Declaração de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral do PCP

70.º aniversário do julgamento de Álvaro Cunhal

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Assinalamos hoje, 5 de Maio, um momento particularmente marcante, parte da vida e da história do Partido Comunista Português. Passam agora 70 anos do julgamento de Álvaro Cunhal perante o tribunal fascista, onde proferiu uma memorável intervenção na qual, com notável lucidez e coragem, procedeu ao julgamento e condenação do regime fascista.

São muitos e significativos os momentos da vida e da luta do Partido Comunista Português, que no decorrer deste tempo de comemoração do Centenário da sua heróica existência, havemos de assinalar e celebrar.

São muitos os acontecimentos que marcam a corajosa luta de um Partido construído a pulso, com o sofrimento e abnegação de muitos dos seus melhores. Um Partido de mulheres e homens que não se deixaram, nem deixam intimidar.

Cem anos de um Partido que conheceu os horrores e a tragédia da guerra e do fascismo. Que dinamizou as grandes lutas dos trabalhadores e tomou como suas as lutas dos povos submetidos de todo o mundo. Que assumiu todas as grandes causas e todos os combates contra a exploração, a opressão e as desigualdades. Que assumiu como nenhum outro a frente de combate pela conquista dos direitos políticos, laborais, sociais e culturais do nosso povo. Que esteve no fazer emergir e na realização da Revolução de Abril, e na linha da frente das suas conquistas e em sua defesa. Que esteve e continua agindo para fazer avançar a roda da História no sentido do progresso, da liberdade, da democracia e do socialismo.

Cem anos de um Partido que se orgulha de ter tido como seu Secretário-Geral Álvaro Cunhal, essa personalidade ímpar e revolucionário de corpo inteiro que hoje recordamos nesse exemplo de firmeza e dignidade protagonizado no Tribunal da Boa Hora, enfrentando os juízes fascistas, passando de acusado a acusador, e que constitui um testemunho da personalidade de um homem em luta – uma luta travada nas severas e violentas condições da prisão fascista.

Álvaro Cunhal estava preso há 14 meses, em total incomunicabilidade, e fora submetido a brutais torturas. Fechado numa cela onde o sol não entrava e a luz de vigília estava acesa 24 horas sobre 24 horas, sem lápis nem papel, ele memorizou a sua longa intervenção e, em pleno tribunal, sentou o regime salazarista no banco dos réus, protagonizando um dos mais significativos actos de resistência ao regime fascista e de confiança no futuro da luta de libertação do nosso povo.

Nessa longa intervenção, Álvaro Cunhal procedeu a um libelo acusatório do regime, pondo a nu a sua natureza terrorista e opressora; as suas consequências na vida do povo e do País; enunciou as «condições fundamentais para que uma República Democrática seja viável em Portugal»; e justificou e defendeu o projecto, as orientações políticas e as linhas de acção do Partido Comunista Português.

Desmontando ponto por ponto o arrazoado de mentiras do regime e da propaganda reaccionária, fundamentou e mostrou o carácter patriótico e internacionalista da política dos comunistas portugueses, o valor da independência nacional que o regime fascista punha em causa, submetido que estava ao domínio dos “ imperialistas estrangeiros”, o carácter nefasto do poder dos monopólios sobre a economia portuguesa e as suas consequências nas difíceis condições de vida do povo em resultado dessa dominação e da política do regime que os servia. Fundamentou e afirmou a impossibilidade de o regime fascista garantir a independência do País, nem assegurar o bem-estar do povo.

Álvaro Cunhal acabaria a sua corajosa intervenção perante o tribunal fascista afirmando: “Vamos ser julgados e certamente condenados. Para nossa alegria basta saber que o nosso povo pensa que se alguém deve ser julgado e condenado por agir contra os interesses do povo e do País, por querer arrastar Portugal a uma guerra criminosa, por utilizar meios inconstitucionais e ilegais, por empregar o terrorismo, esse alguém não somos nós, comunistas. O nosso povo pensa que, se alguém deve ser julgado por tais crimes, então que se sentem os fascistas no banco dos réus, então que se sentem no banco dos réus os actuais governantes da nação e o seu chefe, Salazar".

Álvaro Cunhal levava à prática aquilo que, em teoria, apontava como a atitude a tomar frente a um odioso regime: fazer de todos os momentos e de todos os espaços, um tempo de resistência e de luta.

Vivia então, o PCP, um momento grande da sua história. Um momento que se havia iniciado com a reorganização de 40/41 e complementado com os III e IV Congressos, protagonizado também por homens da têmpera revolucionária de Álvaro Cunhal. Um momento em que se fortalecera e transformara profundamente o Partido. Um tempo de grandes lutas do nosso povo e em que o PCP se assume como um grande partido nacional e se tornou não só necessário, mas indispensável e insubstituível na sociedade portuguesa.

Necessário e indispensável ontem, necessário e insubstituível na diferente realidade de hoje para assegurar a defesa dos interesses dos trabalhadores, do nosso povo e do País.

Nesta realidade que vivemos marcada por uma situação internacional complexa, onde pontua a sobreexploração do trabalho e o aprofundamento da crise estrutural do capitalismo, e uma situação nacional onde estão presentes graves problemas estruturais que se reflectem em atraso no desenvolvimento do País, gritantes desigualdades sociais e regionais. Problemas que são inseparáveis de anos de política de direita e de integração na União Europeia e que o recente surto epidémico veio agravar. Surto que está a servir de pretexto ao grande capital nacional e internacional para intensificar o ataque aos direitos, à liberdade e à democracia, agravar a exploração e acelerar a concentração e centralização de capital. Em Portugal são já milhares de trabalhadores despedidos, com cortes nos salários e com salários em atraso. Milhares de micro, pequenos e médios empresários enfrentam a perspectiva da liquidação das suas actividades.

Se os arrastados problemas que Portugal enfrentava exigiam há muito uma outra política, patriótica e de esquerda, essa exigência tornou-se ainda mais imperiosa hoje para dar resposta aos problemas da saúde, à necessária valorização do trabalho e dos trabalhadores, à defesa da produção nacional, ao desenvolvimento económico e social, à garantia de serviços púbicos ao serviço do povo e do País.

Vivemos uma situação difícil e os perigos são imensos. Este é um momento para afirmar que a luta não está, nem pode ficar de quarentena!

Um ensinamento que Álvaro Cunhal nos legou com a sua palavra e o seu exemplo é que, sejam quais forem as circunstâncias existentes em cada momento, a luta é sempre necessária – e vale sempre a pena, porque será ela e a força que dela emana, em última instância, que determina a evolução dos acontecimentos.

Somos um Partido com uma história centenária que nos honra e que queremos continuar a honrar. Um Partido que nunca virou a cara à luta. Um Partido cujos militantes deram provas sem paralelo de abnegação.

Partido não só para resistir mas para avançar, que é portador daquela esperança que não fica à espera e que caldeada na luta concreta torna o sonho realidade, sempre, sempre com os trabalhadores e o povo, transportando o seu projecto transformador e emancipador!

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