Promovida pela Seara Nova realizou-se na redacção
da nossa revista uma mesa-redonda sobre o Congresso de Aveiro em que participaram Caiano
Pereira, Francisco Pereira de Moura, José Ramalho, José Tengarrinha, Lino de Carvalho,
Pedro Coelho e, como moderador, António Reis. Dela publicamos alguns extractos. |
António Reis: Esta mesa-redonda organizada pela Seara Nova para fazer o balanço do
3.º Congresso da Oposição Democrática deveria tanto quanto possível debruçar-se
sobre os aspectos mais salientes deste Congresso, focando as conclusões que dele se podem
tirar tanto em relação ao diagnóstico crítico que ele se propunha fazer sobre a
sociedade portuguesa como em relação aos outros objectivos que ele pretendia atingir
– a participação popular e a definição de linhas de acção para o movimento
democrático. Esta indicação de temas não é de forma alguma exaustiva e fica às
pessoas presentes a liberdade de se debruçarem sobre estes e outros aspectos que
porventura achem interessantes. Teria também interesse que durante a exposição,
sobretudo para quem teve a oportunidade de participar em anteriores congressos, se
focassem as diferenças mais assinaláveis que separam este último congresso dos
congressos anteriores. E posto isto dou a palavra ao primeiro dos presentes que se quiser
pronunciar.
Lino de Carvalho: Em relação ao anterior congresso não posso tecer quaisquer considerações
comparativas, uma vez que nele não participei. Em relação a este, a análise dos seus
aspectos positivos deverá ter em conta duas fases: a 1ª é a da preparação e a 2ª a
do próprio momento da sua concretização. Dois momentos que não podem ser dissociados,
pois que se a ampla participação que se notou no Congresso é fruto do trabalho de
preparação efectuado, também este foi facilitado pelas perspectivas que o congresso
vinha a abrir para o avanço da actividade dos democratas portugueses.
Beneficiou o primeiro da actividade, assaz difícil, que a Oposição Democrática tem
vindo a empreender, nomeadamente após as eleições de Outubro de 1969, actividade que
por sua vez muito tem aproveitado das experiências levadas a cabo naquela altura. no que
se refere à participação activa de largas centenas de democratas no trabalho político
com um papel fundamentaI na tomada de decisões a diversos níveis de responsabilidade.
Ultrapassada que foi por quase todo o país, e principalmente nos distritos de maior
actividade democrática, a política de gabinete das personalidades que faziam seu feudo a
actividade oposicionista, naturalmente que a mobilização para o trabalho activo e
crítico de democratas das mais diversas condições sociais deveria beneficiar da nova situação criada. (Abro aqui um
parêntesis para afirmar que não pretendo, de modo algum menosprezar o trabalho, a
coragem e o sacri fício com que em diversos pontos do país e ao longo de vários anos,
diversos elementos da Oposição Democrática têm sustentado uma luta difícil. Pretendo
simplesmente constatar uma nova realidade na Oposição Democrática deste país, que
rasgou indubitavelmente novos e mais claros horizontes à actividade dos democratas
portugueses.) Mas, retomando a questão, e neste novo tipo de organização democrática,
dinamizada nos últimos meses, que se devem ir buscar as razões para a ampla
participação que o congresso registou, tento na fase preparatória como nos dias em que
funcionou em Aveiro. Por outro lado, o trabalho desenvolvido por democratas de diversos
distritos no sentido de corrigir a orientação porventura menos eficiente que as
primeiras reuniões nacionais de preparação pareciam seguir e, ao mesmo tempo, o amplo
trabalho de esclarecimento e debate prévio levados a efeito nos próprios distritos,
clarificando os objectivos do congresso e o estilo de trabalho que se lhe ia imprimir,
contribuiu igualmente para mobilizar em seu torno bastantes milhares de pessoas, ao
princípio muitas delas descrentes sobre o que o Congresso poderia proporcionar de
positivo à luta dos democratas portugueses.
Tudo ultrapassado, deparou-se-me um congresso que reuniu cerca de quatro mil democratas
e que durante quatro dias debateram, com mais ou menos profundidade, os diversos problemas
da vida nacional.
