Declaração de Octávio Teixeira, na Assembleia da República
Ao apresentar o projecto de revisão constitucional o Grupo Parlamentar do PCP
entende oportuno reafir- mar que se abriu na vida política portuguesa uma nova
e importante batalha política.
Estamos num momento em que as atenções se concentram no debate do Orçamento
do Estado. Não podemos deixar de entender como politicamente significativo que
o CDS-PP tenha desviado atenções deste processo ao apresentar neste momento
o seu projecto de revisão constitucional. Não será da revisão constitucional
am- pla e abrangente que foi proposta que poderá resultar a resolução dos problemas
que o país enfrenta. Acresce que, em relação ao regime constitucional do referendo,
o Grupo Parlamentar do PCP já havia proposto, em 31 de outubro de 1995, a abertura
de uma revisão extraordiná- ria da Constituição com vista a submeter a consulta
po- pular a revisão do Tratado da União Europeia.
Aberto o processo, porém, o Grupo Parlamentar do PCP ac-
tuará com total empenhamento. O seu objectivo é defender os
direitos, liberdades e garantias e os direitos econó- micos,
sociais e culturais e combater as propostas para enfraquecê-los;
é aperfeiçoar o sistema político, em par- ticular garantir o
reforço do papel da Assembleia da Re- pública e do poder local
e combater todas as propostas para degradar a sua
democraticidade; é alargar a democra- cia participativa e a
intervenção direita dos cidadãos da vida política.
Não é este o objectivo de outros partidos.
O CDS-PP não quer apenas rever esta Constituição. Preten-
de outra constituição que elimine os direitos dos trabalha-
dores e das suas organizações, altere radicalmente o sis- tema
eleitoral, diminua o papel do presidente da república, suprima a
democracia participativa, quer novas indemnizações a agrários,
pretende suprimir referências ao 25 de abril e ao fascismo e ao
direito do povo de Timor à independência.
O PSD procura designadamente limitar ou suprimir direitos dos
trabalhadores e direitos sociais básicos, alterar o sis- tema
eleitoral da Assembleia da República e das câmaras muni- cipais
num sentido que prejudicaria a sua democraticidade e afectar a
perspectiva de instituir as Regiões Administrativas.
Quanto ao projecto do PS encontramos aspectos que para nós
são preocupantes como a supressão da eleição directa e por
representação proporcional das Câmaras Municipais. Também a
previsão de círculos uninominais (apesar da distinção entre
círculos de candidatura e de círculos de apuramento), na medi-
da em que abre coincidências com o discurso de direita e na me-
dida em que se venha a traduzir na restrição da
proporcionalida- de.
Também a previsão do voto dos emigrantes nas eleições
presiden- ciais pode não assegurar a democraticidade deste acto.
Dadas as limitações da igualdade de oportunidades e de
liberdade e serie- dade que são conhecidas.
O PS revela, aliás, nesta matéria como na questão das
eleições legislativas uma tendência para coincidir com a
direita que nos leva a encarar este processo com total
empenhamento, mas também com preocupação.
O Projecto que o PCP apresenta não subverte nenhum aspecto da
Constituição nos campos da democracia política, social,
económi- ca e cultural e da defesa da soberania e a da
independência na- cional.
No quadro do combate em defesa destas características
essenciais da Constituição, as propostas do PCP situam-se em
três planos: a introdução de aperfeiçoamentos e melhorias que
se justifiquem pe- lo seu conteúdo; a resposta a novos problemas
que hoje preocupam os trabalhadores e as populações em geral; a
correcção de algumas soluções contidas na Constituição, de
conteúdo negativo em resul- tado de alterações introduzidas em
revisões anteriores.
