Partido Comunista Portugu�s
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Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais - Intervenção de Bernardino Soares na AR
Quarta, 10 Dezembro 2008

assembleia.jpgA lei de financiamento dos partidos integrou um pacote legislativo antidemocrático, que incluía também a lei dos partidos, aprovado de forma chocante por alturas de mais uma comemoração, em 2003, do aniversário da Revolução. São duas leis que se traduzem em inaceitáveis ingerências na vida interna dos partidos, procurando manietar e uniformizar formas de funcionamento e organização que são diversas de partido para partido.

 

 

Alteração à Lei n.º 19/2003, de 20 de Junho - Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

No início deste debate sobre uma alteração proposta por PS e PSD à Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais (projecto de lei n.º 606/X) não podemos deixar de caracterizar esta legislação que está em vigor.

A lei de financiamento dos partidos integrou um pacote legislativo antidemocrático, que incluía também a lei dos partidos, aprovado de forma chocante por alturas de mais uma comemoração, em 2003, do aniversário da Revolução. São duas leis que se traduzem em inaceitáveis ingerências na vida interna dos partidos, procurando manietar e uniformizar formas de funcionamento e organização que são diversas de partido para partido.

E que desejavelmente devem continuar a ser e a poder ser diversas, porque é isso que corresponde a um regime democrático que se quer da máxima pluralidade e respeitador da diversidade política e ideológica.

Estas leis dos partidos e do financiamento dos partidos não estão de acordo com a liberdade de auto-organização que a Constituição atribui aos partidos, como elementos integrantes e fundamentais do nosso sistema político e democrático.

Por isso, o PCP continua - e continuará - a lutar pela sua revogação e substituição por legislação que garanta esse regime de liberdade constitucionalmente garantido.

A prática veio confirmar o absurdo de muitas das normas destas leis, em particular aquelas que, de acordo até com alguns dos intervenientes da altura, visavam específica e exclusivamente o PCP.

No caso particular da Lei do Financiamento dos Partidos e das Campanhas Eleitorais, cuja alteração hoje aqui discutimos, o absurdo da lei foi agravado por uma actuação da Entidade das Contas entretanto criada, muito para além das prerrogativas, já de si exageradas, que a lei lhe atribuiu e extravasando em absoluto o papel de organismo coadjuvante do Tribunal Constitucional.

Encaramos à partida o actual processo legislativo com disponibilidade para avaliar as soluções propostas.

É certo que se algumas são de meridiana clareza, como a transferência da referência do salário mínimo para o indexante de apoios sociais, com efeitos concretos a partir de 2010, outras soluções há que merecem ponderação na especialidade, para a qual contribuiremos.

Mas não escondemos que para o PCP é fundamental que neste processo se encontre o consenso necessário para alterar pelo menos alguns dos mais graves aspectos da lei em vigor, precisamente aqueles que manifestamente visavam o PCP.

É que o PCP, pela sua origem, orientação política e ideológica, é um partido que financia a sua actividade política fundamentalmente através de receitas próprias, em mais de 80% resultantes da sua actividade política e do contributo militante, enquanto outros partidos assentam no fundamental o seu financiamento na subvenção estatal.

Um e outros devem ter direito a ser como entendem ser.

Olhemos, por exemplo, para dois problemas da actual lei.

Um é o das quotas e contributos de militantes.

É que a lei impõe que todas sejam tituladas por cheque ou outro meio bancário, excepto quando sejam inferiores a 25% do salário mínimo nacional (pouco mais de 100€) e num total anual de 50 vezes o valor daquela retribuição.

Quanto ao limite individual por quota ou contribuição - os tais 100 € - nada temos a opor ao valor dentro do qual podem ser entregues em numerário.

O absurdo está no limite anual.

É que 50 vezes o Salário Mínimo Nacional são pouco mais de 21 000 €, o que significa, por exemplo, que se 356 militantes do PCP, ou de outro qualquer partido, pagarem uma quota de 5 €, esse limite será ultrapassado.

Como imaginarão temos no PCP - e supomos que existe noutros partidos - dezenas de milhares de militantes a pagar 1 €, 2 €, 5 € a quem muito dificilmente se pode exigir que o façam por cheque ou transferência bancária, até porque muitos não têm sequer esses meios.

Nem pode, aliás, ser exigido que para se ser militante de um partido - e pagar a respectiva quota - se tenha de dispor desses meios, de cheque ou de conta bancária, porque isso não é um requisito aceitável em termos constitucionais.

O que dizemos é que esta norma não pode continuar e que a participação cívica e militante tem de ser livre e não é incompatível com o máximo rigor e transparência na prestação e fiscalização das contas dos partidos.

Pela nossa parte, estamos disponíveis para contribuir na especialidade para a resolução deste grave entorse à liberdade de associação partidária, inclusive elevando as exigências de prestação de contas, de forma a que não haja impedimento a esta importantíssima forma de participação cívica que é a contribuição militante.

Um segundo problema particularmente grave é o que diz respeito às iniciativas de angariação de fundos que envolvem a oferta de bens e serviços, que tinham aliás um regime específico com acordo unânime de todos os partidos, na lei anterior à actual.

Aqui se inclui a questão da «Festa do Avante!».

É porque não é possível limitar administrativamente a dimensão de uma tal iniciativa.

Não é possível determinar por via legal quantas pessoas em cada ano vão participar na «Festa do Avante!», quantos almoços ou jantares vão consumir, quantos livros, discos, ou peças de artesanato vão comprar. Limitar à partida uma iniciativa destas é absurdo.

Como é absurdo exigir que tudo o que é adquirido pelas centenas de milhares de visitantes da «Festa», o seja por cheque ou transferência bancária, uma vez que as receitas em numerário

contam também para o tal limite dos 50 salários mínimos, os tais 21 000 anuais - e isto apesar de o PCP já ter generalizado na «Festa do Avante!» e nos seus diversos pavilhões terminais de pagamento multibanco para permitir que quem queira o faça por transferência bancária; só que a maioria dos participantes não faz assim, fá-lo por numerário, como é natural em despesas de tão pouco montante.

E quando assistimos à tentativa de imposição pela Entidade das Contas, de um critério de consideração das receitas da «Festa do Avante!», não com base no produto apurado entre receitas e despesas, mas querendo considerar a receita bruta como o montante do financiamento, está tudo dito sobre a iniquidade desta lei e sobre a postura da referida Entidade.

Também aqui o que queremos é que uma realização que nada tem de promíscuo, nem de opaco, nem de ilegal seja possível à face da lei e não seja tratada como uma qualquer iniciativa clandestina.

Mais: queremos que ela seja alvo da máxima fiscalização, como, aliás, já é, não só a nível financeiro mas da saúde pública, da ASAE entre outras fiscalizações, aliás com bastante sucesso. Queremos que as suas contas tenham um escrutínio autónomo e específico, sem prejuízo de serem englobadas nas contas gerais do PCP.

O ponto em que estamos em matéria de lei do financiamento é crucial. As decisões que a Assembleia vai tomar serão uma opção entre uma legislação que promova a liberdade e a militância com a máxima fiscalização e transparência, e uma legislação como a que actualmente existe, que é limitativa das mais elementares formas de participação cívica e política, livre e independente.

E todos terão de optar entre uma legislação que deliberadamente visava pôr fim à «Festa do Avante!» e uma legislação que, mantendo e melhorando regras de máxima fiscalização, não seja um entrave à realização da mais importante iniciativa político-cultural do nosso país, visitada anualmente por centenas de milhares de portugueses de todos os quadrantes políticos.

É esta questão fundamental que este processo legislativo tem, na nossa opinião, de dirimir.