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Lei de Programação MilitarIntervenção do Deputado João Amaral
Quinta, 17 Maio 2001

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Senhor Ministro e Senhor Secretário de Estado,

Ouvi ontem o senhor Ministro da Defesa Nacional, via televisão, a intimar os portugueses a optarem entre terem uma Marinha de Guerra ou uma Guarda Costeira. Todos os Ministros deviam seguir este exemplo. Por exemplo, o Ministro da Economia devia obrigar os portugueses a escolherem entre a economia periférica e dependente que têm e uma economia sustentada, desenvolvida e modernizada. O Ministro da Ciência intimaria os portugueses sobre se queriam esta investigação pobre e limitada ou se queriam construir um acelerador de partículas e outros caros meios de investigação avançada. O Primeiro Ministro intimava os portugueses sobre se queriam ser o país europeu com o maior fosso entre pobres e ricos ou se queriam uma elevação significativa das pensões e do salário mínimo.

O que se sonha tem a relevância que o poema assinala: "o sonho comanda a vida". Mas atrás de cada sonho destes, há o pesadelo da tesoura do Ministro das Finanças (que ele anda agora a descobrir) e do redil de condicionantes financeiras e orçamentais da União Europeia. Por isso, uma Lei de Programação Militar não é um exercício de voluntarismo e fé, deve ser um exercício sério de definição do nível de prioridade que assume a componente militar de defesa nacional (de que resultará o volume financeiro consignado), e de definição das prioridades de investimento. Há sempre escolhas, e o que se discute aqui são essas escolhas, os volumes financeiros envolvidos e a forma de os conseguir.

A proposta do Governo envolve elevados níveis financeiros. Para o presente sexénio, 284 milhões, com uma média de 47,3 milhões de contos/ano (a recaírem mais fortemente nos anos de 2005 e 2006, portanto, para o Governo seguinte). Para o total dos três sexénios e anos seguintes, o valor total é de 1.091 milhões para 35 anos, com uma média anual a preços constantes de 31 milhões de contos. Desse total, é referido que quase 800 milhões são gastos em leasing, a que o Governo tem de recorrer para continuar a ser o bom aluno da Europa, cumpridor do Pacto de Estabilidade e evitar a oneração do volume da dívida pública. No período de três sexénios que agora a LPM fixa (depois de já ter sido de 5 anos e depois de 6 anos), outros programas será necessário inscrever, aumentando forçosamente estes valores.

Por isso, na decisão dos programas de investimento a executar deve haver uma fundamentada e demorada ponderação, com base na defesa e prossecução do interesse nacional, único critério que o povo português compreenderá e defenderá para o alto volume de gastos previstos.

A questão não é saber se não era bom ter um porta-aviões, ou uma esquadra de F-18, ou mísseis guiados e balísticos de longo alcance . A questão é definir o que é necessário para a defesa do interesse nacional e o que são as melhores opções para esse efeito.

Da nossa parte, tomando o caso dos submarinos, não temos dúvidas que eles são um meio importante, por isso votamos favoravelmente o programa na 2ª LPM e na sua revisão em 1997. Já não tomámos essa posição em 1998, quando ficou claro que, com o recurso ao leasing, o valor do programa dispararia. Como agora se vê: os custos do leasing mais que duplicam o valor da aquisição. Comprando os submarinos nas condições propostas, faz-se uma escolha em prejuízo de outras: As fragatas João Belo acabaram o ciclo de vida e o interesse militar; o reabastecedor Bérrio está no fim da vida útil; não há draga-minas; o balisador Schultz Xavier está com quase 30 anos; vamos diminuir o número de unidades de patrulha oceânica, pois serão abatidos mais navios do que os que se projecta construir, que aliás vão durar mais anos a construir do que devia suceder, face ao estado das corvetas Baptista Andrade e João Coutinho. Eis exemplos concretos do que significam estas opções.

Tem de assinalar-se, entretanto, que a abordagem na generalidade da Proposta de Lei é feita na Assembleia da República em condições péssimas. A Comissão de Defesa tomou conhecimento da proposta há dez dias. Teve uma reunião com o senhor Ministro de pouco mais de uma hora. Não pôde ainda ouvir os responsáveis dos Ramos. Pedimos mais documentação que, ou não veio, ou não pôde ser devidamente analisada. A proposta deveria ter sido discutida e aprovada em 2000, como aliás expressamente estava determinado na lei anterior. Mas, tem sido sempre assim. Uma a uma, todas as leis de programação militar chegam à Assembleia já no meio da primeiro ano da sua execução, e sempre com a pressão de uma necessidade de urgente aprovação.

