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A 31 de Maio de
2008 realizou-se em Lisboa o Encontro Nacional do Partido Comunista Português
com o lema «Por uma Escola Pública de qualidade e gratuita ao serviço do país e
dos portugueses».
O Encontro,
considerando que as questões da educação e do ensino têm uma enorme relevância
social e nacional, afirmou a educação como um bem social, o direito à educação
e ao ensino como um direito fundamental consagrado na Constituição da República
e a obrigação do Estado de promover a democratização da educação, garantindo a
todos os cidadãos o direito ao acesso aos graus mais elevados de ensino, do
conhecimento, da investigação científica e da criação artística, num quadro em
que se estabelece progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino.
O Encontro Nacional
afirmou ainda que, num país em que 48 anos de ditadura fascista e monopolista
agravaram pesadamente o atraso educativo, cultural e científico - prolongada
herança de uma burguesia subserviente ao grande capital - a luta em defesa da
Escola Pública de qualidade, gratuita e para todos é um elemento chave para um
desenvolvimento integrado, democrático e soberano, nas vertentes económica,
social, cultural e política do País.
O MODELO CONSTITUCIONAL
DE ESCOLA PÚBLICA
O direito à
educação e ao ensino como direito fundamental, simultaneamente individual e
colectivo, está consagrado na Constituição da República Portuguesa e é assumido
como um pilar estruturante da própria democracia. Precisamente por ser a educação
pública um elemento central da emancipação individual e do desenvolvimento
colectivo, é expressamente atribuído ao Estado um papel fundamental na
garantia, protecção e promoção das condições de efectivo exercício desse
direito.
A Constituição
consagra ainda o ensino como bem social, como uma necessidade pungente do
Estado democrático. Assim, a gratuitidade progressiva do ensino nela prevista, é um elemento crucial para o
aprofundamento da democracia participativa. Fica, assim, bem claro que não há
verdadeira democracia participativa sem cultura, porque se quer que todos os
cidadãos participem em consciência nas suas instituições.
A Constituição
comete ao Estado a responsabilidade de promover a democratização da educação,
de forma a contribuir "para a igualdade de oportunidades, a superação das
desigualdades económicas, sociais e culturais, o desenvolvimento da
personalidade e do espírito de tolerância, de compreensão mútua, de
solidariedade e de responsabilidade,
para o progresso social e a participação democrática na vida colectiva". É,
pois, inequívoco o compromisso constitucional do Estado português com o
paradigma de uma Escola Pública, liberta das imposições e dos interesses
privados, que assegure a satisfação das necessidades de toda a população.
A POLÍTICA DE
DIREITA: O NEO-LIBERALISMO E A RENDIÇÃO SOCIAL-DEMOCRATA
Nos
últimos três anos, o Governo PS, prolongando e agravando a política de direita,
desencadeou uma ofensiva sem precedentes contra a Escola Pública. Não o fez,
contudo, através de uma revisão da Lei de Bases do Sistema Educativo, mas por
meio de legislação sectorial e avulsa. Desta forma, o Governo tem procurado esconder a verdadeira dimensão dos seus
objectivos de ataque à Escola Pública e fugir ao debate e ao confronto que
certamente a apresentação da proposta de uma nova Lei de Bases suscitaria no País, se
integrasse o conjunto de alterações que se têm verificado. Essa ofensiva, em
que o PS se torna intérprete privilegiado do neo-liberalismo e assume a rendição
da social-democracia aos interesses do grande capital transnacional, tem como
orientações fundamentais:
A reconfiguração do Estado e a sua
desresponsabilização face às obrigações constitucionais
No
processo em curso de reconfiguração do Estado assume particular relevo a sua
desresponsabilização face às obrigações constitucionais com a educação, a
partir do momento em que esta assumiu um novíssimo valor como oportunidade de
negócio para o capital. Foi neste contexto que o Governo PS encerrou mais de 2 500
escolas remetendo milhares de crianças para contentores, que desenvolve um
processo de privatização indirecta da educação como acontece com as chamadas
Actividades de Enriquecimento Curricular em muitos concelhos e, também, através
de licenciamentos para colégios privados apoiados com dinheiros públicos, desvirtuando
o princípio do carácter supletivo do ensino privado em relação ao ensino
público, com claros prejuízos para este. O afastamento brutal e desumano de
dezenas de milhar de alunos com necessidades educativas especiais das medidas
de educação especial, processo agora agravado por uma avaliação destas
necessidades, feita com base numa classificação internacional de funcionalidade
e incapacidade (CIF) da área da saúde, é uma faceta dramática desta política.