É também de realçar o número de teses colectivas. Pelo cálculo que fiz cheguei ao
número de 169 teses recebidas, das quais 102 individuais e 67 colectivas, estas
pressupondo, como é óbvio, um trabalho prévio de discussão e debate que se organizou e
se desenvolveu em muitos distritos. De tudo isto, ressalta para mim o aspecto mais
importante de que o Congresso se revestiu: a ampla participação popular, o
dinamismo das discussões, a vivacidade das presenças, o que certamente irá contribuir
para o avanço da luta dos democratas portugueses daqui até às eleições, durante as
eleições e para além das eleições.
José Tengarrinha: Tendo acompanhado o 1º Congresso Republicano, que se efectuou
igualmente em Aveiro, e tendo participado, como congressista, apresentando uma tese
no 2º Congresso, creio que algumas das características mais positivas deste 3º
Congresso aparecem com maior evidência do contraste em relação aos dois anteriores. O
primeiro, em 1957, decorreu sob o signo da República Democrática, portanto vinha nas
tradições de uma luta republicana de feição democrática que caracterizava
fundamentalmente o bloco oposicionista ao regime. O 2º Congresso mostrou considerável
avanço na consciência em relação aos problemas do país e às soluções necessárias,
revelando assim maior nitidez na posição política em face do regime. Isso não excluiu,
porém, alguma perplexidade e hesitações.
Este 3º Congresso representa um passo muito avançado tanto em relação à
compreensão profunda dos problemas no quadro do sistema como em relação à
mobilização que provocou, à organização em que assentou e ao impulso que lançou.
Quer dizer que em retação ao conteúdo político que apresenta este congresso – e
ao contrário de certas acusações precipitadas e levianas vindas a público logo a
seguir – não representa irresponsabilidade da parte do congresso a maneira nítida
como foram definidas as linhas de actuação democrática e as exigências que devem ser
feitas para a solução frontal dos grandes problemas do país; pelo contrário, revela
uma responsabilidade da missão que cabe às forças democráticas no nosso país e uma
profunda consciência da gravidade dos problemas, que não se compadece de
soluções superficiais, apressadas e de remendos, mas cada vez mais exige, em
conformidade com a sua crescente complexidade, soluções igualmente profundas e
completas. Devemos dizer, portanto, que este 3º Congresso da Oposição Democrática
revelou uma nitidez na análise dos problemas e na maneira como a Oposição se apresenta
perante eles e na gravidade que Ihes reconhece que se traduziu inevitavelmente nas linhas
políticas que dele saíram, concretizadas principalmente nos objectivos imediatos de
acção contidos na declaração final.
Queria no entanto dizer, para definir melhor o meu pensamento, que este congresso não
representa, porém, um corte radical, digamos assim, com a tradição da luta democrática até agora
desenvolvida no nosso país, mas sim uma correcta assimilação crítica desta
experiência. Isto é, as perspectivas de luta que se abrem
neste momento às forças democráticas revelam um grau de maturidade política a que
não é estranha, evidentemente, a apreensão lúcida da experiência do passado. Isso
traduziu-se na forma como os problemas foram abordados e nas linhas de acção que foram
apontadas e, de uma forma expressiva, igualmente teve expressão no tipo de composição
da assembleia. Sendo na sua maioria composta por jovens, em parte apreciável por homens e
mulheres de meia idade, não deixou igualmente de incluir todos aqueles democratas mais
antigos que estiveram no 1º e no 2º congressos e que tendo acompanhado a evolução das
condições do país e a evolução da luta democrática se ajustam às novas linhas que
neste momento a estão a orientar.
Francisco Pereira de Moura: Eu também queria dizer alguma coisa acerca deste tema, embora não tenha
participado do 1º e do 2º congressos e só os conheça de leituras. Parece-me que o
ponto a realçar em primeiro lugar e o grande número de congressistas, portanto a grande
mobilização que se conseguiu para este 3º congresso. Um outro ponto que me parece
importante acerca da participação no congresso, reflectindo-se no modo como decorreram
os trabalhos (em parte, o Tengarrinha acabou de o dizer), foi a grande participação de
gente jovem, de facto impressionante em relação a tudo o que temos visto no país.
Também me parece importante realçar quanto à composição das assembleias e, portanto,
quanto à participação, a presença muito numerosa de trabalhadores, autênticos
trabalhadores dos campos e das oficinas, que não só estavam presentes mas falavam,
participavam activamente das sessões – isso também não é muito comum em grandes
assembleias em Portugal. Assim como, sobretudo em algumas secções (recordo a de
«Relações de Trabalho») e participação extremamente activa de mulheres, outra
característica que não é muito corrente em assembleias políticas em Portugal. Finalmente,
tenho a sensação que terá sido diferente do que aconteceu em congressos anteriores a
participação, muito activa, de democratas de província.
