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Situação da música portuguesa
Intervenção do Deputado António Filipe
Quarta, 12 Fevereiro 2003

Senhor Presidente, Senhores Deputados,

Subimos hoje a esta tribuna para falar da música portuguesa e fundamentalmente para juntar a nossa voz solidária ao amplo movimento cívico e de opinião que tem mobilizado um número muito significativo de cantores, músicos e autores portugueses em defesa da música portuguesa e em particular da sua difusão e promoção.

A imensa preocupação com a situação da música portuguesa levou nos últimos tempos à criação de uma associação cívica, a “venham mais cinco” que tem como objectivo lutar pela revisão da “lei da rádio” de forma a que sejam criados os mecanismos legais necessários para o cumprimento de uma quota mínima de 40% de difusão de música portuguesa nas rádios nacionais, e levou à subscrição de um manifesto sobre o estado da música portuguesa por parte de dezenas – que serão hoje, no mínimo, centenas – de autores, compositores, cantores, músicos, produtores e divulgadores da música que se faz em Portugal, que teve eco na realização no passado domingo (dia 9 de Fevereiro) de um programa da RTP dedicado à música portuguesa, a todos os títulos memorável e altamente dignificante para o serviço público de televisão. Nós, que muitas vezes criticamos a RTP quando entendemos que a sua prestação de serviço público de televisão não está à altura das responsabilidades que lhe cabem, não temos dúvidas em afirmar que o programa recentemente emitido sobre a música portuguesa foi um exemplo do que pode e deve ser o serviço público de televisão em Portugal, e fazemos votos para que não seja um acto isolado, mas o início de um trabalho persistente na promoção e valorização da música portuguesa.

Senhor Presidente, Senhores Deputados,

Não é nosso propósito com esta intervenção retirar dividendos de uma iniciativa que pertence por inteiro aos artistas que dão corpo à música portuguesa, nem tão pouco assacar responsabilidades e culpas pelo estado a que se chegou, embora essas responsabilidades existam e sejam determináveis. O nosso propósito não é utilizar a música portuguesa como arma de arremesso contra nada nem contra ninguém. O nosso propósito é sermos solidários com todos os que fazem música em Portugal e manifestar a nossa disponibilidade e empenho para contribuir para a valorização das suas obras como património identitário insubstituível e inalienável do nosso povo. Esta intervenção não é contra ninguém mas é exclusivamente a favor da música portuguesa, dos seus autores, compositores, cantores, intérpretes, dos que a produzem, dos que a divulgam e dos que a editam. Esta intervenção é a favor da nossa cultura, da nossa identidade, mas também das actividades económicas que se podem e devem desenvolver em torno da música portuguesa, na produção e edição, na promoção e organização de espectáculos, na comercialização dentro e fora de Portugal de um produto cultural que só os portugueses possuem.

A música portuguesa é parte essencial da nossa identidade como país e como povo. É a nossa música, criada, cantada e executada por portugueses, e em português, que une o povo português nos quatro cantos do mundo. São as vozes inesquecíveis de Amália e de José Afonso – para citar apenas alguns dos maiores que já não estão entre nós – que constituem referências incontornáveis da nossa cultura e da nossa história contemporânea, que exprimem os nossos sofrimentos, os nossos valores, as nossas causas, as nossas esperanças.

Mas são também os que hoje fazem música em Portugal, contra ventos fortes e marés adversas, que mantém viva a nossa cultura e que, no quadro triturante de uma globalização ditada pelos mercados que sacrifica as identidades e as diferenças no altar do lucro mais fácil das multinacionais, insistem em levantar a voz – a nossa voz – e em difundir os sons e as palavras que nos distinguem e com que nos identificamos.

Mas, como se diz no manifesto em defesa da música portuguesa, que cito com a devida vénia, “Portugal cuida muito mal dos seus artistas. Camões morreu na miséria. Muitos notáveis morreram às mãos da Inquisição. Pessoa foi contabilista. Virgílio Ferreira professor de liceu até à reforma. José Afonso contou essencialmente consigo e com os amigos na doença que o vitimou. Eduardo Lourenço, Jorge de Sena, Anabela Chaves e tantos outros tiveram de emigrar. Carlos Paredes foi – pasme-se – arquivista de radiologia do Hospital de S. José. É, ao que parece, um défice de autoestima crónico. Mas doentio e absurdo.”

E assim, a música portuguesa está a bater no fundo.

A educação musical é desprezada nos currículos escolares.

Os instrumentos musicais são objectos de luxo e pagam IVA a 19%.

A rádio e a televisão portuguesa, salvo honrosas excepções onde se incluem os vários canais da RDP, com destaque para a Antena Um e a RDP Internacional, quase não passam música portuguesa. Consequentemente, a música portuguesa é pouco editada, pouco promovida, pouco vendida, e promovem-se poucos espectáculos com músicos e cantores portugueses.

Será que a música portuguesa não tem qualidade? Tem, seguramente. Veja-se o reconhecimento internacional que, apesar de tudo, alguns cantores e executantes portugueses vão obtendo.

Será que os portugueses não gostam da música portuguesa? Gostam, seguramente. Veja-se a enorme adesão e o entusiasmo juvenil que suscitam os espectáculos de muitos músicos portugueses.

Então, se as coisas estão como estão, é porque, parafraseando José Saramago – também ele cantado por músicos portugueses e censurado pela cegueira cultural e política de um Secretário de Estado de má memória – “alguém não está a cumprir o seu dever”.

As rádios brasileiras passam 80% de música brasileira. Em quase todos os países europeus as rádios passam preferencialmente a sua própria música. Em Portugal, não há justificação aceitável para que a grande maioria das rádios se limite à difusão mecânica dos temas constantes de listas que lhes são impostas por conluios de natureza comercial.

Assim como não é aceitável que as televisões, que têm como finalidade, nos termos da lei que lhes permitiu obter as licenças para emitir, a promoção da língua portuguesa e dos valores que exprimem a identidade nacional, se caracterizem pela quase total ausência de produção e difusão de programas musicais em português.

Esta situação não pode continuar. A música portuguesa não pode definhar à vista de todos, com as leis a não serem cumpridas, com as rádios e as televisões portuguesas ocupadas quase exclusivamente por música importada, e na sua maioria, de duvidosa qualidade, e tudo isto sem que cada um assuma por inteiro as responsabilidades que lhe cabem.

É um imperativo nacional que o movimento de opinião que está hoje a mobilizar os criadores da música portuguesa seja ouvido não apenas pela opinião pública, mas também pelos poderes públicos. E nesse sentido, queremos afirmar aqui a total disponibilidade do Grupo Parlamentar do PCP para debater quanto antes nesta Assembleia as soluções legais mais adequadas para a defesa da música portuguesa, e anunciar que iremos propor em próxima conferência de líderes ao Senhor Presidente da Assembleia da República se promova no próximo mês de Março, o agendamento para plenário de um debate mensal sobre assunto de actualidade, de relevância nacional, sobre a situação da cultura portuguesa.

E esperamos que esse debate seja um bom ponto de partida para que a Assembleia da República possa assumir as suas responsabilidades na superação de uma realidade que não pode continuar, porque é injusta para os nossos artistas, lesiva da nossa cultura e indigna para Portugal.

 

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