam à dimensão dos problemas em presença.

Portugal precisa de outras opções e de um caminho alternativo capaz de resolver problemas acumulados e encetar uma trajectória de desenvolvimento económico e social, superando as questões que marcam a vida dos trabalhadores, do povo e do País.

O debate do Orçamento do Estado para 2022 que aí está tem de se inserir nessa resposta global tão necessária quanto inadiável. O Orçamento tem um valor próprio mas tem de ser expressão dessas opções.

No passado recente com a decisiva intervenção do PCP foi possível aliviar dificuldades com a concretização de medidas de reposição, defesa e conquista de direitos e travar o rumo de desastre nacional que o País vinha seguindo, ampliado pelo Pacto das troikas que PSD e CDS com denodo executaram, sob o falacioso pretexto de que o “ País vivia acima das suas possibilidades”.

Era o tempo do “ai aguenta, aguenta” popularizado pelo porta-voz dos banqueiros, onde em cada dia surgia sempre uma dolorosa medida dirigida contra as condições de vida dos trabalhadores, dos reformados, das mais diversas camadas populares e que a luta e a iniciativa do PCP superaram.

De facto, nestes últimos anos o PCP foi decisivo para repor, defender e conquistar de direitos. Um período em que mesmo com a conhecida submissão do PS a opções que determinam a sua política, a correlação de forças possibilitava esses avanços.

Avanços e conquistas de inegável valor mas que não foram suficientes para inverter aspectos essenciais da política nacional e, por resistência do PS, para atacar o conjunto de problemas estruturais do País.

É esse caminho que é preciso fazer e essa a resposta que se impõe adoptar.

Em 2021, perante os impactos da epidemia, o PCP foi decisivo para assegurar uma resposta que fosse no sentido de proteger direitos, garantir o direito à saúde e apoios sociais a quem deles necessitava, sobretudo depois de o Orçamento Suplementar de 2020 ter caminhado em sentido diferente.

Com a epidemia acumularam-se velhos e novos problemas, alguns antigos de forma agravada que acentuaram não só as fragilidades do País, como ampliaram as dificuldades da vida de milhões de trabalhadores e reformados. Surgiram com outra amplitude os problemas da generalidade das famílias no acesso à habitação e do cuidar dos filhos. Acentuaram-se as debilidades e dificuldades dos serviços públicos, com particular evidência no SNS. A precariedade e instabilidade de sectores inteiros, como é o caso da cultura, ficaram ainda mais expostos. Certas actividades económicas, onde preponderam os micro e pequenos empresários, enfrentam agora acrescidas dificuldades para manter vivas as suas actividades.

Os grupos económicos e financeiros e as multinacionais aproveitam-se da situação para dela tirar ganhos acrescidos, impor os seus projectos de maximização da exploração em roda livre, à margem dos interesses nacionais e dos trabalhadores, destruindo emprego, mas também das populações com a sua política de preços, como é o caso da energia.

Um País que ficou à mercê de tais interesses a quem se entregou empresas e sectores estratégicos e essenciais à produção e ao desenvolvimento nacional, determinando as políticas de transportes, de telecomunicações ou de crédito, entre outras, no nosso País.

A resposta que foi preciso encontrar para fazer face às consequências da epidemia tornou também mais evidente a necessidade de enfrentar com clareza os problemas, indo à sua raiz e atacando as suas causas e não apenas tomando aqui ou ali esta ou aquela medida de sentido positivo, sem resolver os problemas de fundo.

Não se pode adiar esse caminho. Passada a epidemia, quando se anunciam meios financeiros avultados é necessário responder à situação.

O Orçamento do Estado para 2022 devia estar inserido nesse sentido geral de resposta aos problemas. Não só o Orçamento não se insere nele como o Governo não dá sinais de querer assumir esse caminho.

A proposta de Orçamento do Estado está longe de se constituir como parte, importante mas não única, desse rumo que o País precisa.

É uma proposta de Orçamento que se baseia numa perspectiva de política que não assume o aumento dos salários como uma emergência nacional, que em matéria de legislação laboral e direitos opta por não enfrentar o grande capital e por desproteger os trabalhadores.

É uma proposta que deixa centenas de milhar de pensionistas que mais descontaram sem verem o seu poder de compra recuperado ou aqueles que trabalharam mais de 40 anos com cortes nas suas pensões.

É uma proposta que não toma partido pela estabilidade do direito à habitação.

Uma proposta que não deixa sinais de recuperação ou defesa sólida de sectores como os correios, a energia, transportes ou as telecomunicações.

