Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral, Sessão Pública «150 anos da Comuna de Paris – lutar pela emancipação dos trabalhadores»

150 anos da Comuna de Paris – lutar pela emancipação dos trabalhadores

Ver vídeo

''

Partido da classe operária e de todos os trabalhadores portugueses, inteiramente ao serviço do povo português e de Portugal, Partido da liberdade, da democracia, do socialismo, Partido patriótico e internacionalista, Partido da causa da emancipação social dos trabalhadores e dos povos de todo o mundo, Partido do ideal e projecto comunistas, o PCP não podia deixar de comemorar esse acontecimento memorável da luta do movimento operário que foi a Comuna de Paris.

Há 150 anos, em 18 de Março de 1871, pela primeira vez na História, a classe operária com os seus aliados conquistou o poder, proclamando a Comuna de Paris e instaurando um governo novo, do povo e para o povo.

Tendo como contexto a guerra franco-prussiana e as suas profundas consequências e face à traição do governo burguês, que perante a revolta popular abandona Paris e se refugia em Versalhes, o operariado parisiense levanta-se numa impetuosa insurreição, organiza a defesa da cidade frente à ameaça das forças contra-revolucionárias e ao cerco das tropas prussianas, expulsa a grande burguesia do poder e elege a Comuna, erguendo a bandeira vermelha de luta do proletariado.

Tendo como esteio fundamental a classe operária, que apoiou sem receio e infatigavelmente o seu governo, a Comuna contou com uma muito ampla base de apoio social, assim como com a participação e a iniciativa criativa das massas, destacando-se particularmente o papel que nela assumiram as mulheres ou ainda os marxistas reunidos na Associação Internacional dos Trabalhadores – a I Internacional, criada em 1864, com o particular e persistente empenho de Marx e Engels.

Apesar de condições desfavoráveis e da sua brevidade, a Comuna adoptou importantes medidas nos planos laboral e social – como a interdição do sistema de multas e retenções de salário por parte dos patrões ou a suspensão do pagamento das dívidas –, e medidas estruturantes de um poder político novo, democrático e popular, como a substituição do exército permanente pelo armamento do povo, a separação da Igreja do Estado e a laicização do ensino, a reabertura e gestão pelos operários das oficinas abandonadas pelo patronato, a remuneração do governo e de todos os funcionários da administração pelo salário médio dos operários – entre outras decisões que são caracterizadoras da sua natureza de classe.

No entanto, confrontada com o cerco militar dos exércitos alemão e francês, que se conjugam contra o novo poder revolucionário, a Comuna foi obrigada, durante os seus 72 dias de existência, a assumir como tarefa primordial a sua própria defesa.

Promovendo divisões e tirando partido de hesitações e insuficiências da Comuna – como o não ter avançado sobre as forças contra-revolucionárias antes que estas se pudessem reagrupar, não ter colocado o Banco de França ao serviço do processo revolucionário ou ter subestimado a importância da aliança com o campesinato –, o exército de Versalhes avança sobre Paris a 21 de Maio e, apesar da heróica e determinada resistência da Comuna, esta é derrotada pela brutal violência das armas e alvo do ódio e vingança sangrenta da grande burguesia.

Marx, em «A Guerra Civil em França», e Lénine, em «O Estado e a Revolução», retiraram importantes ensinamentos da Comuna de Paris, que constituem importantes desenvolvimentos do marxismo, nomeadamente quanto à teoria da revolução, ao papel do partido de vanguarda ou à questão do Estado como a questão central de cada revolução, à sua natureza de classe, e à necessidade de conquistar e construir um novo.

A Comuna de Paris, esse «assalto ao céu» nas palavras de Marx, teve uma enorme repercussão internacional, incluindo em Portugal, onde então se fazia sentir uma maior influência da corrente anarquista, face à corrente marxista que era dominante na Associação Internacional dos Trabalhadores.

