Passados 73 anos, a jornada heróica do proletariado vidreiro
da Marinha Grande em 18 de Janeiro de 1934 permanece como um marco importante
na abnegada e combativa luta dos trabalhadores portugueses pela liberdade,
contra a exploração, por uma vida mais digna e uma sociedade mais justa.
O 18 de Janeiro jornada de luta contra a fascização dos
sindicatos e pela defesa da livre organização dos trabalhadores; contra a
ofensiva patronal e do Estado salazarista contra os salários, o horário de
trabalho de 8 horas; contra a repressão e em defesa das liberdades cívicas e
políticas tinha a determiná-lo a compreensão do que o fascismo representava
para os trabalhadores: privação de todas as liberdades, perseguições, prisões,
torturas, assassinatos, intensificação da exploração, desemprego e miséria.
O 18 de Janeiro foi, por tudo isso, uma jornada virada ao
futuro.
Uma jornada animada pela compreensão da importância da
organização da classe operária para a luta contra a exploração e pela esperança
de que, derrotado o fascismo, os trabalhadores pudessem abrir caminho à
construção de uma sociedade de progresso e justiça social.
As deficiências, erros e ilusões verificadas na preparação e
organização da jornada de 18 de Janeiro não põem em causa o que ela representa
como heróico feito da classe operária portuguesa.
Coube à classe operária da Marinha Grande, e em particular ao
proletariado vidreiro, desempenhar o papel determinante dessa grande jornada
contra o fascismo, ocupando a vila, instituindo o seu soviete, ainda que só por
algumas horas.
A existência de uma importante concentração industrial, com
uma classe operária temperada por importantes lutas e dispondo de uma combativa
organização de classe, o sindicato dos trabalhadores vidreiros; o carácter
unitário da luta e a existência de uma organização local do PCP e de um comité
do Partido coeso, que assumiu, desde o início, a direcção da luta, foram as
causas determinantes para que o povo da Marinha Grande desempenhasse um papel
de vanguarda na luta antifascista, papel que, pelas mesmas causas, se manteve
até ao derrube da ditadura em 25 de Abril de 1974.
Os revolucionários do 18 de Janeiro foram derrotados num
combate em que a heroicidade não bastava para vencer a enorme desigualdade de
forças, mas, como muitas vezes aconteceu na história, foi do amargo da derrota
que o movimento operário revolucionário extraiu as lições para melhorar a sua
organização e elevar a sua capacidade de luta.
Largo 18 de Janeiro, em Casal Galego, vendo-se as ruínas da casa que serviu de
sede ao movimento e onde ocorreu a reunião preparatória na madrugada de 18 de
Janeiro
Casa do Sindicato Vidreiro da Marinha Grande em 1934
O fascismo enganou-se redondamente ao pensar que tinha
esmagado aquilo a que chamava a «hidra subversiva comunista».
Apesar das pesadas baixas, o PCP soube extrair os devidos
ensinamentos para o reforço da sua organização, para o desenvolvimento da luta de
massas e para o alargamento da sua influência.
Aperfeiçoando a sua organização clandestina, centrando o seu
trabalho nas empresas, criando um aparelho de imprensa clandestina, elevando o
seu trabalho político-ideológico, o PCP deu importantes passos para se tornar na
força dirigente da classe operária portuguesa e da sua luta contra a
exploração, pela liberdade, a democracia e o socialismo.
Assinalar o 18 de Janeiro é também prestar a devida
homenagem aos revolucionários dessa gloriosa jornada, aos abnegados militantes
comunistas que o proletariado da Marinha Grande deu ao PCP e à causa da
liberdade e do socialismo e cujos nomes permanecerão na memória do povo
marinhense.
É preciso não esquecer!
A reacção do governo salazarista à greve de 18 de Janeiro, e
em particular na Marinha Grande, foi de grande violência e arbitrariedade:
elevado número de prisões, despedimentos, julgamentos praticamente sumários,
condenações a pesadas penas de prisão, deportações, assalto ao que restava das
organizações operárias livres.
