Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral, Seminário «O papel da produção nacional na promoção do desenvolvimento do país - Os impactos das políticas da União Europeia»

«Não há solução para os problemas nacionais sem uma inversão da política de abandono da produção nacional»

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Começo por agradecer a vossa presença bem como valorizar o conjunto de intervenções aqui realizadas em torno de uma questão central para o desenvolvimento do País, para o bem estar do povo português, para o futuro de Portugal enquanto nação soberana – a defesa e desenvolvimento da produção nacional. Longe, muito longe das preocupações de sucessivos governos e distante, muito distante dos interesses das elites económicas e financeiras e dos grupos monopolistas que as sustentam, está esta necessidade de defender o aparelho produtivo nacional, de substituir importações por produção nacional, de diminuir a dependência externa e criar emprego com direitos.

O PCP não só nunca abandonou este eixo essencial da política alternativa que propõe ao povo português, como a vida lhe deu e dá razão quando se verifica que não há solução para os problemas nacionais sem uma inversão da política de abandono da produção nacional. Eixo que se reforçou em empenhamento e proposta à medida que a integração capitalista na União Europeia vinha agravando a situação e que a sujeição nacional ao mercado único e às imposições do Euro tornavam esta luta mais premente e exigente. Deixarmos de ser um País dependente dos excedentes das grandes potências, deficitário e eterno devedor, que despreza o mercado interno e cujas exportações estão subordinadas aos interesses das grandes multinacionais são objectivos patrióticos a atingir.

Um País que reduza a sua dívida pelo aumento da riqueza que consegue criar. Que preserve e utilize com critério os seus recursos, que crie emprego qualificado, estável e bem pago, que assegure as necessidades essenciais do seu povo, que responda às preocupações ambientais.

Uma política com tais objectivos é uma exigência da actualidade e do futuro pela qual nos continuaremos a bater.

Mas é uma profunda ilusão pensar-se que tal caminho pode ser percorrido sem um confronto e ruptura com as imposições da União Europeia, venham estas acompanhadas ou não de fundos comunitários que, diga-se, nunca compensaram, nem compensarão os impactos destrutivos que a própria UE e as suas políticas tiveram na agricultura, nas pescas e na indústria nacionais. Se dúvidas existissem, aí está a Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia que decorre neste primeiro semestre de 2021, cujas orientações, temas em debate e perspectivas confirmam, como aqui se ilustrou, a inteira submissão aos grandes interesses, sejam os das multinacionais, sejam os das grandes potências.

E quando alguns, procurando disfarçar as suas elevadas responsabilidades na situação a que chegou o País, clamam pelas chamadas “reformas estruturais”, que é como quem diz, por mais ataques aos direitos dos trabalhadores, aos serviços públicos, à segurança social, e mais benesses para o grande capital, aqui lhes deixamos esta sugestão: se há reforma ou alteração estrutural mais urgente e que o País mais precisa é aquela que permita garantir a substituição de importações por produção nacional e essa reforma tão necessária e exigente não encontra solução com as actuais políticas do PS, mas também do PSD e do CDS e seus sucedâneos.

Um dos chavões que percorrem actualmente o discurso do Governo PS, tal como do PSD e CDS, é o da «reindustrialização». A Covid trouxe para cima da mesa do debate político, com toda a acuidade e urgência, os défices e carências do País e da UE em produtos industriais e agroalimentares, tão simples como as máscaras ou equipamentos médicos como os ventiladores.

Perante o drama das carências que a epidemia evidenciou, vimos, lá fora e aqui, o Primeiro-ministro exclamar: «Não podemos estar tão dependentes de fornecimentos externos como temos estado até agora. Coisas tão banais como máscaras não podem vir de países que estão a milhares de quilómetros de distância». Sucederam-se, então, a esta apreensão inesperada com a desindustrialização do País, sucessivos planos avançando com soluções que não são solução nenhuma, incluindo a do Plano de Recuperação e Resiliência.