Assim, sintética e exemplificadamente, o Projecto de Revisão
Cons- titucional do PCP propõe:
- no plano do sistema político: reforço do papel e poderes
da As- sembleia da República, reforço da ligação dos
Deputados aos elei- tores, garantias de moralização e maior
transparência da vida polí- tica, criação de novos mecanismos
de intervenção dos cidadãos na vida política (como a
iniciativa, legislativa e popular, a inicia- tiva popular do
referendo, a iniciativa popular dos chamados refe- rendos locais,
e a iniciativa popular de fiscalização da constitu-
cionalidade), melhoramentos no sistema de formação e
subsistência do Governo e da representação política no
Conselho de Estado e pos- sibilidade de fiscalização da
constitucionalidade de actos políti- cos;
- quanto à participação de Portugal nas Comunidades
Europeias: a demissão do recurso ao referendo sobre questões
fundamentais que envolvam ou possam envolver a soberania nacional
e garantia da in- tervenção da Assembleia da república na sua
esfera própria de com- petência, incluíndo com a proibição
de aprovação por Portugal de actos comunitários quando versem
matéria da competência exclusiva da Assembleia e esta não os
aprove;
- quanto aos direitos dos trabalhadores: garantia de melhoria
do valor real do salário mínimo nacional e do direito ao
salário, prin- cípio da redução progressiva do horário
máximo de trabalho, garantia de estabilidade da organização
diária do horário, consagração de no- vos direitos e novas
obrigações do Estado, em matéria de higiene, segurança e
acidentes de trabalho e da legitimidade processual das
organizações de trabalhadores;
- quanto aos direitos sociais e culturais: consagração da
gratuiti- dade do Serviço Nacional de Saúde, garantia de
regular valorização em termos reais das pensões e reformas,
estabelecimento do rendimen- to mínimo de garantia da
subsistência, obrigatoriedade de criação de um sistema
público de educação pré-escolar gratuito e universal,
garantia da efectivação da proibição da exploração do
trabalho in- fantil, estabelecimento da gratuitidade de todos os
graus do ensino público e valorização do associativismo
desportivo;
- quanto aos direitos, .liberdades e garantias: clarificação
da obri- gação do Estado de criar as condições para a
efectivação do princípio da igualdade, reforço das garantias
de acesso á justiça e da responsa- bilidade do Estado e outras
entidades públicas perante os cidadãos, protecção das
vítimas de crimes, garantia de maior eficácia de exercí- cio
do direito de petição, reforço dos meios de intervenção do
Prove- dor de Justiça e de uma fiscalização efectiva dos
Serviços de Informa- ções;
- quanto à liberdade de imprensa: substituição da Alta
Autoridade pa- ra a Comunicação Social e consagração do
direito dos jornalistas à ob- jecção de consciência;
- quanto à defesa da economia nacional: defesa dos interesses
nacio- nais em matérias com a política da água, a segurança
alimentar e a apropriação do solo por estrangeiros,
contribuição para a defesa do mundo rural e combate à
desertificação, promoção da produção agríco- la e de um
rendimento justo para os agricultores, inclusão das taxas do
sistema fiscal, submetendo-as ao mesmo regime dos impostos,
expli- citação do princípio da retroactividade dos impostos e
consagração de direitos dos particulares perante a
administração fiscal;
- quanto ao sistema judicial: fixação do princípio da
desburocratiza- ção da justiça e da sua proximidade aos
cidadãos, garantia da dependên- cia funcional dos órgãos de
polícia criminal às Magistraturas, confina- ção da
existência dos Tribunais Militares ao tempo de guerra, garantia
da existência de Tribunais Administrativos e Fiscais de 1ª e
2ª instân- cia, alteração do mandato dos Juízes do Tribunal
Constitucional para 9 anos e um único mandato;
- quanto à garantia da autonomia do Ministério Público:
subtracção ao Ministério Público da função de representar o
Estado, alargamento do elenco das suas competências e
consagração do Conselho Superior do Mi- nistério Público
composto maioritariamente por Magistrados;
- quanto ao Estatuto das Regiões Autónomas: alargamento da
competência legislativa das Assembleias Legislativas Regionais,
estabelecimento da obrigação de regular por lei o
relacionamento financeiro entre o Estado e as Regiões
Autónomas, consagrar a audição das Assembleias Regionais nos
processos de nomeação e exoneração dos Ministros da
República;
- quanto ao Estatuto do Poder Local: melhorias no regime das
Finanças Locais, jurisdicionalização do regime de tutela,
possibilidade de cria- ção de associações de freguesias e
flexibilização do regime de institui- ção das Regiões
Administrativas eliminando a exigência da sua criação
simultânea;
- outras: ainda visando o aprofundamento das relações com os PALOP e com os
seus cidadãos, garantias da prestação do serviço militar obri- gatório e a definição
da natureza civil das forças de segurança. |