A pretexto da «segurança», da «ordem pública» e da «defesa da
pátria», o poder intensificou as medidas para o reforço do seu aparelho
repressivo, como parte integrante do regime fascista.
O sobressalto do 18 de Janeiro e outras jornadas de
luta,mostraram quanto era ilusória e falsa a propaganda fascista acerca do
Portugal pacificado e aderente ao novo regime.
Posto da GNR. Armas apreendidas aos revoltosos.
Estação dos C.T.T. sob ocupação militar
A resposta de Salazar foi a decisão de criar o Campo de
Concentração do Tarrafal com o objectivo de aterrorizar o povo português e
poder assassinar, longe do país e das famílias, os presos considerados mais
perigosos.
O Campo de Concentração do Tarrafal, instalado numa das
piores zonas climáticas de Cabo Verde chuvas, fortes ventos, calor, água
inquinada com um regime prisional inspirado no modelo nazi, assente na
arbitrariedade, na violência organizada, nos trabalhos forçados, tornou-se num
verdadeiro inferno para os presos antifascistas que para lá foram enviados,
muitos deles participantes na greve de 18 de Janeiro.
Dos 152 presos que a 29 de Outubro foram inaugurar o
sinistro Campo da Morte Lenta, como ficou conhecido o Campo do Tarrafal, 57
deles tinham participado na jornada do 18 de Janeiro e de entre os 32
antifascistas assassinados no Campo do Tarrafal, estão os comunistas
marinhenses, Augusto Costa, assassinado em Setembro de 1937, e António Guerra,
assassinado em Dezembro de 1948, já depois da derrotade Hitler e Mussolini, ao
desaparecimento dos quais Salazar conseguiu sobreviver graças ao apoio dado ao
regime fascista pelas chamadas democracias ocidentais.
A estas mortes dos filhos da Marinha Grande e
revolucionários do 18 de Janeiro há que acrescentar as dos camaradas Francisco
da Cruz e Manuel Carvalho, a primeira ocorrida na prisão de Angra do Heroísmo e
a segunda no Hospital de Leiria, na sequência dos maus-tratos infligidos na
altura da prisão.
António Guerra.
Dirigiu a brigada de assalto ao Posto dos C.T.T. na Marinha Grande. Foi condenado a 20 anos de desterro. Esteve preso em Angra do Heroísmo e no Forte de Peniche. Morreu no Campo de Concentração do Tarrafal, em Cabo Verde, em 28 de Dezembro1948.
António Costa.
Morreu no Campo de Concentração do Tarrafal, em Cabo Verde, em 22 de Setembro de 1937.
Embarque de Presos Políticos do Movimento de 18 de Janeiro para Angra do
Heroísmo
Presos políticos do 18 de Janeiro,
a bordo do navio Carvalho Araújo, a caminho da prisão em Angra do Heroísmo.
A prisão de Angra do Heroísmo, conhecida por «Cemitério Fascista do Oceano» (Vista Parcial)
Prisão da Trafaria. José Soares, Fernando Soares e António Estrela
Presos do 18 de Janeiro no Forte de Peniche em 1935
Familiares de operários presos pedem a sua libertação no Governo Civil de Leiria. 1935
Numa altura em que se verifica toda uma política de
branqueamento do fascismo e mesmo de absolvição dos seus crimes; numa altura em
que se reabilitam os principais responsáveis pelo regime fascista e se fala em
criação de museus que perpetuem a sua obra; numa altura em que se ressuscitam
práticas e manifestações fascistas e fascizantes, e a incriminação dos
lutadores contra a ditadura terrorista dos monopólios, é preciso lembrar que o
fascismo existiu com todo o seu cortejo de crimes.
É preciso lembrá-lo por respeito pela memória de todos
aqueles que, com coragem e elevado espírito de sacrifício, deram o melhor das
suas vidas e alguns deles a própria vida para que Portugal pudesse ser livre,
para que uma sociedade mais justa fosse possível. Para que se possa continuar a dizer:
«Fascismo Nunca Mais», é preciso não esquecer que o fascismo existiu e o que
significou.
