Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

"O sistema financeiro tem de estar ao serviço das pessoas"

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Sr. Presidente,
Sr. Ministro,

O PSD e o CDS têm tentado tudo para nos fazer crer que este é um problema que foi gerado nas últimas semanas, apesar de o PCP, desde finais de 2012, inícios de 2013, ter trazido este problema à Assembleia da República e de o PSD e CDS, na altura no governo, tudo terem feito para ocultar a real dimensão do problema. E nessa altura entregaram 1100 milhões de euros, como já foi descrito, ao Banif, a um banco falido, dos quais apenas foram recuperados 825 milhões de euros, porque o Governo, pura e simplesmente, se demitiu de acompanhar o Banco para o qual atirou 1100 milhões de euros, sabendo que não era mais do que um sorvedouro de capital.

Por isso, Sr. Ministro, as primeiras questões que coloco são sobre isto mesmo. Que acompanhamento terá feito o anterior Governo desta situação desde o momento, ou, aliás, até mesmo antes, em que colocou à disposição daquele Banco 1100 milhões de euros? Que orientações foram dadas ao administrador não executivo? Como é que o Governo acompanhou a elaboração dos planos de reestruturação e as recomendações da DGCom sobre esses planos de reestruturação? Que articulação foi feita entre o Governo e o Banco? Que garantias exigiu o Governo e o que fez para que elas pudessem ser utilizadas, no sentido de reaver os 1100 milhões de euros que foram colocados no Banco? O Governo tinha, ou não, à data, elementos que lhe permitissem saber que o Banif era considerado inviável e que deveria ter uma solução?

Estas questões podem provar que o problema não é de agora e que, de facto, existem profundas responsabilidades do PSD e do CDS.

Mas há mais responsabilidades. O PSD e o CDS recusaram-se, tanto quanto sabemos, em todos os momentos, por obsessão ideológica e compromissos com o grande capital em Portugal, a incluir ou a ponderar incluir o Banif na esfera pública, nomeadamente no sistema público bancário, com ou sem a participação direta da Caixa Geral de Depósitos. Essa opção, pura e simplesmente, não foi tida em conta e, na altura, talvez pudesse ter poupado o Estado ao rombo de 2255 milhões de euros, que, agora, acrescem à dívida pública, e aos quais se juntam ainda 750 milhões de euros de garantias para ativos tóxicos que o Santander exigiu.

Impuseram aos portugueses duríssimas condições de vida durante o pacto de agressão assinado com o FMI, o Banco Central Europeu e a União Europeia; impuseram cortes nos salários, roubos nas pensões; encerraram serviços públicos; destruíram direitos; tudo a pretexto de sanar os problemas da banca e eis que deixaram o lixo escondido para justificar a propaganda da «saída limpa» e, com isso, enganar os portugueses, eventualmente, para obterem melhores resultados eleitorais.

Essa fatura, também pela mentira e propaganda, tem este custo, e este custo pode ainda vir a ser maior, porque, afinal, o lixo e as prendas no sapatinho que agora nos calharam são muito maiores do que se pensava, e ainda resta saber se a banca não terá outros problemas escondidos a que o Estado ainda terá de responder.

(…)
Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:

Desde 2012 que o PCP alerta para a situação do Banif, para os 1100 milhões de euros de capitais públicos envolvidos na sua recapitalização e para a opção do Governo PSD/CDS de não assumir o necessário controlo público do Banco que a posição claramente maioritária do Estado então permitia e aconselhava.

O Governo PSD/CDS não serviu, nem protegeu os interesses dos clientes do Banif, os seus trabalhadores, nem as economias das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, nem os milhares de emigrantes cujas poupanças estão depositadas no Banco. O anterior Governo comprometeu o Estado e dinheiros públicos no Banif sem sequer pedir responsabilidades àqueles que andaram a lucrar à conta da má gestão.

As responsabilidades políticas do Governo PSD/CDS são agravadas pelas afirmações de Passos Coelho e dos responsáveis das Finanças, que insistiam num alegado bom negócio para os cofres do Estado. Na realidade, estavam a apoiar, a fundo perdido, um banco privado e falido, ocultando a realidade com a ativa cumplicidade do Banco de Portugal. Talvez por isso tenham feito tanta força para a recondução do mesmo Governador que dizia que o empréstimo ao Banif renderia 10% em juros a favor do Estado. Certo é que nenhum outro foi nomeado porque poderia descobrir o buraco!