Da parte do PSD a descoberta repentina da desindustrialização não foi diferente. Bem recentemente veio a público o texto «As prioridades da indústria portuguesa» da autoria de uma tertúlia de notáveis do PSD, onde se destacam os nomes de ministros dos Governos de Cavaco Silva, incluindo alguns que produziram vasta «teoria» para justificar as destruições de grandes empresas nacionais da metalomecânica ou da química pesada, e a deslocalização de outras dezenas de unidades da indústria transformadora. Era a globalização, diziam. A modernização do País passava pela «desmaterialização da economia». O País tinha que se virar para os serviços. O mercado único comunitário far-nos-ia chegar os bens alimentares e industriais que necessitássemos! E como declararam solenemente e em uníssono uns e outros, com a adesão ao Euro, a República deixaria de ter problemas com os pagamentos ao exterior! O resultado é conhecido: uma gigantesca Dívida Externa e a dependência em bens estratégicos, industriais e agrícolas, como os cereais! Hoje, já nem o carril de caminho de ferro produzimos – como resultado da destruição da Siderurgia Nacional!

De facto é notável esta aparente inversão de opiniões que, uma vez mais a mando da UE, ressurge agora em torno da «reindustrialização da Europa». Discurso que está no entanto muito longe da prática, já que prossegue a destruição de activos produtivos nacionais. Em nome de uma dita transição energética e de um putativo combate às alterações climáticas, encerram as Centrais Termoeléctricas de Sines e do Pego e, crime económico sem perdão, avançam para a liquidação da Refinaria da GALP de Matosinhos. O que vai significar uma importante perda de exportações de bens transaccionáveis. E não apenas de gasolina e gasóleo, mas de matérias-primas como betumes, tolueno, xilenos, etc, que outras empresas portuguesas, nomeadamente farmacêuticas e químicas, vão passar a importar!

São os mesmos que falam agora de «reindustrialização», que fazem de conta que não ouvem os trabalhadores do Vale do Ave clamar contra o encerramento, num estranho negócio, de uma das maiores e histórica empresa têxtil do País, a Coelima. Os mesmos que reclamam ou decretam a privatização da Efacec, certamente para a entregar a preço de saldo, depois da salvação com dinheiros públicos, a um qualquer fundo financeiro que verá nela sobretudo cifrões, menos a importância estratégica de uma empresa de perfil fortemente tecnológico, inovador e exportador e com um papel central no tecido económico nacional!

E o ataque aos sectores produtivos nacionais continua em curso e não fica pela indústria. Continua na persistente guerra aos produtores de leite nacional, pondo em causa um dos únicos produtos agro-alimentares em que o País é autosuficiente. Continua nas manobras em torno da RAN e da REN para transformar solos agrícolas, escassos no País, em jardins de painéis fotovoltaicos ou, com o mesmo objectivo, a destruição de superfícies florestais que dizem serem sumidouros de carbono, inclusive com liquidação de produção de matéria-prima da importante indústria de celulose nacional. Como é visível, a reindustrialização está em marcha! Mas às arrecuas…

Fiel a um combate também de décadas, o PCP afirma que o caminho tem de ser outro.

É necessário que o Estado português assuma o papel de planeador estratégico conduzindo o desenvolvimento do tecido produtivo português, na produção de bens e emprego, atenuando os défices produtivos e dinamizando uma exportação de alto valor acrescentado, com elevada incorporação de produção nacional. Sem esperar que tal resulte das oscilações do mercado (o que não significa pôr em causa o seu papel) ou dos humores do investimento estrangeiro, cada vez mais capital financeiro, sempre à espera de generosos benefícios fiscais e fundos comunitários. Ou que a reindustrialização do País resulte de uma Divisão Europeia do Trabalho, a partir do Mercado Único oleado pelo Euro, segundo os interesses das grandes potências e do capital multinacional que as gerem. A nova estratégia industrial anunciada pela Comissão Europeia em aparente resposta aos problemas da produção industrial comunitária, postos a nu pela Covid-19, com a recentragem das cadeias de valor nas fronteiras dos Estado membros, pode servir à Alemanha e outros países do Directório, mas não servem o nosso País!

É necessário que o Estado português assuma um papel activo como promotor e operador de activos industriais, sem desvalorizar a iniciativa privada e o mercado, permita colmatar anos e anos de atrasos e danos causados pela política de direita. Inclusive avançar para o controlo público de sectores estratégicos, decisivos suportes de toda a actividade económica, como a energia e as telecomunicações, hoje dominadas por grupos oligopolistas, fundamentalmente de capital estrangeiro, cobrando lucros e rendas que custam caro à economia nacional.

É necessário que o Estado ponha cobro às negociatas e manobras com importantes empresas nacionais, inclusive de concessões públicas de que são titulares após os processos de privatização, segmentado-as, vendendo-as às postas, como sucedeu com seis Barragens da EDP, ou com a venda pela GALP da Galp Gás Natural Distribuição, S.A.