É preciso defender o regime democrático consignado na
Constituição de Portugal e lutar contra a sua perversão antidemocrática.
A classe operária e o povo da Marinha Grande na resistência
e na luta pela liberdade
A coragem, a determinação, a generosidade dos combatentes de
18 de Janeiro, permanecem desde então na memória colectiva dos trabalhadores e
do povo da Marinha Grande.
A feroz repressão que se abateu sobre os revolucionários do
18 de janeiro, o movimento sindical e o Partido Comunista Português, tornaram
mais difícil o prosseguimento da luta, mas o fascismo jamais conseguiu eliminar
a aspiração dos marinhenses à liberdade, a poderem construir uma sociedade onde
a opressão e a exploração, não tenham lugar.
Vanguarda na luta contra a fascização dos sindicatos, a
Marinha Grande continuou a sê-lo durante a longa noite da ditadura.
Fiéis ao legado dos operários vidreiros que em 18 de janeiro
de 1934, pela sua acção heróica escreveram uma das mais importantes páginas da
luta dos trabalhadores portugueses contra o fascismo, sucessivas gerações de
marinhenses deram, com a sua luta perseverante, uma inestimável contribuição
para que o povo português, derrubada a ditadura em 25 de Abril de 1974, pudesse
finalmente viver em liberdade.
A classe operária e o povo da Marinha Grande pagaram um
pesado tributo pelo seu espírito indomável, pela sua fidelidade à causa dos
revolucionários do 18 de Janeiro, pelo seu apego à liberdade e ao socialismo.
«Marinha Grande é um nome escrito a ouro na história do
movimento operário português. Melhor se pode dizer: escrito com lágrimas e
sangue.
Porque a luta dos trabalhadores da Marinha Grande ao longo
de 50 anos de fascismo foi paga com pesadas perdas, com perseguições, torturas,
prisões, com o assassínio e a deportação de muitos dos seus melhores filhos,
com séculos passados nas masmorras fascistas por muitos anos, com privações e
sacrifícios silenciosos e anónimos das famílias dos militantes, educadas na
mesma escola de elevada consciência de classe e incansável combatividade.
As tradições de luta do proletariado da Marinha Grande são
inseparáveis da actividade dos comunistas. A classe forjou a sua vanguarda
revolucionária – a vanguarda revolucionária (os comunistas) soube estar à
altura da classe.
Marinha Grande pode orgulhar-se de muitos combatentes de
vanguarda que tem dado ao movimento operário. Pode orgulhar-se dos seus
mártires e dos seus heróis. E a vinda para a sua terra natal, hoje, nesta data,
dos restos mortais de um militante comunista que deu toda a sua vida à luta
pela liberdade da classe operária e do povo português – o camarada José
Gregório – é, ao lado de outros nomes gloriosos, um símbolo das qualidades e
tradições do proletariado da Marinha Grande e do papel da sua vanguarda
revolucionária – o Partido Comunista Português.»
(Do discurso de Álvaro Cunhal no comício do PCP, a 18 de Janeiro de 1975, na Marinha
Grande, nas primeiras comemorações do 18 de Janeiro, em liberdade).
RELATOS DOS ACONTECIMENTOS NA MARINHA GRANDE
do dia 18 de Janeiro de 1934
Os dois relatos que se seguem sobre os acontecimentos
ocorridos na Marinha Grande durante a noite e manhã do dia 18 de Janeiro, um
feito através duma entrevista dada ao Proletário (órgão clandestino da Comissão
Inter-Sindical) intitulada «O levantamento operário da Marinha Grande» e
publicada em Abril de 1934, outro através do Relatório, elaborado pelo camarada
Pedro Amarante Mendes, acusado pelos fascistas de ser «o chefe dos sediosos»,
revestem-se de grande importância para o
conhecimento do que se passou e o papel do Partido Comunista Português na
organização dessa jornada heróica do proletariado da Marinha Grande contra o
fascismo.