A intenção governamental
de delegar competências às autarquias locais na área da educação pode conduzir,
objectivamente, à privatização do Ensino Básico e impedir a concretização do carácter universal do sistema de ensino a
nível nacional.
Na mesma linha de ataque
à Escola Pública, se insere a chamada "reestruturação do Ensino
Artístico" que mais não é senão a privatização desta importante dimensão
de ensino. A democratização do ensino da música, da dança, das artes cénicas e
artes plásticas, exige a criação de uma verdadeira rede de Ensino Artístico que
garanta em todo o território nacional o acesso e a frequência nos vários
regimes, de forma articulada com as restantes componentes da Escola Pública.
A
criação da Empresa Pública de gestão do parque escolar que, no futuro, tal como
aconteceu com outras empresas públicas, poderá abrir-se ao capital privado e
ser alienada, bem como a tentativa de impor a transformação das instituições do
Ensino Superior em Fundações públicas de direito privado, são igualmente
elementos reconfiguradores do papel do Estado.
A acentuação do papel do sistema de
ensino na reprodução social e ideológica
A
Escola Pública, obedecendo aos comandos dos grandes interesses e servindo o
objectivo de perpetuação das assimetrias e injustiças, tem sido alvo de
políticas que a tornam num mecanismo reprodutor das relações de classe e da
ideologia dominante. Quer os conteúdos, quer os métodos que hoje norteiam a
política educativa do Governo são meras aplicações da doutrina neo-liberal ao
ambiente educativo. Novas ofensivas sobre a Escola Pública, em todos os seus
graus, promovem um ensino que limita o acesso ao conhecimento e que o reserva
apenas às elites, atribuindo às camadas trabalhadoras apenas a capacidade de
adquirir competências profissionais, ao serviço das necessidades flutuantes do
mercado capitalista. A estratificação do Ensino provoca, no sistema educativo e
fora dele, a perpetuação dos mecanismos de elitização do conhecimento. O
professor é confrontado como uma política de ataque aos seus direitos e mesmo à
sua liberdade criativa e educativa, limitando-o ao papel de instrumento para a
formatação de consciências no âmbito da ideologia dominante, vendo fortemente
constrangidas as suas possibilidades de intervenção pedagógica.
O fim da gestão democrática das escolas
Depois
de - também pela mão do PS - ter sido dificultada e limitada, o novo decreto de
gestão vem amputar o que resta de participação democrática na vida das escolas.
Os professores, funcionários e estudantes são arredados da gestão escolar e a
direcção da Escola é centralizada num órgão unipessoal, funcionando apenas como
um veio de transmissão de orientações superiores e como um braço administrativo
do Governo. Os critérios pedagógicos são subjugados por critérios empresariais
de gestão, burocráticos e autoritários.
A
Escola, enquanto espaço de aprendizagem e de formação cívica é necessariamente
um espaço democrático mas, ao contrário, o Governo pretende que a Escola
funcione ao sabor de interesses privados e apenas como meio de preparação para
o trabalho assalariado. O modelo de direcção e gestão das escolas assume-se,
assim, como a negação absoluta do discurso do governo, para consumo mediático,
sobre a autonomia das escolas.
Uma política de Ensino Superior subserviente aos
interesses do grande capital nacional e transnacional
A
Cimeira de Lisboa, em 2000, que definiu o objectivo de transformar a economia
europeia na mais competitiva do Mundo, apontou de forma muito clara a
reconfiguração dos sistemas educativos no Espaço Europeu do Ensino Superior
como forma de os ajustar às necessidades e interesses das grandes potências
europeias e dos grandes grupos económicos. Com a integração no chamado Processo
de Bolonha e o novo Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior, o
Ensino Superior em Portugal fica colocado numa posição periférica relativamente
às principais potências europeias e sem capacidade de decisão soberana sobre os
seus caminhos.
As
medidas que têm vindo a ser implementadas no Ensino Superior contribuem para a
sua degradação material e, consequentemente, para as insuficiências pedagógicas
e humanas que reproduzem e acentuam as desigualdades sociais, ao invés de
garantir a igualdade de acesso, a frequência e o sucesso, abrindo as portas das
instituições ao capital privado e visam a restrição das áreas de formação e
investigação científica e de desenvolvimento às áreas de aplicação directa, ao
serviço dos interesses do capital, com o abandono das áreas sem valor imediato
no mercado, como a cultura multidisciplinar, as humanidades, as artes e as
ciências sociais, todas igualmente necessárias para o desenvolvimento do país.
O seu modelo de financiamento assente na desresponsabilização estrutural do
Estado nesta sua esfera estratégica, mantém a inaceitável aplicação de propinas
que aumentam até às dezenas de milhar de euros nos segundo e terceiro ciclos,
enquanto desfalca e privatiza a Acção Social Escolar o que, objectivamente,
promove a elitização no acesso a níveis superiores de conhecimento e transporta
para a formação pessoal uma perspectiva meramente individualista,
mercantilizando o conhecimento.