Um outra aspecto que me impressionou foi a abundância de teses colectivas: suponho que
é a primeira vez que acontece em Portugal, num congresso de qualquer natureza, ter tanta
relevância a massa de teses colectivas na totalidade das teses e comunicações
apresentadas ao congresso. E essas teses colectivas, na maior parte dos casos, creio que
têm uma característica que convém realçar: é que resultaram de trabalho que foi
demorado e que movimentou muita gente nas zonas do país onde elas foram elaboradas,
trabalho que aliás, segundo ouvi a muitos congressistas e conforme muitas vezes foi dito
nas sessões, continua mesmo para além do congresso. Ouvi a autores de algumas dessas
teses colectivas a afirmação de que a elaboração do trabalho por um grupo de pessoas
em determinada zona tinha levado à conclusão de que já podiam (e daí resultou a tese colectiva)
apresentar alguns resultados e algumas conclusões no congresso, mas que sentiam, em
resultado da própria elaboração da tese, a grande ignorância em que estavam das
condições da população em que se inseriam. Daí, portanto, a resolução de continuar
a trabalhar nesse sentido como base de todo o trabalho político. Finalmente, outra
característica impressionante deste Congresso foi a liberdade de discussão e de
actuação nas sessões. Eu suponho que não deve haver memória de qualquer realização
assim, com grande número de pessoas em Portugal, em que tão poucas vezes se tenha tido
que recorrer (por parte das mesas das assembleias) ao regulamento. Em todas as sessões a
que assisti nunca vi nenhuma mesa recorrer ao regulamento para este ou aquele assunto,
embora seja natural que isso tenha acontecido uma ou outra vez. Foi uma nota que me
impressionou favoravelmente, a falta de formalismo que, em grande parte, creio que
corresponde à espontaneidade de toda a movimentação durante o congresso, mas, por outro
lado, também a unidade de pensamento que se foi sentindo à medida que os dias passavam,
com o decorrer do próprio congresso. Não queria deixar de pôr em relevo também este
aspecto.
Caiano Pereira: Estou na situação de muitas centenas, talvez de milhares de pessoas que
se não sentiram mobilizadas, atraídas pelos anteriores congressos, ou pelo menos
mobilizadas para além do seu folclore exterior e que participaram mais ou menos
activamente neste. Feito um balanço, rápido, claro, registo alguns aspectos. Antes do
congresso há que assinalar a ampla mobilização que se fez entre vastas camadas da
população acerca dos problemas incluídos no temário proposto para o congresso e ainda
aí, como já aqui foi assinalado, elevado número de teses apresentadas e especialmente
teses colectivas. Na secção de cuja comissão coordenadora fiz parte («Estrutura e
Transformação das Relações de Trabalho»), 80% das teses apresentadas eram
teses colectivas, o que dá uma ideia bastante clara do trabalho prévio realizado e da
mobilização que referi.
No decurso propriamente do congresso, alguns aspectos me impressionaram especialmente.
Para já, em relação ao 1º Congresso não sei exactamente como é que ele estava feito,
tenho a impressão de que não havia uma divisão à partida por temas, por secções, mas
no 2º não havia uma secção específica dirigida aos problemas de trabalho, o que
mostra para já que ao incluir-se uma secção neste, apenas para esse tipo de problemas,
houve um cuidado na sua preparação que já por si mostra o avanço do trabalho
democrático que aqui já foi assinalado anteriormente. No congresso e em relação à
secção que já referi, houve efectivamente uma participação que de todo não previa.
As pessoas, os congressistas, naturalmente são mais tentados para as secções onde
estão as pessoas conhecidas, as «vedetas», os Mouras, os Tengarrinhas, etc. Nessa
secção não os havia e apesar disso e da má colocação na sala, no último andar,
esteve durante as sessões completamente cheia, com excepção da primeira, na 6ª-feira
à noite, em que ainda havia menos gente em Aveiro. Isto é para mim uma faceta muito
importante do congresso: um interesse efectivo e real pelos problemas das classes
trabalhadoras. E neste aspecto, é também de salientar o grau de consciencialização dos
trabalhadores presentes, durante a discussão e na apresentação de propostas com vista
à elaboração das conclusões da secção.