Sendo embora testemunhos pessoais e podendo conter algumas
lacunas, têm no entanto o mérito dos seus autores terem sido participantes
activos na jornada de 18 de Janeiro de 1934.
O LEVANTAMENTO OPERÁRIO DA MARINHA GRANDE
Uma importante entrevista com um dos dirigentes do Partido e
do Sindicato Vermelho Vidreiro da Marinha Grande
(«O PROLETÁRIO» – Ano IV, Série Ilegal, Nº 2, pág. 3 e 4.
Abril de 1934)
Um dos nossos camaradas pôde avistar-se com um dos
dirigentes do levantamento operário da
Marinha Grande e activo elemento do comité local do Partido e do Sindicato
Vermelho Vidreiro.
A respeito deste importante levantamento, disse a imprensa
burguesa toda uma série de infâmias. Uma entrevista que repusesse as coisas no
seu lugar, era oportuna.
Aqui a temos.
O PROLETARIADO DA MARINHA GRANDE NA VANGUARDA DA LUTA
Uma pergunta nos saltava dos lábios.
Porque tomaram, desde logo, um carácter insurreccional, os
acontecimentos da Marinha Grande?
Em primeiro lugar porque o proletariado da Marinha Grande,
mercê das formidáveis lutas que vinha
conduzindo contra o patronato e Estado ocupava realmente um lugar de vanguarda,
em relação ao grosso do proletariado português
sob a direcção do Partido e do
Sindicato Vermelho Vidreiro, ele tinha forçado, os patrões, não só a satisfazer
importantes reivindicações económicas, como impôr o reconhecimento dos seus
comités de fábrica, comités que o patronato era forçado a consultar em todos os
casos relacionados com o pessoal.
Em segundo lugar o agravamento da crise, as violentas
medidas de repressão, da ditadura (o sindicato estava encerrado e muitos
militantes presos e perseguidos), a desilusão do «reviralho», dos chefes
republicanos e anarco-sindicalistas, o exemplo de Cuba , os sucessos políticos
e económicos do proletariado da União
Soviética, tudo isto contribuía para dar, á luta contra a fascização dos
sindicatos, na Marinha Grande, um carácter mais amplo, mais profundo. Tudo isto
indicava que a greve de massas, na Marinha Grande, tomaria o aspecto de levantamento
armado.
O nosso Partido e o Sindicato Vermelho, dando carácter
organizado a esta explosão da indignação das massas, cumpriram o seu dever
revolucionário.
O INÍCIO DO MOVIMENTO
Podes dizer-nos algo sobre as condições em que se
desenrolaram os acontecimentos?
Mas evidentemente. Pelas 0 horas do dia 18 fizemos a
distribuição das nossas forças de choque. Tudo se fez de uma maneira
organizada. Os nossos camaradas distinguiam-se por uma braçadeira vermelha com
a foice e o martelo. Um grupo numeroso seguiu a cortar as comunicações. Ao
mesmo tempo três outros grupos marchavam a ocupar, simultaneamente, os Paços do
Concelho, a Estação Telegráfica e o Quartel da GNR. As armas eram apenas o que
se tinha podido arranjar; algumas espingardas caçadeiras, duas pistolas e umas
cinco bombas.
Os Paços do Concelho e a Estação Telegráfica foram ocupadas
sem resistência...
Porém o chefe da estação conseguiu iludi-los...
Desminto. Esse «parvajola» não nos podia iludir, nem, como
dizem os jornais, comunicar com Leiria, pela razão simples de que, quando
ocupámos a estação, já as linhas de comunicação com Leiria estavam cortadas. O
seu «heróico» papel limitou-se a ensinar, um nosso camarada, a trabalhar com a
central telefónica da vila porque assim lho exigimos!
E a guarda?
Aí concentrou a resistência. Porém já todos os pontos
estratégicos, da vila, se encontravam nas nossas mãos. Por outro lado já toda a
massa operária, da Marinha Grande estava na rua, apoiando os poucos homens
armados que possuíamos. O quartel ficou completamente bloqueado e foram dados
quinze minutos, à força (GNR), para se render. Recusou. Desencadeou-se o
ataque.