O exemplo de consciência de classe e de total entrega dos revolucionários franceses, que combateram e morreram pela causa da libertação da classe operária, por um futuro melhor para todos os trabalhadores, a demonstração da possibilidade da tomada do poder pelo proletariado, deram um significativo impulso ao movimento operário português e à difusão do marxismo em Portugal. Datam de então as primeiras associações exclusivamente operárias, que em 1872 deram origem à Fraternidade Operária e à sua adesão à AIT.

Os acontecimentos da Comuna de Paris tiveram lugar há 150 anos, mas a força do seu exemplo e dos seus ideais perdura até ao presente, mantendo toda a actualidade. Como salientou Lénine, «a causa da Comuna não morreu, ela continua viva em cada um de nós», «a causa da Comuna é a causa da revolução social, é a causa da total emancipação política e económica dos trabalhadores, é a causa do proletariado mundial. E neste sentido é imortal».

O novo século que se lhe seguiu irá despontar não só com a vitória da Revolução de Outubro, em 1917, e a constituição de um Estado em que, pela primeira vez o poder é exercido pelos operários e camponeses, como ficará marcado por profundas transformações sociais e avanços no processo de emancipação dos trabalhadores e dos povos, que determinarão o rumo do mundo.

Com a constituição da União Soviética, o primeiro Estado socialista, a Vitória sobre o nazi-fascismo, as revoluções populares e socialistas, os processos de libertação nacional e o fim dos impérios coloniais, o avanço da luta por direitos democráticos nos países capitalistas, foram alcançadas pelos trabalhadores e os povos enormes realizações e conquistas de dimensão histórica e civilizacional.

Materializando as aspirações pelas quais heroicamente lutaram os partidários da Comuna de Paris, os países socialistas empreenderam a construção de uma nova sociedade livre da exploração e da opressão, livre das injustiças e discriminações sociais, uma nova sociedade que assegurando a democracia nas suas vertentes económica, social, política e cultural, tem como objectivo o bem-estar dos trabalhadores e do povo.

Por maiores que sejam as campanhas dos arautos do capitalismo para ocultar, deturpar e caluniar as primeiras experiências de construção do socialismo, nada poderá apagar que a União Soviética e o conjunto de países socialistas colocaram o desenvolvimento económico ao serviço da concretização dos direitos dos seus povos, conquistando a eliminação do desemprego e da pobreza, a erradicação do analfabetismo, a universalização do ensino, da cultura, do desporto, do acesso à saúde e à protecção social, ou a inédita promoção dos direitos das mulheres, das crianças, dos jovens e dos idosos. Países que se lançaram na concretização de elevadas formas de participação democrática, na solução de problemas de ordem nacional, no desenvolvimento científico e técnico, na promoção da amizade, da solidariedade, da paz entre todos os povos – transformações e realizações que foram ao encontro das mais profundas, sentidas e justas aspirações da imensa maioria da Humanidade, dos explorados, dos oprimidos.

Sabemos que este imenso e exaltante processo de transformação revolucionária da sociedade se revelou mais complexo e demorado que o previsto, tendo que enfrentar duras provas e exigentes embates com o imperialismo e sido sujeito a atrasos, erros e deformações que conduziram à sua reversibilidade. No entanto, como a história e a realidade actual do mundo comprovam, tal não anula o valor e significado das realizações do socialismo e dos avanços de civilização que lhe estão associados, nem coloca em causa a sua superioridade como sistema social.

Com o fim da URSS e de outros países socialistas na Europa, os centros ideológicos do capitalismo proclamaram o fim da história, e o imperialismo lançou-se numa violenta ofensiva para recuperar as posições perdidas ao longo do século XX e impor o seu domínio hegemónico mundial.

No entanto, as crises cíclicas do capitalismo tornam-se cada vez mais frequentes e duradouras. A crescente financeirização da economia e o predomínio do capital financeiro e especulativo conduzem a um gigantesco desperdício de forças produtivas. Acentua-se o carácter rentista, parasitário e decadente do sistema. Inerentes ao capitalismo, tem lugar a corrupção e todo o género de tráficos criminosos.