No que respeita ao Plenário, o entusiasmo à volta das conclusões dessa secção,
reflecte para mim mais do que a sua correcção, a adesão daqueles milhares de pessoas,
ao aspecto que já referi anteriormente, o efectivo e real interesse que ao congresso
mereceram os problemas dos trabalhadores. Após o congresso, e nesta semana que já
decorreu, o congresso continua a sentir-se diariamente. Inúmeros pedidos de
documentação chegam de todo o lado, os propósitos de debater e ter uma mais larga
informação sobre os problemas lá tratados, mostram que as pessoas que por uma ou outra razão
e entre essas razões havia até o cepticismo sobre o congresso já aqui referido, todos
esses aspectos estão completamente ultrapassados e o interesse pelo que se fez no
congresso é neste momento francamente grande. Portanto e em resumo, considero que o congresso
foi um passo importantíssimo ao avanço da luta democrática no nosso país.
José Ramalho: Já aqui se referiram àquilo que consideravam os aspectos mais
importantes do Congresso. Parece-me e considero mesmo que o aspecto mais importante do
Congresso foi a sua preparação. E porque é que digo isto? Julgo que pelo facto
das reuniões da Comissão Nacional terem sido tão produtivas, só a partir daí é que
se conseguiu efectivamente que as pessoas aderissem ao congresso. Sei mesmo, pelas pessoas
que contactava acerca do congresso quase há um mês, talvez mês e meio, que as pessoas
duvidavam um bocadinho do que é que iria ser o congresso. Só a partir de um trabalho de
discussão bastante livre em que as pessoas puseram concretamente a sua opinião sobre os
assuntos e em que na verdade se conseguiu chegar a uma conclusão em relação à
organização do congresso, é que as pessoas começaram a aperceber-se de que no fim de
contas iam ter a possibilidade de discutir, e parece-me que isso é muito importante
porque normalmente as pessoas estão habituadas, já como há bocado aqui o Caiano
referiu, normalmente a irem a uma reunião, mesmo a reuniões políticas, e
limitarem-se a ouvir o que as pessoas vão lá dizer, a bater palmas de vez em quando. E
as pessoas ali sentiram que na verdade iam participar. lsso parece-me bastante importante
e quanto e mim, conseguiu-se nas reuniões de preparação do congresso. Tudo o mais
parece-me que vem daí. E peço desculpa por repetir, mas outro ponto que me parece
importante é a diversidade das pessoas que estavam no congresso.
Verificámos o facto de aparecerem, o que também me parece muito importante, centenas
de mulheres. Normalmente a mulher, por toda uma série de problemas, próprios até da
sociedade em que vivemos, a mulher está absolutamente arredada de todos esses problemas,
fica em casa, trata dos filhos. Ora parece-me que a mulher portuguesa começa a perceber
que é essencial também a sua presença e até a sua participação.
Por outro lado, a juventude notou-se, e eu quero até fazer uma referência ao aspecto
das teses, é que todas as teses da secção só da juventude eram colectivas. Isto quanto
a mim implica, no aspecto de organização, tendo em vista todas as limitações que são
feitas a qualquer tipo de reunião política, implica riscos e implica inclusivé uma
certa necessidade de resolver o problema, de tentar modificar a situação em Portugal.
Pedro Coelho: Realmente o aspecto que mais me impressionou no congresso foi também o da
participação, e mais do que a participação em quantidade, foi o tipo de
participação. Quer dizer, creio que este congresso, pela forma como decorreu, veio
definitivamente consagrar um aspecto renovado da vida política nacional, que é a
real motivação e participação das pessoas, todas elas, quer as tais que aqui já foram
ditas as «vedetas», que nem são vedetas, apenas pessoas que, tendo determinadas coisas
a dizer, dizem-no claramente e que estando mais ou menos empenhadas em determinadas lutas
podem aparecer em certa altura em posição de destaque, mas quer dizer, não só a
intervenção dessas pessoas, mas também a participação de todas aquelas que
diariamente, quotidianamente, são os verdadeiros rnotores de modificação da realidade,
e portanto serão elas que vão realmente fazer as alterações profundas que todos nós
necessitamos, desejamos, e pelas quais lutamos. Realmente, para mim, isso foi muito
importante, e portanto, sem repetir o que vocês disseram, com o qual estou de acordo na
generalidade, penso que o facto da presença massiva das classes trabalhadoras e dos
jovens, não representa de maneira nenhuma uma rotura contra as gerações anteriores de
luta. Acho que é errado pensar que isso o significaria, ninguém aqui o afirmou, mas
já foi pública e demagogicamente afirmado que isso representa uma rotura. Não
representa. Quanto a mim, o que representa a mudança qualitativa deste congresso em
relação aos outros, ou pelo menos a outro tipo de acção da Oposição anteriormente,
não foi de modo nenhum rotura, mas pelo contrário uma prova real de que a
Oposição Portuguesa sabe, em cada momento, ser uma vanguarda na luta, e procura
responder aos problemas que afectam a sociedade portuguesa, através da participação dos
elementos que constituem essa sociedade.