Duas horas de tiroteio e veio a rendição. A força foi
desarmada e o comandante solicitou-nos que impedíssemos possíveis vinganças.
Lembra-se que dezenas das suas vítimas andavam pelas ruas... Concordámos em que
o melhor meio de os salvaguardar, contra isso, seria conservá-los prisioneiros,
sob a guarda de camaradas de confiança. Por isso os conduzimos para uma fábrica
de vidros. Mas repara: apenas os que temiam represálias para ali foram. Dois,
por exemplo, não temeram represálias, seguiram para suas casas e ninguém lhes
fez mal.
Cessou então toda a resistência?
Sim. Ás cinco horas da manhã toda a Marinha Grande estava
nas mãos do proletariado e milhares de trabalhadores percorriam a vila
vitoriando o nosso Partido.
O ATAQUE DAS FORÇAS GOVERNAMENTAIS
Quando começou o ataque das forças do governo?
Próximo das seis horas. Na pior ocasião. Os serviços de
abastecimento não tinham sido assegurados. A inexperiência levou, a maioria dos
camaradas a ir a suas casas, extenuados, comer qualquer coisa depois da
rendição da GNR.
Quando, cerca das seis horas, se ouviram os primeiros tiros
das forças que avançavam sobre a Marinha Grande, só a muito custo, conseguimos
reunir uns dez camaradas que armados com as carabinas apreendidas à GNR
marcharam a ocupar a estrada que liga esta vila a Leiria. O nevoeiro era
cerrado. Não se via um palmo à frente do nariz.
A pouca distância da Marinha Grande ouvimos passos de muita gente
próximo de nós. À pergunta de quem vem lá? Respondeu-nos um arrogante «forças
do governo!» e uma descarga. Caiu um camarada ferido. Ripostámos e durante
alguns minutos se estabeleceu nutrido tiroteio. Sentimos que a força atacante
se afastava. Avançámos.
Tinham abandonado dois feridos, na estrada.
Mas entretanto entrava a artilharia em acção...
!!!???
Sim. Os «heróicos construtores do Estado Novo» bombardeavam
a vila para submeter duas escassas dezenas de homens armados!
O cerco apertava-se. Até às nove da manhã resistimos. Já
umas duas centenas de camaradas nos ajudavam e encorajavam... mas sem armas de
fogo... e as munições esgotavam-se... Era loucura prolongar a resistência.
Possuíamos pouco mais de vinte armas de fogo. O Governo opunha-nos a artilharia,
cavalaria, infantaria, metralhadoras... e até um avião que já voava sobre a
vila, para regular o tiro da artilharia!
!!!
Retirámos portanto, em boa ordem, para o pinhal. Porém só
cerca das doze horas os «heróicos» mantenedores da ordem entraram na Marinha
Grande. Decidimos dividir-nos em pequenos grupos de quatro a cinco e abandonar
a luta procurando iludir o cerco. Ainda isto se fez de um modo organizado. Os
camaradas que têm dinheiro dividem-no pelos que o não têm. Há gestos admiráveis
de camaradagem. Um camarada que possuía 600 escudos fica apenas com setenta,
dividindo o resto pelos camarada! Abraços... Comoção e separámo-nos... Aí tens
os detalhes dos acontecimentos.
COMO PROCEDERAM OS OPERÁRIOS QUANDO ESTAVAM VENCEDORES
Mas então os actos terroristas e os actos repugnantes
praticados pelos «díscolos» a que se
referem os jornais?
Essa é a nossa coroa de glória. Há sim, actos repugnantes
mas praticados pelas forças da «ordem». As prisões, os espancamentos, as
torturas, as prisões de mulheres e crianças para denunciarem os maridos e os
pais; tudo isto são manifestações da «ordem» burguesa que se seguem á ocupação
da vila. Antes, foi a população na rua em regozijo. Alegria nos rostos... e nem
uma só vingança!