Temos insistido numa questão central: a necessidade de substituir importações por produção nacional.

Identificámos com clareza quatro áreas onde é estratégico proceder a essa substituição: os alimentos, os medicamentos, os meios e equipamentos de transporte; a energia. Áreas que envolvem por sua vez múltiplos sectores industriais já existentes ou a criar no nosso País.

Muitos nos acompanham nesta preocupação genérica. Mas o que se vê é a abdicação por parte do Governo da sua concretização.

Vejamos um exemplo muito concreto. O PCP apresentou publicamente um projecto para reconstruir a capacidade nacional de produção de comboios. O Governo disse que queria alcançar o mesmo objectivo. Criou-se um agrupamento de entidades interessadas nessa possibilidade. Mas o que no concreto acontece? Os poucos comboios que estão a ser construídos, para o Metro de Lisboa, estão a ser produzidos em Valência. Porquê? O Governo não fez nada do que era necessário fazer para que fosse possível encarar a reconstrução da capacidade produtiva nacional de comboios. Limitou-se a ir às compras, em vez de planificar a máxima incorporação nacional na montagem, na fabricação de componentes, na manutenção e reparação de equipamentos. Fazer isso exige resistir às pressões da União Europeia e às suas multinacionais. Tal como é necessário quando esta nos exige que invistamos os fundos recebidos na construção da infraestrutura mas não nos comboios que nela circularão, garantindo que o que é lucrativo seja entregue às multinacionais do sector e apenas o deficitário seja assegurado pelo Estado.

Um outro exemplo é o da pesca. Somos o terceiro maior consumidor de peixe per capita do mundo. Temos a maior área económica exclusiva da União Europeia. Importamos mais de 2 mil milhões de euros de pescado por ano. Porquê? Desde logo porque os nossos Governos vivem amarrados à Política Comum de Pescas da União Europeia. Mas essencialmente porque não se investe na frota nacional de pesca, não se investe na investigação marítima, não se melhoram as condições de trabalho dos pescadores.

Veja-se o escândalo com o navio de investigação do IPMA. Esteve anos parado, sem o devido financiamento, sem a devida tripulação, sem um corpo de investigadores não precarizados, sem realizar as missões necessárias. E agora olhamos para o PRR e que vemos? Medidas para garantir o quadro de pessoal técnico e científico para o seu funcionamento? Não! A promessa da compra de mais um navio e a preocupação em pagar um extra de 10 milhões para que este seja compatível com o uso de amónia verde.

E com este exemplo não estamos a desvalorizar as questões ambientais. Apenas a dizer que estamos a construir a casa pelo telhado!

Tudo aponta que as quotas de sardinha, por exemplo, que têm sufocado a pesca de cerco nacional, já deveriam ter sido aumentadas. Mas faltavam-nos os dados científicos que comprovassem a apreciação empírica de quem está no sector. Perderam-se milhões de euros porque não se investiram umas centenas de milhar a tempo na valorização da capacidade científica nacional de que este tipo de navios são exemplo.

Tal como temos defendido o País precisa de investir e investir muito para um virar de página na defesa da produção nacional. Precisa de utilizar os fundos comunitários incluindo o PRR também para esse fim, precisa que o Orçamento do Estado comporte um aumento significativo do investimento público de forma duradoura, na ordem dos 5% do PIB. Precisa de metas e objectivos que assegurem o auto-abastecimento do País em produtos estratégicos, dos produtos farmacêuticos ao leite e aos cereais, dos barcos aos comboios. Precisa de uma produção que incorpore de facto preocupações ambientais, reduzindo distâncias entre a produção e o consumo, combatendo a obsolescência programada, assegurando o investimento público directo na planificação do abastecimento energético do País, tal como é necessário investir e articular a produção com a resposta às necessidades sociais, económicas e ecológicas, desde logo em todo o sector dos transportes, seja nas áreas metropolitanas, seja no restante território nacional onde a oferta de transporte público é inexpressiva.

Produzir, criar riqueza e emprego é uma condição de sobrevivência da pátria portuguesa. Portugal precisa de recuperar o tempo perdido. Precisa de vencer os atrasos e a dependência a que uma desastrosa política a favor dos grandes interesses económicos e financeiros o tem condenado. Este é o tempo de se assumir uma política e um caminho alternativo e resolver os problemas nacionais. Um tempo de grandes desafios que se impõe vencer!

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