Outro aspecto que me parece também importante focar é aquilo que o congresso
representa como reforço de unidade. Esse reforço de unidade, quanto a mim, foi evidente
e resultou de vários factores, mas apenas focarei dois: por um lado, a demonstração de
que, na acção, a Oposição Portuguesa pode perfeitamente trabalhar em plataforma
unitária, com inteira possibilidade de aceitação das diversidades do necessário
pluralismo de opiniões. Isso parece-me importante. Penso que é também possível, e que
o congresso também o demonstrou, estabelecer plataformas unitárias mais avançadas,
mesmo em determinados momentos da luta e em determinadas propostas de alternativa para os
problemas da sociedade portuguesa.
António Reis: Fazendo o ponto desta meia hora ou pouco mais de conversa, creio que todos
foram unânimes em sublinhar que o aspecto que mais os impressionou neste congresso foi,
sem dúvida, o da participação, tanto na sua fase preparatória como durante o
desenrolar dos trabalhos em Aveiro. Além disso foram focados vários outros pontos
ligados aos objectivos da luta democrática que se definiram neste congresso. Foi também
feita uma breve comparação com os congressos anteriores. Os pontos, que referi no
início, acabaram por ser quase todos abordados. Seria talvez agora a altura de
aprofundarmos alguns destes pontos. Como o problema da unidade foi igualmente focado, até
agora propriamente parece que apenas o diagnóstico crítico que o congresso se propunha
efectuar não foi ainda abordado por nenhum dos intervenientes e quanto a isso parece-me
que tem um certo interesse comparar o diagnóstico crítico deste congresso em relação
aos problemas actuais da sociedade portuguesa com o que foi feito no 2º congresso e que
está patente nas teses que foram publicadas. Mesmo que não tenham participado nele, pelo
menos a leitura das teses dá uma certa ideia do que se pensava em 1969 em relação aos
vários problemas da sociedade portuguesa. E como mera achega sujeita à discussão,
dá-me a impressão que pelo menos em algumas das teses e no clima que reinou nesse 2º
congresso à voIta dos problemas do momento político que então se atravessava em
Portugal com a recente chegada de Marcelo Caetano ao poder, havia como que uma certa
hesitação em relação aos caminhos que o governo de Marcelo Caetano se propunha seguir.
Havia quem, de uma forma algo ingénua, pensasse que se preparava uma certa
descompressão, de que aquele congresso era já um certo sinal, havia quem pensasse
que o facto de Marcelo Caetano ter chamado então ao poder, dois ou três meses antes do
congresso se efectuar, uma jovem equipa de tecnocratas para alguns pontos chaves da
economia, marcava um propósito deliberado de fazer encaminhar o país para uma via que
então se classificava de neocapitalista. Ora, nas conclusões deste congresso ficou
perfeitamente claro que aquilo, que no fundo não passou de uma mera tentativa de
reformismo, fracassou de uma forma incontestada. Creio que não ficaram no ar nenhumas
ilusões quanto à natureza da actual fase do regime, para citar os termos exactos em que
um dos pontos da 8ª secção abordava este problema, e ficou igualmente marcado o
impasse geral em que o Governo se encontra neste momento, após 4 anos de tentativas para
Iançar algumas reformas. Outro ponto que parece agora poder ser focado numa discussão
mais vasta, é o que se liga às críticas que antes do congresso se efectuar Ihe foram
feitas por parte de alguns sectores, nomeadamente uma que considerava o congresso uma
«dádiva do regime» com o objectivo de melhorar a sua imagem internacional, tanto mais
que se estava em ano de eleições e convinha dar um certo crédito a estas autorizando um
congresso em que pudesse preparar-se uma linha para essas eleições. Creio que em
relação a este ponto, este congresso também nos trouxe ensinamentos bastante
interessantes, mas deixo aos presentes o cuidado de se pronunciarem sobre isso.