O que te vou contar dá bem a ideia da mentalidade geral. O
Comandante da GNR, um miserável que, ainda dias antes, tinha procurado
exercer uma pressão ignóbil sobre um
camarada que andava fugido, por intermédio de uma inocente filhinha deste
camarada; este cavalheiro, quando caiu
em nosso poder, lembrou-se que também tinha família. Esboçou uma
pergunta, a medo, não ficou pouco surpreendido quando nos ouviu responder-lhe:
«Sua família foi conduzida a uma pensão onde se encontra em perfeita segurança.
Somos revolucionários e não miseráveis. Isso de maltratar as mulheres e
crianças para torturar seus maridos e pais, é coisa que só vocês sabem
praticar. Se quiser podemos mandar conduzir a sua família para aqui».
O homenzinho baixou os olhos envergonhado, agradeceu-nos e
afirmou ficar completamente descansado, quanto á sua família. Aí tens uma
demonstração do «bárbaro» procedimento dos «díscolos». Podia citar-te muitos
casos idênticos mas para quê? Quem pode, ainda, acreditar no «camaleão» e no orgão da moagem [mongem]?
Diz-me ainda; a imprensa burguesa procura fazer acreditar
que a maioria da população se manteve hostil ao movimento que «foi obra de
algumas dezenas de desordeiros»...
Isso não tem a mais ligeira consistência. A população da
Marinha Grande é constituída na sua esmagadora maioria, por operários
vidreiros. Como se explica então que, apesar da repressão e ocupação militar da
vila, a greve se mantivesse geral durante dois dias e só ao terceiro dia
começasse a fraquejar?
ALGUMAS LIÇÕES, QUE NÃO DEVEM ESQUECER
Para finalizar, camarada, diz-nos: Que lições sacas do
movimento?
Oh! Muitas! Compreendes porém que seria difícil enumerá-las
todas numa simples entrevista... Citarei algumas que reputo importantes, a
saber:
Em primeiro lugar o movimento demonstrou que o proletariado,
apesar dos erros e vacilações do nosso jovem Partido, se mostra já,
nitidamente, como a única força capaz de derrubar a ditadura e abordar as
tarefas fundamentais da revolução tipo democrático burguês que ficaram por
realizar em 1910.
Em segundo lugar o nosso movimento ensinou-nos que o
problema da mobilização das nossas reservas toma uma acuidade cada vez maior.
Se, na Marinha Grande, temos cuidado sériamente este problema; se não temos
descurado, quase completamente, o trabalho entre os camponeses que constituem
as camadas decisivas de toda a região de Leiria o nosso movimento
sustentar-se-ia, não durante quatro horas mas durante quatro dias, durante
quatro semanas e com todas as probabilidades de se estender...
Em terceiro lugar o nosso (movimento) indicou-nos que,
quando o problema de um levantamento armado se coloca, não devemos pensar
apenas no armamento dos combatentes; é preciso pensar também na sua barriga.
Não se combate com a barriga vazia. Esta questão, aparentemente comezinha, é
muito importante e nós, por inexperiência descuramo-la.
A isto se deva uma certa confusão nas nossas fileiras,
quando do ataque das forças governamentais, e do que elas, naturalmente,
procuraram sacar partido.
E agora, camarada?
Agora? Ao trabalho!
Aproveitar bem as lições recebidas, reagrupar as forças à
base dessas lições e a caminho de novos combates... até à luta final!
Um apertado abraço, e o nosso camarada segue à sua missão
revolucionária...
RELATÓRIO
Pela uma hora da madrugada do dia 18 de Janeiro de 1934
reuniram-se os membros Comité Local em conjunto com os componentes de todas as
células ao todo 9 e cada uma composta de
9 camaradas que tinham sido já previamente preparados. Esta reunião efectuou-se
num local próximo desta Vila, num casão. Todos os trabalhadores se faziam
acompanhar de ferramentas diversas para ser empregadas consoante as
necessidades. Apresentado o plano pelo Comité Local de autoria do camarada
Alfaia, Secretário de organização, todos os camaradas o aprovaram e prometeram
o seu integral apoio para o seu cumprimento como era necessário e nomeando para
seu executor o mesmo camarada, para isso juraram obedecer às suas ordens.
