Intervenção de António Filipe na Assembleia de República, Interpelação ao Governo «Defesa dos direitos dos trabalhadores»

A luta do PCP pela valorização do trabalho e dos trabalhadores é uma luta de sempre e vai continuar

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Senhor Presidente,
Senhores membros do Governo,
Senhores Deputados,

O debate que hoje realizámos demonstra a justeza da sua marcação pelo PCP.

A epidemia que tem marcado a vida nacional tem vindo a acentuar fragilidades que já existiam no nosso tecido social. Como é típico das situações de crise, são os mais frágeis a pagar a fatura.

Realizámos este debate num quadro que, independentemente de qualquer pandemia, já se caracterizava por um enorme desequilíbrio da legislação laboral e do mundo do trabalho em prejuízo dos trabalhadores e dos seus direitos.

Como se não bastasse aos trabalhadores terem sido fustigados por décadas de políticas de direita, pela brutalidade das medidas postas em prática pelo Governo PSD/CDS por imposição ou a pretexto da troika e pela obstinada recusa dos Governos PS em corrigir os aspetos mais negativos da legislação laboral, veio a pandemia criar o ambiente propício para novos ataques aos direitos dos trabalhadores.

Apesar da grandiloquência dos discursos sobre a transição digital, a verdade é que continuamos a ser um país de baixos salários.

Vivemos num país em que centenas de milhares de trabalhadores empobrecem a trabalhar. Num país em que os grandes gestores se aumentam a si próprios em milhões de euros anuais, enquanto centenas de milhares de trabalhadores que, à custa do seu trabalho geram tais lucros milionários, levam para casa menos de 600 euros mensais.

O aumento significativo do salário mínimo e do salário médio é um imperativo inadiável de justiça e uma condição de progresso económico e social.
A realidade laboral do nosso país continua a ser marcada por uma inaceitável precariedade, assente em velhos e novos formatos. À contratação a prazo, que continua a ser quase um regime regra para a contratação de jovens, aos falsos recibos verdes e a um período experimental alargado a seis meses, juntam-se agora novas formas de outsourcing, de contratação por via de empresas de trabalho temporário, de falso trabalho independente através de plataformas digitais, quando não de quase escravatura com recurso a mão-de-obra imigrante angariada através de redes de tráfico de seres humanos para exploração laboral.

A desregulação dos horários de trabalho, através de bancos de horas grupais ou individuais e de trabalho noturno e por turnos, continua a marcar negativamente a vida de muitos milhares de trabalhadores, sujeitos a uma arbitrariedade patronal da definição de horários de trabalho que torna infernal a conciliação entre a vida pessoal e profissional.

Em consequência da pandemia ou, mais propriamente, a pretexto desta, assistimos a uma nova vaga de ataques aos direitos dos trabalhadores de que foram dados muitos exemplos elucidativos ao longo deste debate.

Não ignoramos que devido à aprovação da proposta do PCP no Orçamento do Estado para 2021, cerca de 300.000 trabalhadores em lay-off recebem o salário a 100%. Lutámos por isso e valorizamos esse facto.

Mas não podemos ignorar que, a pretexto da crise, os despedimentos coletivos se sucedem em numerosas empresas, usando e abusando da manutenção das indemnizações por despedimento a preço de saldo. Muitos milhares de contratos precários não foram renovados. Muitos trabalhadores ditos independentes passaram simplesmente a desempregados.

O patronato usa e abusa do teletrabalho, não para defender a saúde dos trabalhadores, mas para os isolar, para transferir custos com instalações, energia ou telecomunicações para os próprios trabalhadores, para desrespeitar horários e impor o dever de disponibilidade permanente.

Entretanto, a Autoridade para as Condições de Trabalho prima pela falta de meios, pela paralisia e pela ausência de intervenção onde ela é indispensável para defender os trabalhadores contra a negação de direitos e as arbitrariedades patronais.

A denúncia da realidade laboral no nosso país é importante e indispensável, mas o propósito desta interpelação ao Governo não se limita à denúncia. A adoção de medidas que reponham a justiça no mundo trabalho, que valorizem o trabalho e os trabalhadores e que impeçam a “lei da selva” imposta pelo patronato, é uma exigência. É uma exigência constitucional, uma exigência de progresso civilizacional, uma exigência de uma sociedade que se pretende mais justa e decente.

É uma exigência a que o Governo e o PS não se podem furtar. Não bastam palavras a enaltecer a dedicação dos trabalhadores. Tem de haver correspondência entre as palavras e os atos.

O que a situação nacional exige é o aumento geral dos salários, a valorização das carreiras e profissões, o aumento do salário mínimo nacional para os 850 euros, visando a superação da injusta distribuição do Rendimento Nacional.

O que se exige é a redução do horário de trabalho para as 35 horas semanais, a limitação da laboração continua e do trabalho por turnos, o respeito e o cumprimento dos horários.

O que se exige é a revogação da caducidade da contratação coletiva e a reposição do princípio do tratamento mais favorável do trabalhador.
O que se exige é a reposição das indemnizações por despedimento para os valores que vigoravam antes da troika.

O que se exige é a eliminação da precariedade laboral e a efetivação dos direitos de todos os trabalhadores, da administração pública e do setor privado, sem discriminações entre homens e mulheres ou em razão da nacionalidade ou origem étnica.

O que se exige é uma justiça laboral acessível e uma Autoridade para as Condições de Trabalho com meios e orientações para intervir em prol dos direitos constitucionais dos trabalhadores.

O que se exige é uma resposta concreta do Governo e do PS quanto a estas questões prementes da vida nacional.

Em tempos de má memória, mas não muito distantes, dizia um Deputado do PSD nesta Assembleia que os portugueses estavam pior, mas o país estava melhor. Não estava, e por isso mesmo os portugueses souberam impor em 2015 uma nova fase na vida política nacional.

Em 2021, perante uma situação de crise que é preciso superar, o país só estará melhor se os trabalhadores não estiverem pior. Não haverá saída da crise se ela não se traduzir na melhoria das condições de vida de quem, com a sua força de trabalho, cria a riqueza de que outros beneficiam.
Esta interpelação está a terminar, mas a luta do PCP pela valorização do trabalho e dos trabalhadores é uma luta de sempre e vai continuar. Continuará sempre, com determinação e confiança num futuro melhor para os trabalhadores e o povo.

Disse.

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