Partido Comunista Portugu�s
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Intervenção de Bruno Dias na Comissão Parlamentar de Obras Públicas, Transportes e Comunicações
Contrato de Concessão da Fertagus
Terça, 02 Junho 2009

fertagus.jpgEm intervenção na AR, na discussão do Projecto de Resolução n. 25/X do PCP, que propõe a renegociação do contrato e concessão da Fertagus, Bruno Dias referiu que o actual modelo leva a que os utentes se confrontem com “um serviço mais caro”,  “com uma oferta de transporte muito aquém das necessidades e do que seria exigível” e com um “sistema tarifário que exclui à partida o passe social intermodal”, pelo que se torna urgente a “renegociação do contrato com a concessionária”.

 

Sobre o contrato de concessão da Fertagus

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,

Na passada reunião desta Comissão Parlamentar, ao apresentar este projecto de resolução, comecei por dizer que o projecto de resolução n.º 25/X é suficientemente claro e dispensará grandes explicações.

No entanto, após essa apresentação e já no momento da apreciação do Projecto, tivemos uma situação no mínimo insólita, com o Grupo Parlamentar do PS a dizer que não estava preparado para esta discussão, que não tinha analisado a nossa proposta (apresentada há quatro anos...) e que pedia para se interromper o debate até à próxima (ou seja, esta) reunião da Comissão.

A bem do debate sério e aprofundado que importa fazer sobre esta matéria, acabámos por não inviabilizar esse adiamento que o PS pediu. Desta vez, esperamos que todos os Grupos Parlamentares tenham lido o documento que está em discussão, e que estejam preparados para o debate.

Tal como adiantámos, o que está em causa é a situação que se mantém já desde há uma década, com os utentes deste serviço a ser penalizados e discriminados, seja ao nível da política tarifária, seja ao nível da oferta de transportes.

Este é um serviço em que os utentes pagam um preço mais caro do que em todas as outras linhas de transporte ferroviário da Área Metropolitana de Lisboa - de que é exemplo o preço de uma viagem entre as estações de Entrecampos e Fogueteiro (21,3 km), superior ao de Entrecampos a Azambuja (47,6 km). Recordo então aos Srs. Deputados que considerem este elemento e actualizem assim a informação que consta dos considerandos (ponto 3.1.) do Projecto de Resolução.

Para uma leitura e análise mais clara do que hoje acontece ao nível dos preços praticados neste serviço de transporte, podemos constatar as diferenças entre as tarifas Fertagus e as tarifas CP para viagens equivalentes:

Fonte: informações das empresas CP e Fertagus na Internet

Estações

(distância até Entrecampos)

Bilhete Simples

Assinatura de Linha

Preço por km

(assinatura)

Pragal (10,9 km) - Fertagus

1,65 €

33,95 €

3,11 €

Queluz-Belas (10,8 km) - CP

1,20 €

21,50 €

1,99 €

Fogueteiro (21,3 km) -Fertagus

2,65 €

56,45 €

2,65 €

Alverca (22,6 km) - CP

1,70 €

35,45 €

1,48 €

Coina (26,4 km) - Fertagus

2,95 €

66,25 €

2,50 €

Sintra (26,1 km) - CP

1,70 €

35,45 €

1,35 €

Setúbal (52,6 km) - Fertagus

4,05 €

106,00 €

2,02 €

Azambuja (47,6 km) - CP

1,95 €

45,20 €

0,95 €

A agravar esta situação que já tanto penaliza as populações e os utentes, este contrato de concessão permite expressamente que os preços do transporte sofram aumentos anuais independentemente do que o Governo disser. Isso mesmo aconteceu já este ano: enquanto as restantes empresas de transportes mantiveram os preços, a Fertagus aumentou mais uma vez o tarifário... porque o contrato de concessão assim o permite.

É incompreensível que seja vedada aos utentes a utilização do passe social intermodal (sendo apenas possível utilizar passes combinados ou assinaturas de linha do operador) quer para o serviço de transporte ferroviário, quer para as linhas rodoviárias complementares da SulFertagus.

É incompreensível que se tenha feito a extensão da concessão até Setúbal, passando de uma extensão de 26 para 52 quilómetros, sem qualquer incremento de material circulante - ou seja, com os mesmos comboios que estavam antes ao serviço.

É incompreensível que esta oferta de transporte seja tão insuficiente e tão exígua que chegue ao ponto de colocar os utentes perante largos períodos do dia em que há um único comboio por hora!