Na proposta do OE não se encontra a resposta necessária e decisiva para reforçar os serviços públicos, a começar pelo SNS, em particular a aposta na valorização expressiva e inadiável das carreiras e salários dos seus profissionais para garantir a sua fixação e incentivar a dedicação plena. Sem isso não haverá mais consultas, mais exames, recuperação de cirurgias ou médicos e enfermeiros de família para todos.

Em matéria fiscal é uma proposta que não responde aos objectivos de um progressivo desagravamento dos rendimentos de trabalho mais baixos e intermédios e dos impostos indirectos e não afronta seriamente os grandes lucros e património, adiando a justiça fiscal e privando o Estado de milhares de milhões de euros de receita.

É uma proposta onde está ausente a resposta aos problemas da energia e dos seus custos, quer por via do IVA, quer por via do controlo e regulação dos preços.

O direito a creches gratuitas para todas as crianças, incluindo as medidas de criação de uma rede pública, não é assumido como objectivo.

O que se verifica nesta proposta de Orçamento em vários domínios são respostas marginais, determinadas e condicionadas pelos dogmas do Tratado Orçamental e que o PS toma como seus, com os seus anacrónicos critérios em relação ao défice e à dívida, longe das necessidades de um País como o nosso e que o Governo mantém neste Orçamento, com ênfase para o défice, como condicionante maior à resposta que o País precisa.

É a submissão de tais critérios transformados em dogma, mesmo quando estão suspensos como no presente, que assenta a recorrente retórica da política das “contas certas” a que o PS teima em dar vida para justificar o adiamento da solução dos problemas do País, mas que nunca se invocam quando se trata de dar cobertura aos desmandos e negócios ruinosos do grande capital e da banca, ou para cortar o passo às manobras de engenharia fiscal e da fuga ao fisco aos grandes senhores do dinheiro.

Veja-se o que se passa com a transferência para os offshore. Não há dinheiro para salários, mas ele sai para os paraísos fiscais aos milhares de milhões por ano. Em 2020, ano de epidemia, foram mais 6,8 mil milhões de euros e com eles uma quantia significativa de receita fiscal. Para estes as contas estão sempre certas!

Política dita de “contas certas”, que mais não é que um disfarce para sustentar políticas orçamentais restritivas, falsamente fundamentadas no interesse geral, mas efectivamente destinada a favorecer os negócios que o grande capital monta à mesa do Orçamento do Estado.

Nesta matéria o que se passa na saúde é ilucidativo, onde a fatia dos dinheiros reencaminhada para os privados, particularmente para as multinacionais da saúde é cada vez maior, em prejuízo do SNS, porque não se investe aonde é preciso, nos meios humanos e técnicos próprios.

Uma política que paulatinamente concretiza a velha aspiração das forças do capital que querem impor - mesmo quando choram as lágrimas da hipocrisia pelo SNS - a política do quem quer saúde paga-a! Ou quem quer uma reforma, faz um seguro!

Uma política concebida para assegurar que “mesmo mudando governos, as políticas não mudem”, servindo sempre os mesmos interesses.

Não são os interesses gerais que impõem há mais de dez anos o prático congelamento dos salários na Administra Pública, nem tão pouco o minguado investimento público das últimas duas décadas, neste País com graves défices estruturais e carente de infraestruturas.

Sim, pretende-se garantir “contas certas” com a União Europeia dos monopólios e arrasta-se para as calendas gregas a resolução dos problemas do País.

O povo e o País precisam de uma resposta à altura dos problemas e das necessidades que enfrenta, mobilizando todas as possibilidades que hoje existem.

Na situação actual, considerando a resistência do Governo até este momento em assumir compromissos em matérias importantes além do Orçamento e também no conteúdo da proposta de Orçamento que está apresentada, ela conta hoje com a nossa oposição, com o voto contra do PCP.

Até à sua votação na generalidade ainda é tempo de encontrar soluções. É tempo ainda de verificar se o PS e o Governo recusam em definitivo os compromissos que permitam sinalizar o caminho da resposta que o País e a vida dos trabalhadores e do povo reclamam e as soluções que no Orçamento e além dele devem ser concretizadas.

A dimensão dos problemas do País e as soluções que lhes corresponde não se resolvem com dramatizações ou com o agigantar de dificuldades sobre o futuro, como se quer fazer crer.

Repetimos, o que é preciso são soluções e respostas.

Não invocações de crises políticas.

Nós podíamos perguntar. Em que é que as respostas que os trabalhadores e o povo reclamam contribuem para essa alegada crise?

Será que os aumentos dos salários e pensões são factores de crise política?

Garantir creches gratuitas para todas as crianças acrescenta crise ao País e à vida das famílias?

