Encontro Nacional do PCP sobre a situação da Educação em Portugal

Moção sobre o «Processo de Bolonha»

1. As declarações da Sorbonne, Bolonha, Praga e Berlim visam condicionar o ensino superior aos interesses do grande capital financeiro, bem como a progressiva privatização do ensino superior público.

2. O seu objectivo é que as elites intelectuais e técnicas tão necessárias ao desenvolvimento e bem-estar das populações coincidam com as elites económicas, ou seja que o acesso ao conhecimento seja um privilégio dos ricos.

3. A estratificação do Ensino Superior a que insidiosamente conduz o “Processo de Bolonha” reflecte uma recusa em fornecer a formação integral que prepare o cidadão para assumir uma posição consciente no controlo da economia e, ao mesmo tempo, que lhe dê cultura e capacidade profissional para as tarefas do desenvolvimento.

4. Com a implementação deste “processo”, os que apenas venham a concluir o primeiro ciclo e que serão aqueles com menos poder económico, só terão acesso aos conhecimentos técnicos básicos que lhes permitam servir os interesses do grande capital. Ficará para os outros, para os que tiverem poder económico para passar ao segundo ciclo, o acesso à formação integral, à Cultura e à Ciência.

5. Assim, a serem implementados no quadro político actual os princípios enunciados nas declarações da Sorbonne, Bolonha, Praga e Berlim, será de esperar que o acesso a cada grau seja economicamente condicionado, em vez de o ser pelas reais aptidões e competências dos estudantes que a eles tentem aceder. Será de esperar que, de todos que completem o primeiro ciclo com «um nível de habilitações apropriado para ingressar no mercado de trabalho Europeu», apenas regressem ao Ensino Superior para a obtenção do segundo grau os filhos dos ricos. Apesar das sucessivas declarações dos ministros europeus da educação serem sempre omissas no que se refere ao financiamento, pelos indícios que sobejamente temos nas nossas instituições de Ensino Superior público dos custos de inscrição e frequência das agora chamadas pós-graduações, será de esperar que os custos para a larga maioria dos estudantes sejam proibitivos.

6. Mantém-se e agrava-se assim a limitação do acesso ao ensino superior, em particular aos seus ciclos mais avançados, tornando-os apenas uma prerrogativa de uma cada vez mais reduzida percentagem de estudantes.

7. Existe assim uma séria consequência de discriminação classista no acesso aos graus mais diferenciados do ensino superior. A discriminação económica é a mais inaceitável das injustiças, no que respeita ao ensino. Daí que o financiamento do ensino como direito universal seja um assunto crucial e pungente.

8. O aparelho escolar que é dos mais importantes serviços públicos de um Estado, é chamado, pelas declarações dos Ministros da Educação da Europa, a melhor servir a competição económica capitalista, formando mais adequadamente os trabalhadores para essa economia e condicionando e estimulando o consumidor.

9. Com a anunciada implementação do “Processo de Bolonha” subsistirá e agravar-se-à a massificação da ignorância. Haverá uma reconversão, seleccionando segundo critérios de classe, a fracção do conhecimento que é para ser massificado e aquela que é para ser elitizada.

10. Da forma e no contexto em que é concebida, a estratificação em ciclos, e em especial as reciclagens de que os trabalhadores ficarão mais dependentes ao longo de toda a sua vida permitiram, também, acelerar a privatização do ensino. Quanto mais os cursos forem estratificados, mais fácil se tornará o “fabrico” de tais pacotes,.

11. Apesar da declaração de Praga (2000) proclamar o Ensino Superior como “ bem público “, o “Processo de Bolonha” contém os ingredientes bastantes para configurar a destruição da escola pública e da sua vocação e ambição democráticas. E o empobrecimento do conteúdo e missão do ensino superior.

12. Nestas condições, as declarações da Sorbonne, Bolonha, Praga e Berlim são, como matéria de facto, uma verdadeira declaração de guerra do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial e da Organização Mundial de Comércio ao sistema de ensino superior europeu, a pretexto de uma «optimização do mesmo, por forma a responder aos desafios da globalização».

13. Com estas declarações pretendem os eurocratas que o ensino continue ao serviço da burguesia, e cada vez mais ao serviço das suas novas prioridades. Denotam um redobrado esforço de reestruturação e de adaptação do aparelho do ensino às novas realidades capitalistas.

14. Em Portugal este processo avançou num quadro de profundo desrespeito pela participação dos professores, estudantes, funcionários e instituições. A subserviência do Governo Português face àqueles objectivos, tem Estado patente na política desenvolvida para o ensino superior. Desta forma aprofunda-se a elitização, diminui a qualidade do ensino e da investigação, descaracteriza-se o ensino superior Português e reduz-se claramente a soberania do nosso sistema educativo e do nosso País.

15. Mas o Ensino Superior deverá adaptar-se a outras realidades. Às perspectivas que se abrem de uma sociedade onde todos os cidadãos tenham o seu lugar, em que os direitos de cada um sejam considerados, em que o bem-estar de todos possa ser assegurado.

16. O ensino superior na Europa deve bater-se por contrariar esta tendência. Primeiro, assumindo os custos de formação integral dos estudantes em todos os ciclos de ensino. Segundo, assumindo para todos os que pretendam ultrapassar o primeiro grau mas que para tal não tenham capacidade económica, a criação de condições de vida dignas e independentes, sem agravamento da situação económica do agregado familiar. Terceiro, reivindicando o financiamento a que tem direito como serviço público que é, sem descurar formas complementares de financiamento, nomeadamente auto-financiamento.

17. O ensino superior público deve pugnar sempre, em qualquer ciclo de ensino, por programas curriculares estruturantes que preparem os seus formandos, não só para a vida produtiva, mas também para a cidadania plena e intervenção transformadora na sociedade.

Assim, o Encontro Nacional do Partido Comunista Português sobre a situação na educação, reunido em Lisboa a 23 de Outubro de 2004:

1. Exige uma profunda reconfiguração do ensino público Português que habilite os estudantes a serem os criadores de um país avançado, consciente, democrático e soberano e considera que para tal, é fundamental um ensino ligado à vida, que ensine a questionar, a duvidar e a partilhar.

2. Considera que o ensino superior deve formar seres integrais, muito para além da mera coisa económica, conjuntural e imediatista, coisificada, sem dignidade e sem perspectiva. Considera que o ensino superior deve ajudar a emancipar, deve vincular-se a uma economia de sentido diferente, o que implica um treino e educação muito para além do aprender a fazer, mecanicista e tecnológico, e obriga à mais elevada cultura integral do indivíduo.

3. Considera que o denominado “Processo de Bolonha” é um instrumento da contra-reforma neoliberal do ensino superior público contra os reais interesses e bem-estar do povo Português e, por isso, alerta para os perigos e graves consequências da sua implementação em Portugal e apela ao seu combate.

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