A corrupção é inerente à natureza do capitalismo e à sua lógica de acumulação, seja através de forma institucionalizada, como se verifica no fascismo, seja pela subordinação do poder político ao poder económico e da política ao serviço do grande capital, da instrumentalização do Estado a favor dos grandes grupos económicos e da teia de interesses e cumplicidades que dela resulta, e de que são exemplo a porta giratória entre governos e conselhos de administração ou as privatizações.

Fomentando uma crescente e gigantesca concentração e centralização de capital, o mundo é confrontado com uma violenta intensificação da exploração e ataque aos direitos sociais, com o consequente e brutal agravamento das desigualdades e injustiças sociais.

O carácter desumano e criminoso do capitalismo é exposto nas centenas de milhões de trabalhadores lançados no desemprego e na precariedade, na negação de direitos fundamentais a milhões de seres humanos, na pobreza, na fome, no trabalho infantil, no trabalho escravo, na exploração de seres humanos para fins sexuais, no drama que atinge milhões de deslocados, refugiados e migrantes.

Ao mesmo tempo, o capitalismo promove a predação de recursos naturais, agrava problemas ambientais, assim como subverte as potencialidades abertas pelos avanços científicos e técnicos em função das suas necessidades de acumulação e domínio.

Do mesmo modo, o sistema promove o ataque a liberdades e à democracia, o branqueamento e banalização do fascismo, fomenta forças de extrema-direita e fascistas, concepções reaccionárias e antidemocráticas, o obscurantismo, o anti-comunismo, procurando regredir a consciência dos povos quanto aos seus direitos, a alternativas de desenvolvimento e a caminhos de emancipação.

Afrontando a Carta das Nações Unidas e o Direito Internacional e agravando a situação internacional, o imperialismo, particularmente o imperialismo norte-americano, promove a corrida aos armamentos, a militarização das relações internacionais, a NATO e outras alianças político-militares ofensivas, assim como a ingerência, as sanções, os bloqueios, o confronto, a agressão, a guerra, visando atingir a soberania e os direitos dos povos e a independência dos Estados.

Acentua-se a contradição entre o capital e o trabalho, entre o carácter social da produção e a apropriação privada dos meios de produção, entre os monopólios e as classes e camadas não monopolistas, ou ainda as contradições entre as principais potências capitalistas e entre estas e os países em desenvolvimento.

Neste contexto, tem lugar um complexo processo de arrumação de forças a nível mundial, que tem como traços dominantes o declínio relativo da influência mundial do centro capitalista, e em primeiro lugar dos EUA.

A pandemia da Covid-19 veio acentuar as tendências que têm caracterizado a evolução da situação internacional, estando a ser aproveitada pelo sistema para intensificar a exploração e o ataque a direitos e liberdades.

A evolução da situação internacional comprova que grandes perigos de retrocesso social e civilizacional coexistem com reais potencialidades de avanços progressistas e revolucionários, e sublinha a necessidade de estar preparado para rápidos e imprevistos desenvolvimentos e, portanto, para o recurso às formas de luta que a evolução da situação vier a exigir.

O capitalismo, com a sua natureza exploradora, opressora, agressiva e predadora, com a agudização das suas insanáveis contradições, com o aprofundamento da sua crise estrutural, com as sérias ameaças e imensos perigos que comporta, com a sua incapacidade para dar resposta aos problemas da Humanidade, demonstra que não é o derradeiro sistema da História e que se coloca com redobrada actualidade e necessidade a sua superação revolucionária e a construção de uma sociedade nova, do socialismo.

Como o PCP tem salientado, a experiência histórica de luta dos trabalhadores e dos povos mostrou, na sua riqueza e ensinamentos – tanto nos erros e derrotas, como nos acertos e vitórias –, quão extraordinariamente complexo, irregular e acidentado é o processo de emancipação social, demonstrando igualmente que os caminhos da revolução, sendo diversificados e seguindo fases e etapas diferenciadas tendo em conta a situação concreta em cada país, obedecem a leis gerais, relativas ao papel da classe operária, ao poder dos trabalhadores, à natureza do Estado, à propriedade social dos principais meios de produção, ao planeamento ou à intervenção criadora das massas populares.