Reforçar o SNS investindo na valorização das carreiras e fixar os seus profissionais no SNS, condição indispensável ao aumento das consultas, exames, cirurgias, médico e enfermeiro de família para todos, é contribuir para crise?

Assegurar que se tem direito à habitação a preços suportáveis e com contratos que assegurem estabilidade tem alguma coisa a ver com crise política?

Assegurar aumentos extraordinários das reformas para todos os pensionistas é promover uma crise?

Pelo contrário! Dar as respostas que são necessárias e possíveis ao que o País, os trabalhadores e o povo precisam é um elemento de estabilidade, estabilidade na vida dos portugueses, das empresas e do País e, sobretudo, uma condição de elevação das condições de vida e de desenvolvimento nacional

Anuncia-se um crescimento da economia de 5,4%. Propagandeiam-se milhares de milhões de fundos comunitários. Não há razões para não responder ao que o País precisa.

Se há crescimento, esse crescimento precisa de se traduzir em mais meios para responder aos problemas que estão à vista de todos. Não se pode invocar o crescimento em vão. A valorização dos salários de todos os trabalhadores, o aumento do salário mínimo para os 850 euros, a recuperação do poder de compra das pensões de reforma são eles mesmos um estímulo ao crescimento económico.

A defesa dos direitos do trabalhadores face aos instrumentos de exploração que o grande patronato encontra na legislação laboral desde logo na caducidade da contração colectiva, isso sim é um factor de estabilidade, valorização da produção e crescimento económico.

Dê-se estabilidade à vida das pessoas em vez de agitar pré-anunciadas crises.

O que os trabalhadores e o povo não perceberão é que havendo meios e possibilidades para responder ao que se impõe se recuse isso em nome do défice e da protecção dos interesses do grande capital.

O caminho para um efectivo crescimento e desenvolvimento económicos, inseparáveis da elevação das condições de vida dos trabalhadores e do povo, exige, isso sim, medidas e opções políticas que no Orçamento do Estado e para além dele criem condições para o País ser dotado de instrumentos de soberania que o garantam.

O PCP não deixará de intervir para garantir soluções que integrem esse sentido diferente de consideração e resposta aos problemas nacionais, caminho indispensável para a vida do País.

Fá-lo-á com a sua independência de sempre, recusando todas as pressões, não alimentando nem se condicionando por falsas dramatizações, rejeitando leituras para lá daquelas que são as respostas que julga necessário para o País e determinado pelo seu compromisso com os trabalhadores e o povo.

Tal como não deixará de lutar por outras opções que a situação nacional reclama: a recuperação do controlo público de sectores e empresas estratégicas; a diversificação da actividade económica, travando a desindustrialização e promovendo a substituição de importações por produção nacional; o combate à degradação ambiental, com a promoção do transporte público, da produção local e nacional, a defesa da água pública, a promoção da soberania e eficiência energética.

Sim, o PCP não deixará de lutar pela concretização de uma política patriótica e de esquerda e com ela dar uma resposta clara aos problemas estruturais que marcam a nossa vida colectiva!

A situação que vivemos exige uma forte iniciativa política deste Partido necessário e insubstituível na defesa dos interesses dos trabalhadores e povo, nomeadamente na afirmação da alternativa, no desenvolvimento da luta de massas, no lançamento do novo mandato nas autarquias locais, concretizando o projecto autárquico assente no trabalho, honestidade e competência ao serviço das populações e a concretização de um conjunto de linhas de trabalho a iniciar no imediato, onde se incluí o prosseguimento do roteiro da produção nacional, da defesa dos direitos dos trabalhadores e dos serviços públicos, em particular do SNS e da Escola Pública, a concretização do plano das comemorações do centenário do PCP e o lançamento das comemorações do centenário do nascimento de José Saramago.

Somos um Partido que os trabalhadores, o povo e o País precisam seja mais forte e mais influente, o que exige concretizar as orientações do XXI Congresso, dando atenção, entre outros aspectos, ao reforço da organização e intervenção junto da classe operária e dos trabalhadores, à Campanha Nacional de Recrutamento “O futuro tem Partido”, bem como ao fortalecimento dos organismos de direcção locais e ao trabalho de fundos.

Temos um Partido que está firme no seu ideal. Um Partido que afirma e reafirma a sua natureza e identidade comunista na concretização de uma política patriótica e de esquerda, por uma democracia avançada, por uma sociedade nova, liberta da exploração e da opressão - o socialismo e o comunismo.

Um Partido que aqui, mais uma vez, reafirma o seu compromisso de sempre com os trabalhadores e o povo e a sua firme disposição de continuar a vencer dificuldades e obstáculos, lutando, todos os dias, em todas as frentes, pela construção de um Portugal com Futuro!

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