Partido Comunista Português
Tratado Constitucional da União Europeia - Intervenção de Honório Novo na AR
Quarta, 31 Maio 2006

Declaração política tecendo considerações sobre a proposta do denominado Tratado Constitucional da União Europeia 

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:

Foi notória a desorientação que marcou a cimeira que, no passado fim-de-semana, preparou em Viena o Conselho Europeu que daqui a 15 dias vai prolongar o debate sobre o «futuro da Europa» congeminado no rescaldo do «não» francês e holandês à proposta para um novo Tratado da União Europeia.

Apesar do desencontro de posições e da generalizada confusão (umas vezes real,outras certamente aparente), é cada vez mais nítida a estratégia que está por trás deste período de debate e de reflexão: tentar ressuscitar o autodesignado «Tratado Constitucional», procurar «fazer entrar pela janela ‘europeia’» uma proposta que viu claramente encerrada a «porta jurídica» que lhe permitiria entrar em vigor.

O «rabo do gato» do «Tratado Constitucional», escondido na gaveta da burocracia comunitária em Junho de 2005, começa a dar sinais de vida e a mexer-se com mais nitidez por trás da aparente bondade e da virtual autenticidade do debate em curso, e por trás das recentemente reformuladas «estratégias de comunicação com os cidadãos europeus» obviamente destinadas a «vender» melhor uma certa imagem da União Europeia.

Importa, por isso, enumerar aqui e agora os truques e os expedientes que estão a ser e irão ser usados para tentar impor o «Tratado Constitucional». Há uns que, decididamente, apostam em esperar para conhecer os resultados das eleições em França e na Holanda previstas para o primeiro semestre de 2007. Esperam ansiosamente poder ter condições políticas para repetir referendos, quiçá repeti-los tantas vezes quantas as necessárias para que os seus resultados sejam os «desejáveis e convenientes»!

Giscard d’Estaing — esse emérito presidente de uma Convenção fechada e discriminatória, onde, como se sabe, os resultados finais favoráveis foram obtidos por uma espécie de processo inovador de telepatia — afirmou recentemente que «era preciso dar uma segunda oportunidade ao documento, repetindo a votação, pois o eleitorado tem o direito a mudar de opinião e a considerar que cometeu um erro» ao ter rejeitado o tratado. Escusado será dizer que para Giscard d’Estaing esta «segunda oportunidade» seria para a «sua» França e não para usar, por exemplo, nos referendos positivos realizados na Espanha ou no Luxemburgo ou para dar, até, uma primeira chance aos que não puderam (mesmo querendo) pronunciar-se através do voto (como vai suceder em breve na Finlândia).

Há outros que insistem em tentar acrescentar à proposta de tratado um qualquer anexo, quiçá, um protocolo adicional que, nada mudando, permita «vender» a franceses e holandeses — porventura a ingleses e dinamarqueses, ou até mesmo aos portugueses, quem sabe?… — a ideia de que aquilo já não é o que…, obviamente, continuará a ser!…

Há ainda outros — como ficou bem explícito neste último fim-de-semana em Viena — que apostam numa nova maquilhagem, deixando o tratado de chamar-se constitucional para passar a ter um outro rótulo e uma roupagem mais facilmente vendável.

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Todos estes truques mostram bem quanto é insuportável a falta de respeito pelos resultados expressos e, igualmente, mostram a total ausência de pudor na tentativa de adulterar, ou esconder, as regras que o Tratado hoje em vigor prevê para a sua própria alteração e que impõem, de forma evidente e lapidar, a unanimidade dos 25 Estados-membros como fórmula única — repito, fórmula única — para a sua substituição.

Mas há também outros que têm uma espécie de «plano B» que não se deixa enredarnestes truques nem nestes expedientes e que quer aplicar o tratado, mesmo que ele não esteja ratificado e não tenha existência legal.

Há, assim, quem queira seleccionar partes do texto da proposta em discussão, nãoesperar por qualquer ratificação, tentar fazer passar a ideia de que não necessitam da aprovação dos Estados-membros, de que não precisam de passar pelo crivo da ratificação parlamentar ou referendária, e fazer avançar todas as orientações mais preocupantemente federalistas que estão inscritas na proposta de tratado, seja no plano institucional, no plano das políticas gerais, ou no plano da concretização de orientações de base militarista que não servem, certamente, os interesses da paz e da convivência entre os povos.