Lino de Carvalho: Sobre o problema da unidade já focado queria ainda tecer
uma breve consideração. O congresso foi, de facto, como o Pedro Coelho já o disse, uma
expressão viva da unidade possível na acção entre os democratas que participaram
activamente nele. Mas, as conclusões a que se chegou, a participação ampla e popular
que o congresso teve, vem com certeza, por outro lado, facilitar a vinda activa ao
trabalho democrático daqueles sectores ou pessoas vacilantes que têm tido algumas
dúvidas, seja quanto à orientação actual predominante na oposição democrática,
seja quanto aos métodos de trabalho que se pretendiam imprimir.
Esclarecidas, suponho, grande parte das dúvidas, clarificadas as posições dos largos
sectores da oposição democrática presentes no congresso, parece-me, impediam uma
unidade bastante ampla dos democratas portugueses. Esta é também certamente uma das
consequências mais importantes deste congresso.
Pedro Coelho: Tomo a proposta do António Reis de falarmos um pouco das críticas
que foram
feitas por alguns sectores, e é sobre isso que eu me vou tentar debruçar agora.
Um tipo de preocupação, aqui não era bem uma crítica, era a de que as conclusões
do congresso se poderiam apresentar como uma base programática. E até certa altura, ou
pelo menos, de certo modo, pedia-se ou sugeria-se que se ficasse apenas por um
diagnóstico crítico. A minha posição antes do congresso era a de que, até por uma
questão de determinismo da dinâmica do próprio congresso, isso era uma impossibilidade,
porque as pessoas que se dedicaram a discutir os problemas, a escrever teses sobre vários
assuntos, a pensar neles, etc., necessariamente tinham que extrair determinadas
conclusões. E nessas conclusões tinham que transparecer logicamente certos aspectos que
são elementos dum possível programa, dum futuro programa, embora não esteja aqui em
causa se esse programa aparecerá ou não. Assim creio também que o congresso e a maneira
como decorreu foi uma prova de que essa preocupação não tinha sentido e de que
não era grave, antes pelo contrário, nem prejudicaria sequer qualquer desenvolvimento da
Oposição Democrática, da luta democrática, a formulação dum corpo de conclusões.
Por outro lado ainda também se constatou que as opções, ou melhor, as conclusões
elaboradas, constituem realmente elementos válidos, como aliás já disse anteriormente,
no apontar de soluções para a sociedade portuguesa. Este aspecto estava, de certo modo,
relacionado com a crítica de orientação burguesa do congresso. Se inicialmente poderia
ter havido uma aparente orientação burguesa na formulação do congresso, que quanto a
mim teria sido dependente dum modelo de organização dum congresso, e não duma opção
das pessoas que o lançaram inicialmente, eu creio que isso foi completamente
ultrapassado por todos os argumentos que já foram aqui postos anteriormente, pela acção
dessas mesmas pessoas, e até pelos resultados do próprio congresso. Por outro lado, a
crítica de que o congresso era um congresso de personalidades, de individualidades e de
leitura de teses, já também aqui ficou demonstrado que foi também completamente
ultrapassada. E parece-me importante a intervenção agora do Lino, em que realmente
explicitou bem a possibilidade de que outros sectores se juntem na luta unitária e de que
o congresso tenha sido realmente um factor importante, um passo importante, nessa maior
amplitude de forças que possam unir-se na luta democrática.