A par das operações do Governo PSD/CDS, este processo veio expor a incompatibilidade insanável entre a defesa do interesse nacional e as regras e imposições da União Europeia ao impedir a integração do Banif no sistema público bancário e ao forçar a concentração capitalista, impedimentos que o Governo acata, mas o PCP não.

Estamos perante um verdadeiro crime económico, cujo autor moral é o Governo PSD/CDS; resta saber, ainda, com que cobertura por parte do Presidente da República, Cavaco Silva. Crime económico contra o País que remete agora para o uso de recursos públicos para salvar depósitos que foram delapidados num contexto em que essa delapidação poderia ter sido impedida se o Governo de então tivesse assumido a sua posição dominante no capital do Banif. À velha maneira do que fazia o fascismo, PSD e CDS colocam o dinheiro público numa empresa privada, não para controlar a empresa mas para que a empresa privada controle o dinheiro público.

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,

É cada vez mais claro que a regulação e a supervisão bancárias apenas servem para alimentar ilusões de uma intervenção pública aparentemente independente e disciplinadora das ambições e da especulação financeira do grande capital e do capital monopolista.

O Banco de Portugal é apenas o certificado de qualidade num produto há muito apodrecido e a supervisão é uma má encenação, cujo bilhete já vai em 20 000 milhões de euros desde 2008.

O PCP não aceita salvar bancos privados com o dinheiro dos portugueses e este desfecho é ainda mais inaceitável quando os milhares de milhões de euros servirão, no essencial, para assegurar a transferência dos melhores ativos e a carteira de negócios do Banco para um grupo financeiro privado e estrangeiro, o Grupo Santander, quando seria do interesse do País, dos trabalhadores e dos depositantes que esses ativos e esse negócio fossem integrados no sistema público bancário.

A situação que está criada no Banif confirma a necessidade do controlo público da banca que o PCP tem vindo a exigir há anos e, uma vez mais, é evidente a quem serve e a quem não serve a gestão privada da banca.

A estabilidade do sistema financeiro é demasiado importante para que possa ficar dependente da voragem dos grandes acionistas privados.

A situação demonstra que um efetivo controlo público da banca é absolutamente necessário, não apenas por força deste processo, mas da instabilidade geral que não permite colocar agora de parte que este seja apenas mais um episódio de uma crise patente no sistema bancário. Não sendo o controlo público, por si só, a solução de todos os problemas da banca, é hoje mais evidente do que nunca que só este controlo público permite que sejam iniciadas as soluções necessárias.

O PCP chama ainda a atenção para o facto de a situação do Banif, tal como já se tinha verificado com o BES, ser mais um elemento que comprova o embuste propagandístico que significou a anunciada «saída limpa» e o verdadeiro conteúdo da ação do Governo PSD/CDS e da troica. É, igualmente, mais um elemento que comprova que PSD e CDS estiveram ao serviço dos senhores do dinheiro: fizeram questão de condicionar as opções, tentaram vender a TAP já fora do prazo e tudo fizeram para que o Banif fosse entregue ao Santander, por falta de outras opções. Com as suas opções, PSD e CDS limitaram duramente as de quem viesse a seguir.

O voto contra do PCP é um voto contra a política que salva bancos enquanto sacrifica pessoas. É um voto contra as imposições da União Europeia, que são contrárias aos interesses dos portugueses. É um voto contra os privilégios dos banqueiros, que usam e desviam o dinheiro das pessoas e chamam o Estado para pagar os seus crimes, enquanto circulam livremente pelo País, em vidas de luxo. É um voto contra a opção de cortar nos salários, nas pensões, na segurança das populações, na justiça, na cultura, na educação, na saúde, para pagar aventuras de banqueiros.

O sistema financeiro tem de estar ao serviço das pessoas.

Para isso, as pessoas têm de controlar o sistema financeiro. Só a banca nas mãos do povo não rouba o País.

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