Intervenção de Agostinho Lopes, membro da Comissão Política do Comité Central, Encontro Nacional sobre os 20 anos de adesão de Portugal à CEE/UE

Abertura do Encontro Nacional sobre os 20 anos da adesão de Portugal à CEE/UE

1. Fechamos o ano de 2006 com este Encontro Nacional, Portugal e a União Europeia, nos 20 anos da adesão à CEE. Procuramos assim encerrar o ciclo de um ano aberto em 2 de Janeiro, durante a Campanha Eleitoral para a Presidência da República.

Percorremos o ano com um conjunto de debates, visitas, acções diversas sobre o tema. Percorremos o País real, as suas realidades regionais, analisando com aqueles que mais directamente sofreram e sofrem na pele os efeitos da integração comunitária.

Hoje pretendemos consolidar o património do PCP de análise, proposta, orientações e caminhos sobre os problemas actuais que Portugal enfrenta nesta fase da integração europeia.

2. Há cerca de 150 anos Marx e Engels assinalavam no Manifesto Comunista a dinâmica expansionista e centralizadora do capital através da acção da sua classe, a Burguesia. De como esse movimento criava o estado-nação de que o capital e a burguesia necessitavam. Vale a pena repetir o que então escreveram.

“Cada vez mais a burguesia suprime a dispersão dos meios de produção, dos haveres e da população. Aglomerou a população, centralizou os meios de produção e concentrou a propriedade em poucas mãos. A consequência necessária deste processo foi a centralização política. Províncias independentes ou precariamente unidas, com interesses, leis, governos, e direitos alfandegários diversos, foram espartilhadas (ou reunidas) numa nação, num governo, numa lei, no interesse nacional de uma classe, num sistema aduaneiro.” 

A CEE foi esse movimento do capital na Europa do pós-guerra e no quadro da resposta e afrontamento com o campo socialista que então se afirmava com a URSS, no plano económico, social e político. A CEE é essa expressão da integração capitalista na Europa, e a União Europeia com a configuração que hoje tem depois dos diversos alargamentos é o seu actual ponto de chegada.

O objectivo hoje, como ontem é o mesmo, sendo que agora não são as “províncias” que são reunidas, mas estados-nações que esse movimento do capital tenta juntar numa supranação, num governo, numa lei, no interesse supranacional de uma classe, ainda a mesma, a burguesia!

Há cerca de 2 anos alguém, clamava contra “a paranóia centralizadora da Comissão (Europeia). Mas a questão não é de “paranóia” é da lógica de bulldozer do movimento do capital, e a centralização política como “a consequência necessária” conforme diziam Marx e Engels, da acção da burguesia que o impulsiona!

3. Quando Portugal aderiu à CEE em 1986, entrou no comboio do grande capital europeu em andamento, e em andamento acelerado. E foi sem ideias feitas ou preconceitos assumidos, que o PCP, na base de um trabalho de estudo, que culminou na Conferência Nacional “Portugal e o Mercado Comum” a 31 de Maio de 1980 definiu a sua posição política: NÃO AO MERCADO COMUM”.

No contexto da então situação internacional, da crise económica dos 9 países que então constituíam a CEE e muito particularmente das estruturas económicas e institucionais do País, tudo indiciava graves consequências como resultado da Adesão.

Consequências que 20 anos depois, em grande parte se confirmaram, apesar de profundamente alterados os dados de partida e o quadro internacional em que se processou a integração.

A posição do PCP teve então por referencial, na base da investigação realizada, a defesa dos interesses do povo português, a Revolução de Abril e o futuro de Portugal como nação livre e independente.

Referencial que continuou a orientar as posições do PCP durante estes 20 anos. Posições renovadas noutras iniciativas realizadas perante as alterações qualitativas que se foram verificando na integração comunitária. Iniciativas que só o PCP e apenas o PCP realizou.

Posição bem diferente do PS e PSD ao CDS-PP, que sem qualquer avaliação séria e rigorosa, e apenas na base dos seus interesses políticos mais imediatos, das suas estritas opções de classe, do seu ódio vesgo a importantes conquistas sociais e económicas de Abril, embrulharam numa monstruosa campanha de propaganda o seu projecto de atrelar o País aos interesses das principais potências capitalistas da Europa.