José Tengarrinha: Em relação ao problema que se levantou em torno de qual
o saldo do congresso e quem o recolhe, eu creio que a inquietação é perfeitamente
legítima, naturalmente mais viva em certos sectores com uma posição mais crítica em
reIação à linha tradicional da actuação democrática. A maneira como o congresso
decorreu e aquilo que desde já podemos considerar os seus resultados, leva-nos a afirmar
com toda a segurança que o saldo foi amplo e foi recolhido pela Oposição Democrática,
que com isso conseguiu um avanço considerável na sua luta. Sobre o outro problema
levantado, sobre se efectivamente constituiu uma dádiva ou não, estou inteiramente de
acordo com o que disse o Lino e com o que disse o Coelho sobre o que este congresso
representa de conquista da movimentação democrática. É claro que, quando se fala em
conquistas, temos de considerar que são conquistas dentro de condições conjunturais
favoráveis, há um encontro, digamos, entre as condições e a força reivindicativa da
movimentação. É nesse encontro, pois, que se deve compreender efectivamente a
possibilidade da realização deste congresso. Como nós falámos em quem é que de facto
lucra com o congresso, temos que saber o que se pretendia do congresso e, de acordo
com isso, avaliar os resultados. Quanto a mim, o congresso interessava, principalmente por
dois motivos e constitui, para alcançar esses dois objectivos, um alento de valor raro na
vida política do nosso país. Por um lado, parecia-me que o congresso poderia constituir,
e constituiu efectivamente, como já aqui se disse, uma ampla forma de mobilização das forças
democráticas e, para além delas, mesmo das populações um pouco menos
politizadas e menos activas em torno do debate dos problemas fundamentais do país. Este
congresso, portanto, só poderá ser inteiramente compreendido quando inserido na
movimentação democrática anterior e ao mesmo tempo na projecção dinamizadora que
terá sobre a movimentação democrática do futuro; Era impossível pensar que em 1969 o
2º congresso atingisse a amplitude deste, porquanto o grau baixo, relativamente ao
actual, da actuação das forças democráticas nessa altura não tornava possível uma
mobilização e uma organização do congresso nos moldes em que este foi feito. Este
congresso, portanto, foi possível concebê-lo e concretizá-lo desta forma, assentando
principalmente em organizações distritais, numa Comissão Nacional que abrangia todo o
país e até na própria Comissão Executiva – onde se encontravam representantes
distritais – isto só foi possível, de facto, quando inserido numa movimentação
democrática que já vinha de trás, que já vinha, pelo menos, desde 1969, activando-se
sobretudo a partir daí. Creio assim, que, neste primeiro aspecto, de grande importância,
o congresso satisfez amplamente na medida em que conseguiu ampliar ainda mais, revigorar o
movimento democrático, alargando a sua projecção no país. Outro dos objectivos era,
como se sabe, o conhecimento crítico da realidade portuguesa. E por conhecimento da
realidade por tuguesa não quero eu apenas significar aquilo que se intitulara
diagnóstico crítico. É certo que este foi feito de forma que em muito ultrapassou o
nível atingido em 1969. No 2º congresso não havia sequer secções, não havia
temários para cada uma delas, havia apenas algumas sugestões de assuntos para as
comunicações que eram apresentadas e lidas perante uma assembleia que apenas quebrava a
sua passividade para aplaudir os oradores. Não houve, assim, nem uma análise
sistemática dos problemas fundamentais nem uma participação activa da assistência no
debate desses problemas. Neste aspecto, igualmente, o 3º congresso excedeu as nossas
perspectivas iniciais pela maneira sistemática como esse diagnóstico foi feito, pela
informação que revelou e pela profundidade que alcançou na análise de alguns
dos problemas debatidos. Mas, para além mesmo disso, parece-me dever focar que o
conhecimento da realidade portuguesa não se limita ou não se deve limitar, quando se
trata de uma luta política, a um diagnóstico crítico dos problemas, por muito
importante que eles sejam; para além disso, deve conhecer-se o grau de consciência
pública, determinar aquilo que Goldman e antes dele Lukács chamam «consciência
possível», isto é, qual o âmbito de movimentação de que a consciência
dispõe numa determinada situação social concreta, para tentar prever as zonas de
ruptura dessa consciência em relação ao estrato social a que a pessoa pertence. De
passagem, apenas queremos chamar a atenção para o que consideramos ser um instrumento
conceptual de primeira importância na luta política do nosso tempo.
Ora é isso que me parece igualmente importante no balanço que podemos fazer deste
congresso: sabermos como é que as pessoas pensam, quais as suas potencialidades e quais
os seus limites é especialmente importante num país como o nosso onde há tantas
dificuldades de contacto entre as pessoas.
É muito difícil, com efeito; apercebermo-nos da evolução da consciência pública
no nosso país. Tivemos exemplo bem frizante disso no congresso de 1969.