Após esta reunião que terminou às 2 horas começaram a partir
as brigadas armadas de espingardas caçadeiras e machados estes últimos para ser
utilizados na obstrução das linhas e estradas, as primeiras a partir,
dirigiram-se para os pontos considerados
estratégicos das estradas de acesso às terras circunvizinhas, as últimas para
locais estratégicos da Vila aguardando o sinal da luta! Eram 3 horas da
madrugada, soou o primeiro tiro! Sinal da luta... 4 brigadas atacam
simultaneamente o posto da Guarda
Nacional Republicana e a estação dos correios e telégrafos, esta foi tomada sem
resistência, o que não aconteceu com o posto da guarda este encontrava--se de
prevenção com todas as praças e o seu comandante os quais não consentiram o
assalto fomos obrigados a recuar perante uma dura resistência mas apesar de
frustrado o assalto à primeira tentativa, nem um só camarada desfaleceu, melhor
coordenadas as nossas forças cercámos o posto.
Antes de fazer novo ataque o chefe do movimento enviou um
ultimato para a sua rendição no prazo de 15 minutos tendo o seu comandante
respondido negativamente. Apesar da nossa inferioridade de material pois só
dispunhamos de armas caçadeiras carregadas com tiros zagalotes e algumas bombas
de choque todos deliberaram lançarem-se na luta até caírem inanimados! Ou
desistirem os defensores dos Salazaristas!
Todos como um só sob uma voz camarada se lançaram de novo ao
ataque na ânsia de quebrar as algemas salazaristas.
Decorrido um hora sem que houvesse baixas a registar, uma
brigada em último recurso escala o telhado duma fábrica fronteiriça ao posto
dos canalhas; utilizando para este serviço algum material dos bombeiros, dum
terraço desta foi alvejado com êxito o posto, gritando logo alguns guardas por
socorro que acabavam de ser feridos. Foi então que o comandante nesta altura
pediu para ir ao telefone o chefe do movimento.
O nosso camarada Alfaia vai ao telefone e mais uma vez lhe
impõe a imediata rendição, este declara estar na disposição de se render mas um
dos cabos não queria em virtude de recear represálias da parte dos
revolucionários. Este canalha agora lembra-se das patifarias pois era um dos que
mais se evidenciava na repressão das greves. O comandante pedia como condição
para a rendição apenas que fossem poupados ele e todos os seus subordinados o
que se lhe afigura quase impossível julgando os revolucionários
indisciplinados!... Ou tratar-se de revolucionários do seu quilate!
O chefe do movimento tomou a inteira responsabilidade das
suas vidas e para lhes provar que se tratava de revolucionários com ânsia de
liberdade e de paz gritou mandando suspender o fogo essa voz foi por todos
acatada, como talvez não fosse um comandante dum regimento. Perante esta
demonstração de ordem os guardas acompanhados do seu comandante abandonaram o
posto deixando todo o material. Este foi imediatamente ocupado por os operários
na melhor ordem tendo sido as armas distribuídas por camaradas aptos. Os
guardas a seu próprio pedido ficaram detidos pois que receavam coacções do
povo.
Eram 6 horas da manhã todos os postos de comando se
encontravam em poder do comité revolucionário; esta vitória deve-se em parte a
grande disciplina que todos deram
provas, obedecendo inteiramente às ordens dum chefe que lutou ao lado de todos
e sempre na vanguarda. Agora as massas em número mais numeroso vitoriam a
ditadura do proletariado e pedem ao mesmo tempo que se faça justiça aos verdugos.
A pedido destas o camarada Alfaia chefe do movimento improvisa um pequeno
auditório e em seguida pede para o acompanharem ao sindicato dos trabalhadores
vidreiros para assistirem à sua abertura o qual se encontrava fechado há 5
meses. Fazendo de novo uso da palavra exortou à união de todos os trabalhadores
demonstrando que sempre que se unem saem triunfantes a recente vitória era uma
prova bem visível e concludente, no
final foi delirantemente aplaudido.