A Adesão à CEE surgiu às forças do grande capital (e do latifúndio) como a grande oportunidade de recuperarem da profunda derrota que a Revolução de Abril lhes infligiu. Na esteira das posições e convergências com o PS, para travar e inverter o caminho revolucionário aberto pelo 25 de Abril, os Partidos da direita PSD e CDS, então no Governo, vão fazer com o apoio do PS, da «rápida e completa integração de Portugal na CEE» «a prioridade das prioridades da política externa portuguesa» (Janeiro de 1980).

Dando continuidade à operação Mercado Comum contra as principais conquistas de Abril, sob o slogan «Europa Connosco» iniciada pelo PS, o então Governo PSD/CDS, viu na Adesão à CEE a criação dos instrumentos políticos necessários para golpearem e se possível liquidarem a Reforma Agrária, as Nacionalizações, a legislação laboral e outros avanços económicos e sociais alcançados com o 25 de Abril.

Mas a Adesão constituía também uma poderosa salvaguarda política para as camadas e classes sociais derrotadas no 25 de Abril, com a ideia de que criava um caminho irreversível, a salvo de acidentes de percurso indesejáveis, sempre presentes e possíveis a partir das conquistas de Abril e da vontade do povo português no quadro da liberdade e democracia reconquistadas.

Em 26 de Janeiro de 1980, Ferraz da Costa, Vice-Presidente da CIP, era claro ao afirmar: «Não foram apenas considerações económicas que nos levaram a apoiar o processo de adesão à CEE. Os industriais viram essa opção como uma espécie de seguro contra todos os riscos políticos.» O grande capital português tinha um objectivo claro, que outros ocultaram e submergiram em propaganda, para justificarem a sua fervorosa adesão europeísta aos olhos dos portugueses.

Mas a Adesão contou também com o apoio do grande capital internacional, das grandes potências europeias e dos EUA, que viam nesse processo um meio para impedir a consolidação em Portugal de um regime progressista, uma via independente de desenvolvimento, não alinhado com o imperialismo. O enquadramento na CEE, facilitava a estratégia político-militar dos EUA de «estabilização do flanco sul» da NATO.

4. A evolução da CEE/EU nos últimos vinte anos não foi de molde a favorecer a defesa dos interesses nacionais. E para essa reflexão vale a pena assinalar a continuidade do processo de integração através dos sucessivos saltos qualitativos, com a manutenção da sua natureza profunda de integração capitalista.

De facto há uma continuidade absoluta desde o Tratado de Roma (que fixava já o objectivo de generalizar a concorrência e o fim dos ditos monopólios públicos), passando pelo Acto Único (e as três liberdades fundamentais de circulação, dos homens, das mercadorias e dos capitais), até Maastricht e à Moeda Única (com a construção de um vasto mercado liberto de todos os constrangimentos, posto sob a dominação dos capitais financeiros e as suas exigências de rentabilidade elevadas).

Processo que culmina em Nice e na elaboração de uma dita Constituição para a Europa. Assim, se procura assegurar no quadro do alargamento um mecanismo institucional (federal) que garanta o comando político das grandes potências, “constitucionalize” o neoliberalismo como modelo económico e a União Europeia como bloco político-militar. 

O desenvolvimento da integração, sem descurar a engenharia política e a manipulação propagandística, privilegiou a multiplicação dos pequenos passos e a criação de factos consumados, devendo destacarem-se dois procedimentos sistemáticos:

- a marginalização dos povos, acabando sempre por os confrontar com soluções que seriam únicas, sem alternativas, sempre transformadas em desígnios nacionais. Isto é, fazendo da solução coincidente com os interesses do grande capital nacional e transnacional, das grandes potências, a única possível, inelutável e inevitável!

- a apresentação de cada nova etapa como a saída necessária e obrigatória para o período de dificuldades que a economia comunitária atravessava, nova etapa sempre anunciada como fase de futuros progressos sociais, e em particular de resposta aos problemas do desemprego!