Quanto a mim, talvez um dos seus aspectos mais relevantes tivesse sido a
evolução que nos mostrou da consciência pública, sobretudo em torno de problemas que
até aí quase eram considerados tabus. E foi isso que nos permitiu, em boa medida,
escolher as linhas da campanha eleitoral de 1969. Ora a verdade é que o 3º congresso
revela, efectivamente, um grau de consciência bastante mais evoluído do que em relação
a 1969. E essa consciência não a circunscrevemos apenas às quatro mil e tal pessoas que
estiveram em Aveiro e se podem considerar entre os democratas activos que tiveram
possibilidade de se deslocar, mas, ao mesmo tempo, àquilo que para além disso, revela da
consciência do País, das pessoas com quem esses democratas têm contactado e que
reflectem a própria consciência da população. Nesse sentido, pode dizer-se, portanto,
que a maneira frontal e nítida como os grandes problemas nacionais foram abordados revela
um grau de consciência consideravelmente mais evoluído em relação àquele que havia em
1969 e mostra, pois, que, mais ainda do que em 1969, se compreende que os problemas
fundamentais do país têm as suas causas para além de certas circunstâncias de ordem
conjuntural ou de certos aspectos mais ou menos acidentais da vida portuguesa, e se
prendem profundamente ao sistema que ordena a realidade portuguesa. Indício, igualmente,
da maturidade da Oposição Democrática é a maneira como na declaração final do
congresso nos é dada essa opção.
Francisco Pereira de Moura: O que mais me impressionou quanto ao diagnóstico
crítico foi, por um lado, a amplidão da análise acerca da situação portuguesa e dos
seus problemas, o que foi facilitado pela organização do congresso em oito secções
básicas de trabalho: a soma de trabalhos apresentadas, das discussões, das conclusões
produzidas, constituem efectivamente diagnóstico crítico da sociedade portuguesa, em
todos os seus aspectos, que é impossível ignorar daqui parra o futuro, sejam quais forem
as correntes políticas que se debrucem sobre os problemas; aquele material é
fundamental. Além da amplidão, a profundidade da crítica, apesar do pouco tempo que, de
facto, houve para as sessões – pouco tempo relativamente à massa de material de que
se dispunha para análise; o que é facto é que a análise, na maior parte dos casos,
atingiu níveis de profundidade que até agora não eram muito comuns em Portugal. E o
terceiro aspecto que queria realçar (e de que o Tengarrinha já falou) é o de ter estado
presente sempre, no corpo de todos os trabalhos, a situação portuguesa actual; quer
dizer, não foi um congresso académico de modo nenhum apesar de, muitas vezes, a
declaração prévia de realização de trabalhos e a entrega com uma certa antecedência
de trabalhos escritos, levar a que as pessoas criem um «academismo». Ora este congresso
creio que se caracterizou essencialmente por não ser académico.
Lino de Carvalho: Já foi dito que o congresso foi, pois, uma vitória dos
democratas portugueses e que vai certamente impulsionar positivamente a actividade da
Oposição Democrática. No entanto esse saldo que parece ser positivo só o será de
facto se nós soubermos agora, após o congresso, prosseguir nos diversos pontos do país,
e pôr em prática as linhas de acção que o congresso sugeriu. É preciso, pois, saber
agarrar, com ambas as mãos, essa vitória que foi o congresso e não adormecermos em cima
dos louros que dele recolhemos.
António Reis: Durante a discussão que se tem desenvolvido aqui ultimamente, têm
estado presentes algumas das críticas que se fizeram aos promotores deste congresso e à realização do
congresso. Para além daquelas que aqui já foram referidas, e por sua vez também
criticadas, outra houve que sublinhava aquilo que se poderia chamar o «legalismo» da
Oposição Democrática ao aceitar a realização de um congresso dentro do contexto legal
do regime que nos governa, crítica esta que para estes sectores sairia reforçada pelo
facto de na declaração finaI do congresso se fazer referência à luta pela conquista do
reconhecimento da organização democrática e sua plena liberdade de actuação. Ora
pode-se desde já dizer que, dadas as condições em que o congresso decorreu, ficou
patente a distinção entre actuação legal e actuação legalista, uma vez que a
Oposição não se dobrou às limitações que o governo Ihe quis impor, antes
impôs a realização dos objectivos que pretendia com o congresso. De qualquer forma a
questão é delicada e merece sem dúvida nenhuma também uma certa análise.
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