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Referendo sobre a despenalização da IVG Sim! A resposta necessária - Fernanda Mateus
Artigo da Revista «O Militante» nº286  Janeiro/Fevereiro 2007

 

Realiza-se a 11 de Fevereiro um novo Referendo sobre a IVG, repetindo a pergunta feita aos portugueses a 28 de Junho de 1998: «Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?».
O seu resultado determinará se a maioria parlamentar do PS irá mudar a lei, ou se a criminalização do aborto se manterá na lei penal, como pretendem os sectores da direita.
Como aconteceu no Referendo de 1998, surgem de novo, e de forma exponencial, linhas argumentativas que pretendem desviar a atenção sobre o que está em causa na pergunta do Referendo.
Em causa não está – nem na pergunta, nem tão pouco no objectivo de mudança da lei na Assembleia da República há muito defendida pelo PCP – assegurar «o direito ao aborto», a sua «liberalização de acordo com o desejo da mulher», ou a «banalização da sua prática».
Para o PCP, responder Sim à pergunta do Referendo tem como objectivo  defender a saúde reprodutiva das mulheres (porque o aborto clandestino é um problema de saúde!) e acabar com uma criminalização penal injusta e inadequada.
Esta posição é indissociável das obrigações do poder político em fazer cumprir direitos constitucionais, em que se destacam: o direito da mulher e do casal decidirem sobre o momento e o número de filhos que desejam ou podem ter; a garantia da protecção da função social da maternidade e paternidade (1); a implementação nos serviços públicos de saúde de uma adequada rede de consultas de planeamento familiar (2); a garantia da educação sexual nas escolas.
Ao Estado cabe a responsabilidade de fazer cumprir estes importantes direitos no plano laboral, da segurança social, da saúde, do ensino, e, igualmente, promover uma justa distribuição do rendimento nacional a favor das famílias e das mulheres das classes trabalhadoras. Ao Estado compete fazer cumprir os direitos das mulheres enquanto cidadãs, trabalhadoras e mães e não substituir essa obrigação privilegiando apoios às organizações ditas de «ajuda às mulheres grávidas em dificuldades».
O quadro de valores que o PCP perfilha, assume, igualmente, a defesa e a promoção dos direitos das crianças, sem esquecer que estas têm o direito de serem desejadas pelos pais. (3)

Os falsos argumentos do Não

«Aborto por opção quando bate um coração? Não» – é o cartaz que marca o arranque da campanha eleitoral das forças ditas «pró-vida» e insere-se na massificação de mensagens assentes na estigmatização de todas as mulheres no plano político, ético e moral e a culpabilização das que abortam. Tais conteúdos não podem deixar de merecer resposta quanto à sua matriz política e ideológica:

1º – A ostensiva e reiterada subalternização do flagelo social do aborto clandestino e dos cruéis e desumanos atentados à vida e à dignidade humana tem representado a sujeição de sucessivas gerações de mulheres ao aborto clandestino, cuja criminalização penal nunca dissuadiu as mulheres de o praticar sempre que estas o considerem absolutamente necessário.
Campanhas como esta assumem um continuado «apontar de dedo acusador», fomentando a ideia de que as mulheres recorrem ao aborto de forma «leviana e a gosto», assim como quem «bebe um copo de água». Para estas forças, o perigo de «banalização da sua prática» só será travado pelo «seu sentido de responsabilidade» ao defender o Não, já que criminalização, em sede de Código Penal, é uma forma das mulheres «expiarem a sua culpa».
Estas forças não reconhecem à mulher a capacidade intelectual, ética e moral de tomar decisões responsáveis como é interromper uma gravidez, e pretendem impor como concepção do Estado a perpetuação da criminalização do aborto, em sede do Código Penal, ao arrepio de todas as recomendações internacionais e da evolução do direito penal nos países da União Europeia.