E é incompreensível também a oferta diminuta e descoordenada ao nível do transporte rodoviário complementar da SulFertagus, com a agravante das recentes alterações nos horários e percursos, que têm motivado o protesto de muitos utentes que simplesmente deixaram de ter transporte para chegar às estações do comboio.

Alguns poderão argumentar que esta política, que tanto pesa na carteira dos utentes, significa que o Orçamento do Estado não está a financiar esta empresa e este serviço. Mas por incrível que pareça, é exactamente ao contrário: a verdade é que tudo isto acontece num quadro em que é o Orçamento do Estado que garante um negócio rentável e apetecível para uma empresa privada, à custa dos utentes e dos contribuintes.

O Tribunal de Contas no seu Relatório de Auditoria 24/02 foi aliás muito claro, ao considerar este «um projecto a cargo do Estado, ou seja, só viável com os pagamentos a efectuar pelos contribuintes, situação esta bem patente na decisão de alargamento do objecto da concessão às Estações do Fogueteiro e Setúbal (Praias do Sado)». E de tal forma os Governos levaram a peito esta preocupação para com os interesses daquela empresa, que o Estado acabou por garantir a este grupo privado uma rendibilidade de 11% (números do Tribunal de Contas)!

A situação é tão insólita que é o próprio Relatório de Auditoria a afirmar, no Capítulo das Recomendações, o seguinte: «as taxas internas de rendibilidade dos promotores de uma Parceria Público Privada devem ser adequadas ao perfil de risco do projecto, ou seja, o Estado não deverá proporcionar rendibilidades accionistas excessivas em relação ao mercado».

Sublinhe-se aliás que esta postura dos sucessivos Governos de ignorar a defesa do interesse público chegou ao ponto desta situação, também identificada e criticada pelo Tribunal de Contas: «o facto do Consultor Financeiro da Comissão do Concurso, como representante do Estado concedente, ter sido o autor da metodologia de avaliação dos concorrentes, e, posteriormente, após a adjudicação, passar a fazer parte integrante do sindicato de bancos/consultores do concorrente Fertagus».

Ora, é o próprio Tribunal a alertar que esta prática «suscita reservas quanto à transparência do processo, tanto mais que haviam sido solicitados compromissos de exclusividade a todos os consultores do Estado que colaboram no lançamento do concurso».

A credibilidade e a transparência deste desastroso negócio são aliás postas em causa quando o Relatório afirma: «Os resultados dos estudos de tráfego, realizados por mando e conta do concedente, revelaram-se totalmente desenquadrados e desajustados do nível real de tráfego registado na travessia ferroviária». E prossegue o Tribunal de Contas, manifestando «fundada apreensão quanto à fiabilidade e credibilidade técnica daqueles estudos, sendo certo que os elevados custos deste desajustamento recairão sobre o Estado concedente, dado que a ele cabe, no actual modelo de concessão, suportar o risco de tráfego».

O resultado deste tipo de negócios está à vista: enquanto as populações, os utentes dos transportes, se confrontam com um serviço muito mais caro, com uma oferta de transporte muito aquém das necessidades e do que seria exigível, com um sistema tarifário que exclui à partida o passe social intermodal - enquanto tudo isto acontece, o Estado Português, apenas nos últimos cinco anos, pagou à Fertagus a módica quantia de quarenta e cinco milhões de euros (€45.062.183,00), só de verbas do Orçamento do Estado em indemnizações compensatórias.

O Estado está a pagar demais, os utentes estão a pagar demais, e o serviço de transporte que está a ser prestado está muito longe de corresponder às necessidades das populações da Área Metropolitana de Lisboa.

Esta situação é absolutamente incompreensível e inaceitável, e exige uma outra política e uma outra atitude do Governo nos processos negociais junto destas empresas. Nenhuma opção deve ser excluída à partida, com vista à defesa do interesse público, das populações e dos utentes dos transportes. Mas em primeiro lugar, no mínimo dos mínimos, a questão que agora se coloca é a da renegociação deste contrato de concessão.

É muito simples: ou os Srs. Deputados consideram que as coisas estão bem tal como estão, ou consideram que ela tem de ser alterada. Nesse caso, a única solução é renegociar o contrato com a concessionária, e então este Projecto de Resolução deve ser aprovado. De outra forma, estarão a pactuar com esta situação vergonhosa.