Às 8 horas da manhã devido à falta de alimentação as massas
começam as desfalecer e alguns vão às suas casas confortar o estômago. Em face
disto o comité cria imediatamente um comissariado de alimentação concedendo a
este a liberdade de mobilizar tudo que fosse necessário. Porém este não chegou
a prestar serviços em virtude de sermos neste momento vítimas de novo ataque
agora era uma força de polícia e de guarda republicana já de Leiria, para
reprimir o movimento estes traziam ordens para não fazer prisões nem feridos!
Aproximação destes deve-se ao abandono dum dos postos mais
estratégicos na estrada que liga com Leiria esta brigada abandonou o seu lugar
sem consultar o comité facilitando involuntariamente a passagem às forças as
quais nos surpreenderam já dentro da Vila e por pouco não fomos todos fuzilados.
Graças à intensa força de vontade e apesar de o número neste momento ser
reduzido ainda nos foi possível afastar o inimigo para 1.500 metros deixando
estes 5 feridos no solo. Do nosso lado também registamos 2 feridos que foram
imediatamente pensados no posto de socorros que já tinha sido organizado por um
médico e um farmacêutico «simpatizantes».
A falta de alimentação acentua-se mas devido ao reduzido
número de revolucionários e ao intenso ataque do inimigo não nos é possível sem
remediar esta falta. O inimigo volta ao ataque agora mais impetuoso dispondo já
de artilharia pesada, mas as nossas carabinas soam a 1.500 metros por isso
ainda não lhes é possível romper.
Fogo nutrido de metralha e à vista a cavalaria e infantaria,
perante esta força bruta; e a nossa fadiga duma noite completa de luta recuamos
em direcção das matas, onde ainda pretendemos defender os pontos com tantos
sacrifícios conquistados mas tudo debalde, ao meio da tarde chegam os jornais
de Lisboa anunciando o fracasso do movimento nos outros pontos do país então
resolvemos refugiar-nos no interior das matas, aqui permanecemos 2 dias mas
neste momento último dia dos jornais anunciam uma batida às matas para prender
a maioria dos revolucionários que ainda pretendiam resistir e o governo já
tinha ordenado que seguissem mais tropas para esse fim estávamos
irremediavelmente batidos, deliberamos dividir-nos em pequenos grupos e
procurar escapas às garras da canalha.
Mas em breve começaram as prisões em massa e levados todos
os presos para Leiria pois aqui a canalha podia exercer à vontade as
patifarias.
Os nossos camaradas são barbaramente espancados pelos
canalhas da informação e do sr. chefe da polícia, não escapando às suas garras
menores ou tuberculosos e assim estes vampiros liquidaram o nosso camarada
Manuel Esteves de Carvalho o qual já se encontrava tuberculizado desde há 2
anos devido aos maus tratos que lhe infligiram após o 7 de Fevereiro.
Lisboa, 20 de Maio de 1936
O Secretário de organização
Pedro Amarante Mendes
A comunicação social e
o 18 de Janeiro
A comunicação social burguesa, quase toda ela ligada aos
grupos económicos e financeiros, como acontece hoje, funcionava como importante
instrumento de difusão e suporte ideológico da política e da ideologia
fascistas.
No 18 de Janeiro, esta comunicação social, difundindo
notícias caluniosas e aterrorizantes sobre os objectivos da greve geral,
apelidada de acção criminosa; exaltou «a pronta e eficaz acção das forças
policiais e militares no esmagamento da rebelião subversiva e na defesa da
ordem», procurou fazer crer que a população tinha rejeitado aquilo que
designaram por «acção sediosa».
Numa clara opção de classe, a comunicação social de
referência à época funcionou como instrumento para justificar e fundamentar a
escalada repressiva fascista e a ofensiva anti-operária e anticomunista na
Marinha Grande e por todo o país, práticas que se mantiveram até ao 25 de Abril
de 1974.