2.º – A responsabilização da mulher por esta «conduta criminosa» silencia a violência que sobre elas é exercida pelo Estado quanto às causas e consequências do aborto clandestino.
Em Portugal, durante o fascismo, a pílula contraceptiva só podia ser usada para fins terapêuticos A mulher estava proibida de a tomar sem consentimento do marido, que o podia invocar como motivo de divórcio. O poder político não reconhecia o direito da mulher ao planeamento familiar, causando a sua sujeição a gravidezes sucessivas. Foi o poder fascista o responsável, e não as mulheres, pelo recurso ao aborto como único meio de evitar gravidezes sucessivas, socorrendo-se (as do povo) às «curiosas», sujeitando-se a bárbaros e dolorosos processos que ceifaram vidas (nunca devidamente quantificadas!) e que sempre lhes deixaram sequelas físicas e psicológicas. Com base num artigo do Código Penal de 1876, o aborto era crime em qualquer situação, com penas de prisão de dois a oito anos.
É com o 25 de Abril de 1974 e com a consagração legal do direito ao planeamento familiar, o fomento da informação e o acesso aos modernos meios contraceptivos, que são dados os primeiros e decisivos passos no sentido da prevenção do recurso ao aborto. E à medida que se alarga a informação e o acesso das mulheres a estas alternativas seguras (de controle da sua fecundidade e de vivência da sexualidade sem medo de uma gravidez), as mulheres utilizam-nas, conscientes que tais direitos representam uma alteração qualitativa nas sua vidas e na sua saúde relativamente à situação vivida pelas suas mães e avós.
Ao Estado não cabe continuar a criminalizar da sua prática, antes impõe que, de uma vez por todas, se ponha fim às vacilações, recuos e insuficiências que ao longo de décadas e na actualidade levam à ausência da concretização de importantes direitos no âmbito do planeamento familiar, de acesso à contracepção e da  educação sexual nas escolas. E cabe igualmente ao Estado a responsabilidade de pôr fim a políticas que agravam as discriminações e constrangimentos sociais, económicos e laborais que crescentemente limitam as mulheres e os jovens casais na decisão de ter filhos.
Chegados a 2007, a realidade mostra que o aborto clandestino existe e que as suas causas decorrem de factores económicos, sociais e afectivos que impedem as condições para uma maternidade consciente e responsável, e também porque nenhum método contraceptivo é 100% seguro e que pode acontecer uma relação desprotegida.

3.º – A verdade é que as forças que se opõem agora à despenalização da IVG por opção da mulher até às 10 semanas, são as mesmas que se opuseram à aprovação da lei actual que permite a IVG quando há risco de vida para a mulher, ou malformação do feto, ou quando a gravidez resulta de violação.
Estas forças dinamizaram ou foram cúmplices das resistências, dos boicotes a que tem estado sujeita esta lei e cuja aplicação tem merecido, ao longo dos anos, interpretações restritivas por parte das direcções dos serviços públicos de saúde e com a cumplicidade dos sucessivos governos.
Apresentam, agora, como «solução» o planeamento familiar, quando os partidos de direita e os movimentos ditos «pró-vida» se opuseram ao longo de décadas à concretização da legislação em vigor em matéria de educação sexual nas escolas, de atendimento em planeamento familiar dirigido aos jovens,  de contracepção, e a forte oposição ao uso da contracepção de emergência – pílula do dia seguinte, que consideram uma pílula abortiva (levando à confusão com a RU-486).

4.º – É fomentada uma intolerável subversão quando se lança a ideia de que a transferência da IVG clandestina para a esfera legal acarretará custos exponenciais para os serviços públicos de saúde.
O aborto clandestino é um problema de saúde pública e aos hospitais chegam diariamente mulheres em resultado de complicações de aborto.
A garantia de uma IVG em condições seguras é uma questão de saúde pública, como afirma a Organização Mundial de Saúde. Não é a despenalização da IVG que agravará a incapacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde às necessidades dos portugueses. Pelo contrário, esta é o resultado das políticas governamentais que põem em causa o direito à saúde de todos os portugueses.
E quanto à realização de uma IVG em meio hospitalar à custa dos «nossos impostos», importa denunciar que se trata de uma posição de forte conteúdo de classe. O que pretendem é continuar a sujeitar as mulheres ao aborto clandestino e ao negócio que a sua clandestinidade promove, excluindo as mulheres das classes trabalhadoras de ter acesso ao Serviço Nacional de Saúde para proteger a sua saúde reprodutiva.