Num prazo histórico mais ou menos prolongado, por vias diversificadas e num processo comportando necessariamente redefinições e enriquecimentos de projecto, através da luta de emancipação social e nacional dos trabalhadores e dos povos, é a substituição do capitalismo pelo socialismo que, no século XXI, continua inscrita como uma possibilidade real e como a mais sólida perspectiva de evolução da humanidade.

Assinalamos os 150 anos da Comuna de Paris, no momento em que comemoramos o Centenário do Partido Comunista Português.

A criação do PCP correspondeu a uma necessidade histórica da classe operária portuguesa, que resultou da evolução do movimento operário português, da sua experiência e consciência social e política, num contexto de ascenso revolucionário, sob o impacto internacional da Revolução de Outubro.

São 100 anos de vida e de luta de um Partido que, aprendendo com a sua experiência própria e a do movimento comunista e revolucionário internacional, sempre assumiu e cumpriu com entusiasmo, determinação e confiança os seus compromissos para com os trabalhadores e o povo português, para com a causa universal da emancipação social, pela qual, há 150 anos, a Comuna de Paris lutou.

Tal deve-se à perseverante e indissolúvel ligação do PCP à classe operária, a todos os trabalhadores, às massas populares, raiz fundamental da sua força, que lhe permitiu e permite atravessar unido grandes mudanças e profundas transformações na situação nacional e internacional, definir e acertar orientações, afirmar-se como grande partido nacional e desempenhar um papel insubstituível na luta libertadora dos trabalhadores e do povo português e tornar-se numa força respeitada do movimento comunista e revolucionário internacional.

O PCP é o Partido da luta contra o fascismo, pela liberdade e a democracia, da luta contra o colonialismo e as guerras coloniais, pelo direito à independência das colónias portuguesas; o Partido da Revolução de Abril, das suas conquistas e avanços e da resistência à contra-revolução; o Partido da luta em defesa da independência e soberania nacionais; o Partido da solidariedade internacionalista, da paz, amizade e cooperação com todos os povos; o Partido da luta pela satisfação das mais urgentes e sentidas reivindicações dos trabalhadores e das populações; o Partido da luta pela ruptura com a política de direita e por uma política alternativa patriótica e de esquerda, da luta por uma democracia avançada vinculada com os valores de Abril, da luta pelo socialismo.

Ao evocarmos a Comuna de Paris e o seu ideal emancipador, é justo salientar o significado e o alcance da Revolução de Abril em Portugal, que representou a conquista pelos trabalhadores e o povo português da liberdade, dos direitos democráticos, da reforma agrária, das nacionalizações, do controlo operário, do poder local democrático, do regime democrático consagrado na Constituição da República Portuguesa aprovada há 45 anos, Revolução em que o PCP teve um papel determinante e que se inscreve como uma das páginas mais impressivas da sua história.

É por isso que nos últimos 100 anos não há nenhuma transformação social, nenhum avanço ou conquista dos trabalhadores e do povo português a que não esteja directa ou indirectamente associada a iniciativa, a luta, a acção e a intervenção do PCP.

Partido patriótico e internacionalista, é a partir da realidade portuguesa e da experiência revolucionária portuguesa nos seus múltiplos aspectos e assimilando criticamente a experiência revolucionária mundial, tanto nos seus acertos e êxitos como nos seus erros e derrotas, que o PCP aponta ao povo português, como seu objectivo, a futura construção da sociedade socialista em Portugal.

Na continuidade da luta dos revolucionários da Comuna de Paris e dos seus ideais libertadores, das melhores tradições de luta e realizações progressistas e revolucionárias do povo português, do seu património de 100 anos de luta inteiramente ao serviço do povo e da pátria, o PCP afirma, perante os trabalhadores e o povo português, a sua determinação na luta por uma sociedade liberta da exploração, da qual sejam banidas todas as desigualdades, injustiças, discriminações e flagelos sociais, e que assegure o bem-estar material e espiritual do povo – a sociedade socialista tendo no horizonte o comunismo.

  • PCP
  • Central
  • comuna de paris