Poderíamos no plano interno recordar as sucessivas miragens que o PS e o PSD foram atirando ao povo português, em que a Adesão impôs o Acto Único que depois exigiu Maastricht e a Moeda Única, que depois impôs o Pacto de Estabilidade e a Governação monetária do BCE, que depois na perspectiva do alargamento exigiu Nice e o seu desenvolvimento “natural” com a elaboração da dita Constituição.

Sendo que neste caminho se iam resolvendo todos os nossos problemas, desemprego, baixos salários, deficiente estrutura produtiva, o alargamento dos mercados externos, com mais 300 milhões de consumidores à nossa espera, e uma imparável convergência com a União Europeia!

5. Portugal tem hoje uma situação difícil, indissociável da integração comunitária. Não se podendo fazer uma avaliação do que teria acontecido sem a Adesão, o balanço exige que se tenham em conta dois referenciais.

A evolução relativa/comparada com a de outros Estados-membros da então CEE (e com outros países fora do processo de integração europeia) mesmo se esta comparação «absolutizada» é sempre susceptível de leituras simplistas e mesmo erradas).

Saber se a evolução venceu ou atenuou défices estruturais da sociedade portuguesa e, em particular, da sua estrutura socio-económica.

Ora, as avaliações são, no essencial, negativas.

O crescimento económico do País não significou sempre «desenvolvimento» nem foi concretizado com ganhos em sustentabilidade económica e ambiental. Bem pelo contrário.

E ressalve-se, que esta avaliação, não pode esconder as grandes e principais responsabilidades da política de direita conduzidas pelos governos do PS, PSD e CDS-PP ao longo destes 20 anos, inclusive em matéria europeia.

Mas o balanço pode e deve ter outro cotejo, a partir das tarefas fundamentais atribuídas ao Estado Português pela Constituição da República. E, nesse sentido, a integração atropelou e atropela a independência nacional. Afastou da decisão dos cidadãos questões essenciais da vida nacional. Tem ajudado a promover as desigualdades sociais. Tem desvalorizado e enfraquecido a afirmação da língua portuguesa. E, contrariamente à necessidade de desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional, as políticas comunitárias deram e dão um grande contributo para as assimetrias regionais.

6. Outros caminhos para a Europa, outro rumo para a União Europeia exigem rupturas, mobilizações, convergências e lutas como afirmamos na Proposta de Resolução Política do Encontro.

Exigem a ruptura com qualquer processo constitucional, que tem intrinsecamente associado uma visão federalista da UE, pondo em causa o que no tempo histórico que atravessamos ela não poderá deixar de ser: uma união livre de Estados e povos soberanos e iguais em direitos. Visão federalista que no quadro assimétrico de estados desiguais em dimensão, desenvolvimento e poder, só poderia significar, e qualquer que fosse o modelo federal adoptado (com mais ou menos poder da Comissão, com mais ou menos câmaras parlamentares), o reforço e a institucionalização do domínio das grandes potências no comando da UE.

Exigem a ruptura com o neoliberalismo e as suas receitas de liberalização e privatização, as suas teses do Estado mínimo e da máxima presença do capital financeiro, entregando a regulação e os mercados aos grandes grupos monopolistas do capital transnacional. O neoliberalismo é incompatível com qualquer resposta social, e não seria a presença na dita Constituição da Carta Social Europeia, que a tornaria melhor. Sabemos por sabedoria de experiência feita, que os melhores princípios e objectivos sociais inscritos em textos constitucionais são letra morta quando as normas que conformam a estrutura e as dinâmicas económicas fazem da força de trabalho simples factor de produção com estatuto idêntico ao capital.

Como não é possível estripar as receitas neoliberais e o militarismo da dita Constituição, deixando ficar o federalismo. Esses 3 eixos vivem uma inseparável relação simbiótica em que cada um se alimenta dos outros, numa dinâmica de reforço mútuo.

Chegados a esta União Europeia, conhecidos os projectos que estão em curso, há que ver com rigor o caminho, as orientações, as respostas dos comunistas para os enfrentar.

A partir da proposta de Resolução Política que vos é proposta, com a vossa participação no debate, vamos certamente avançar nas linhas gerais alternativas para um Portugal com futuro, para outro rumo para a Europa.

  • União Europeia
  • Central