Votar Sim para mudar a lei

O início da intervenção eleitoral é marcado pelos apelos à «despartidarização» da campanha eleitoral, como se quem os produz não estivesse no terreno a intervir eleitoralmente e na base de uma actividade política e ideológica bem precisa. O Movimento do Não conta não só com o apoio das forças partidárias (CDS-PP e direcção do PSD), mas também com a hierarquia da Igreja. Esta afirma: «O período de debate e esclarecimento que antecede o referendo não é uma qualquer campanha política, mas sim um período de esclarecimento das consciências, que não deve ser influenciado por políticas e correntes de opinião», «…Nós os Bispos não entramos em campanha de tipo político, mas não podemos deixar de contribuir para o esclarecimento das consciências, apresentando várias razões para o voto Não.» (4)
A natureza e sentido destas afirmações são inaceitáveis. Visam estigmatizar, aos olhos dos eleitores(as), as forças políticas e partidárias que, como o PCP, vão intervir nesta campanha pelo Sim e condicionar a necessária clarificação do que está em causa no Referendo. Não se contesta a legitimidade de intervenção eleitoral dos que se posicionam pelo Não e é inadmissível que pretendam pôr em causa o direito e o dever de forças políticas e partidárias que estão pela despenalização de assumirem as suas responsabilidades na defesa da sua posição. 
O PCP votou contra a realização deste Referendo e defendeu a resolução do problema na Assembleia da República, ao contrário do PS e do BE que decidiram, mais uma vez, dar a oportunidade à direita para poder adiar a despenalização da IVG. Mas, convocado o Referendo, o PCP intervirá nesta campanha eleitoral, tal como aconteceu no anterior e será «parte activa na construção de uma exigente dinâmica de esclarecimento que contribua e concorra para a desejável e necessária vitória do Sim à pergunta do Referendo. Para que, finalmente, seja possível dotar Portugal de uma nova lei que proteja a saúde da mulher e a sua dignidade e ponha fim ao aborto clandestino – a face mais cruel e desumana da falta de cumprimento do conjunto dos direitos sexuais e reprodutivo das mulheres». (5)
Responder Sim à pergunta deste Referendo, significa apoiar a urgência de aprovação de uma nova lei na Assembleia da República, garantindo as condições de segurança para a saúde das mulheres que necessitem de interromper uma gravidez até às 10 semanas, pondo fim aos julgamentos e às penas de prisão. Posição que respeita as diversas opiniões existentes na sociedade portuguesa, já que a existência de uma lei que despenalize a interrupção voluntária da gravidez, não afrontará a consciência individual de cada um, nem obrigará nenhuma mulher a tomar decisões contra sua vontade.
É imperioso que o resultado deste Referendo expresse um inequívoco Sim à despenalização do aborto, o que impõe uma forte participação eleitoral de todos aqueles/aquelas que no campo democrático se batem pela despenalização do aborto em Portugal. O PCP é parte activa deste combate.

Notas
(1) Art.º 68.º da Constituição da República.
(2) Idem, Art.º 67.º.
(3) Lema da APF no Ano Internacional da Criança, 1979.
(4) Posição do Conselho Permanente da Conferência Episcopal Portuguesa, 19 de Outubro de 2006. 
(5) Declaração de Jerónimo de Sousa, «Sim à despenalização, Fim do aborto clandestino e dos julgamentos», Hotel Metropolitan, 16 de Novembro 2006.


Artigos em O Militante  (1998-2006)
Campanha absurda, Referendo desumano, n.º 236.
Demagogia e contradições do discurso do Não, n.º 237.
Pela despenalização do aborto. Uma luta que continua, n.º 273.
Sexualidade, conjugalidade e procriação, n.º 276.
A longa caminhada por uma lei do aborto mais justa, n.º 280.
Pela mão de Eva (mais uma vez) a maçã. A manipulação dos Referendo,
 n.º 285.
 

 

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