A desvalorização social da profissão docente e o
ataque a todos os trabalhadores das
escolas
O
governo elegeu os professores e os sindicatos como os principais responsáveis
pela profunda crise que se vive hoje na escola pública, escondendo desta forma
os acentuados recuos na democratização do ensino, causa essencial dos problemas
existentes.
No
seguimento da campanha que desenvolveu junto da opinião pública com que
procurou denegrir a imagem dos docentes, o governo impôs um novo Estatuto da
Carreira Docente que criou duas categorias com constrangimentos administrativos
que impedem a esmagadora maioria dos
docentes de acederem aos escalões de topo, quotas de avaliação e um horário de
trabalho pedagogicamente desajustado e, muitas vezes, ilegal; agravou a
precariedade dos vínculos laborais e introduziu mais instabilidade mesmo para
os docentes que se encontram nos quadros, bem como uma forte compressão da sua
autonomia profissional e da sua produção intelectual.
A
precariedade e o desrespeito pelos direitos laborais atinge também fortemente
os demais trabalhadores da Escola Pública, nomeadamente os auxiliares de acção
educativa que, sempre em número manifestamente insuficiente para as
necessidades das tarefas que desempenham, têm o seu importante papel
desvalorizado por várias medidas do governo nas áreas da Educação e da
Administração Pública em geral.
PELA ESCOLA PÚBLICA DE QUALIDADE E GRATUITA
A
Escola Pública de qualidade e gratuita é o modelo mais avançado e moderno, mais
justo, mais livre e fraterno de organização do sistema educativo. É um factor necessário e imprescindível do
desenvolvimento político, económico, social e cultural de Portugal e é um pilar
da democracia e da nossa soberania. Só uma Escola para todos pode garantir efectivamente o sucesso
educativo e a formação integral dos indivíduos, desenvolve o seu espírito
crítico e criador e educa para a participação democrática na
vida social e política.
No
quadro de comunidades educativas realmente plurais, o papel dos educadores e
professores não pode ser subvalorizado. Nunca nenhuma reforma educativa democrática foi
realizada sem eles, muito menos contra eles. A sistemática hostilização dos
seus direitos e legítimos interesses é apenas o reflexo, na esfera da educação
e do ensino, da ofensiva contra o direito ao trabalho e ao trabalho com
direitos, ofensiva de depreciação do trabalho humano.
Os
estudantes devem ser tomados como sujeitos das suas aprendizagens, sujeitos
titulares de direitos e não como meros clientes à procura de um diploma.
Na
continuidade histórica do programa da Revolução Democrática e Nacional, dos
ideais democráticos das forças
antifascistas, dos ideais, conquistas, realizações e promessas da Revolução de
Abril, consignadas na Constituição, a luta por uma Escola Pública de qualidade
e gratuita integra-se hoje no Programa para uma Democracia Avançada. Esta luta
em defesa da Escola Pública exige uma ruptura com a política que o actual
governo tem seguido, exige uma ruptura com a política de direita e a construção
de uma verdadeira alternativa política.
O
Encontro Nacional do PCP proclama que há um rumo alternativo para a educação e
que o imperativo inadiável da luta pela construção de uma Escola Pública e para
todos, ao serviço dos portugueses e do País, está nas mãos do povo, dos
trabalhadores do sector educativo, dos estudantes, contribuindo com a sua
participação nesta luta decisiva para o desenvolvimento integrado de Portugal.
O
Encontro Nacional do PCP saúda os milhares de estudantes do Ensino Secundário
que, durante este ano lectivo saíram à rua exigindo a revogação do Estatuto do
Aluno não Superior, o fim da EPE Parque Escolar e o fim dos Exames Nacionais,
por uma Escola Publica, Gratuita e Democrática para todos; saúda os estudantes
do Ensino Superior que manifestaram o seu repúdio pelas propinas, por Bolonha e
pela conversão das suas escolas em Fundações; saúda as inúmeras acções de
milhares de docentes na luta pela dignificação da profissão e da Escola
Pública; saúda, ainda, todos os outros trabalhadores da área da educação que
lutam em defesa dos seus direitos; saúda, finalmente, os pais e encarregados de
educação, os autarcas e as populações que em muitas localidades do país lutam
contra o encerramento de escolas.
O
Encontro Nacional do PCP apela aos trabalhadores e ao povo a que se juntem ao
PCP nesta luta e assume desde já a realização de um conjunto de iniciativas
políticas em defesa da Escola Pública no início do próximo ano lectivo.
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