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Seja qual for o modo e a opção, o que é inaceitável é que se tente ressuscitar a proposta de tratado, ou que se passe a aplicar o seu texto, e que eventualmente se prossigam processos de ratificação sem sentido nem validade jurídica à luz do Tratado em vigor que neste aspecto terá de ser escrupulosamente cumprido.

Há que respeitar os resultados e o quadro jurídico vigente que não admite a ratificação de tratados por três quartos, quatro quintos ou cinco sextos de quotas de aprovação, mas que, pelo contrário, exige de forma inequívoca a unanimidade.

Quanto a nós, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o caminho deve ser outro. Há que abandonar esta proposta pretensamente constitucional; uma proposta que visa consolidar a natureza federal da União, que institucionaliza o directório das grandes potências através da dominação da lógica do peso populacional sobre o conceito inalienável da igualdade entre Estados-membros, que institucionaliza os poderes exorbitantes do Banco Central Europeu e as normas do Pacto de Estabilidade que estão na base dos crescimentos económicos medíocres e do disparo do desemprego.

Há que parar para reflectir; parar para simplificar textos; parar para pôr de pé uma interligação eficiente com os parlamentos nacionais para que estes assumam um papel autêntico de fiscalização efectiva da construção europeia. Mas há sobretudo que parar para alterar substancialmente as principais políticas comunitárias para que estas passem a servir os povos e não apenas alguns interesses, para voltar a colocar no centro do debate e das preocupações europeias os problemas do desenvolvimento, da coesão e do emprego, os problemas da paz, da cooperação e do diálogo entre os pov os! 

(…)  

Sr. Presidente,

Antes de mais, quero agradecer aos Srs. Deputados Luís Fazenda e Armando França as questões que colocaram e, se me permitem, começo pela ordem inversa.
Sr. Deputado Armando França, felizmente, não somos só nós que levantamos muitas dúvidas ao processo e à proposta de tratado constitucional. Como o senhor bem sabe, acompanham-nos milhões de franceses, milhões de holandeses e milhões de pessoas que, pela Europa fora, queriam ter-se pronunciado, através do voto, sobre a proposta de tratado constitucional mas não lho permitiram, por uma ou outra razão.

Portanto, Sr. Deputado Armando França, se há aqui alguém que, porventura, anda menos bem acompanhado do que pensa, será V. Ex.ª e algum vanguardismo fundamentalista que faz do «andar para a frente» sistemático o seu leitmotiv, a razão da sua vivência e a sua auto-justificação política. Sr. Deputado Armando França, o processo de ratificação é claro: dos 17 países que procederam à ratificação, houve 4 que referendaram, sendo que metade disse «não» e a outra metade disse «sim». Curiosamente, dos 8 países que restam, 6 são aqueles que já haviam optado pelo referendo pediu para parar, não viesse algum «terramoto» adicional paralisar completamente o processo de construção europeia de alguns — de alguns, Sr. Deputado! — e não o processo de construção europeia feito à base da cooperação, do entendimento e do diálogo, que é o nosso projecto, o projecto da coesão e do desenvolvimento económico, o projecto que rejeita o Pacto de Estabilidade, o projecto que rejeita o Banco Central Europeu, o projecto que pretende que a coesão económica e social volte a ser o paradigma desta Europa.

Sr. Deputado Luís Fazenda, é verdade que o tema virtual da reunião de Viena do último fim-de-semana não nos pode fazer esquecer de que aquelas contradições são, em minha opinião, mais virtuais do que reais. O que se pretende é relegar para 2007, 2008 ou 2009 o processo de ratificação formal, mas, na prática, ir começando, desde já, a aplicar partes do tratado, sem que elas passem pelo crivo obrigatório da ratificação, é fazer «andar para a frente» algumas políticas, no plano militar, no plano da defesa, no plano económico e social, que são aquelas políticas que estiveram, estão e estarão, certamente, na base, por um lado, do fechamento da União Europeia e, por outro, da desconfiança crescente das pessoasrelativamente à construção europeia que atravessamos.