Analisando a proposta, nestas difíceis condições, realço os seguintes pontos:

Primeiro, as novas opções contidas na actual LPM relevam mais das exigências específicas da NATO e da Força Europeia de Reacção Rápida do que do interesse nacional. Segundo, o modelo de financiamento seguido onera extraordinariamente o seu custo, agravado além do mais pelo facto de os vendedores e os bancos financiadores saberem à partida que, para o cumprimento do Pacto de Estabilidade, o Governo é obrigado a recorrer ao leasing. Terceiro, as possibilidades de alteração de Programas ou do cronograma na sua execução concedidas ao Ministro da Defesa Nacional são tais que o conteúdo da LPM é uma pura mistificação, já que todos os programas podem ser alterados e mesmo cancelados e novos programas podem ser incluídos, tornando a LPM no essencial uma lei de autorização de um plafond anual de gastos com investimentos militares.

Analisando ponto por ponto: Quanto à questão da fundamentação das novas opções, dos três programas novos com grande expressão financeira, dois assentam no conceito de projecção de força (a substituição dos C -130 e, parcialmente, a substituição dos C -212) e quanto ao terceiro (o programa de modernização dos P3) é expressamente referido que " Portugal acordou atribuir à NATO estes meios como Força da Reacção Rápida".

É também o conceito de projecção de força que está explícito no programa do navio polivalente, cujo encargo mais que triplica, em relação à 3ª LPM.

Quanto aos submarinos, é evidente que a sua operacionalidade só é conseguida com a sua afectação e a participação nas esquadras da NATO, designadamente no Atlântico e no Mediterrâneo.

O enquadramento destas opções não assenta assim no edifício conceptual que tem o seu topo na Constituição e onde as Forças Armadas têm como missão primordial a defesa militar da República. Não assenta no desactualizadíssimo Conceito Estratégico de Defesa Nacional, datado de 1994. Assenta no novo Conceito Estratégico da NATO de 1999 e na "Iniciativa de Capacidades de Defesa" aprovada pela NATO e decorrente daquele novo conceito. E deriva da nova Política Europeia Comum de Segurança e Defesa e dos compromissos que o Governo assumiu em Nice, na Conferência de Geração de Forças que delineou a Força de Reacção Rápida de que a União Europeia se decidiu munir.

O Conceito de Projecção de Força é precisamente um Conceito (oposto aos clássicos conceitos da NATO, incluindo o de defesa avançada) que decorre desta reorientação das políticas de defesa da NATO e União Europeia. As opções relevantes desta 4ª LPM inserem-se nessa reorientação e nos conceitos de mobilidade, projecção de força e interoperacionalidade que, entre outros, a caracterizam.

Esta descrição não omite o que quero sublinhar sem margem para dúvidas: na 4ª LPM, e considerando o baixo nível do equipamento das Forças Armadas, a generalidade dos programas tem significado para a defesa do interesse nacional, incluindo nos que acima referi como decorrentes dos novos conceitos NATO e UE. Há na LPM programas de alto interesse nacional, desde as patrulhas oceânicas à Brigada Ligeira de Intervenção ou aos Agrupamentos de Defesa Territorial dos Arquipélagos, passando pelos PUMA, pelos helis do Exército, etc., etc.. A questão é que as carências são tais que parece que tudo o que vier é ganho.

Mas não é assim. Há que fazer escolhas. Por exemplo, para quê os programas das duas esquadras de F16? Não chega uma esquadra para as necessidades nacionais? Porquê o programa do Exército "Forças de Operações Especiais" quando a sua justificação é, essencialmente "as solicitações cada vez maiores da NATO?". Quanto ao "saber-fazer" em matéria de operações com meios submarinos, exploraram-se outras possibilidades que, em articulação com aliados, permitissem manter esse "saber-fazer" sem comprometer um valor que representa qualquer coisa como 15,4 milhões/ano durante 25 anos?

Uma nota ainda. Não é adequado fundamentar programas nos interesses do lóbi das indústrias de defesa. É uma promiscuidade inaceitável. O que releva é o interesse nacional e não os interesses de grupo.

Passo ao segundo ponto, o do modelo de financiamento. Retomo a questão não para voltar a questionar a opção pelo leasing, já que a nossa crítica está a montante, está na crítica à aceitação do modelo de política económica, financeira e orçamental da União Económica e Monetária, retomo a questão sim para evidenciar a gravosidade dos encargos que representa essa opção. O custo da operação nos submarinos é de cerca de 51% do custo total. Se a relação for semelhante, como é natural que seja, nos outros quatro programas em que o Governo pretende usar leasing (navio polivalente e substituição dos PUMA, dos C-212 e dos C-130), o total de encargos rondará os 405 milhões, isto é cerca de 37% do total de 1.091 milhões de contos previstos para os três sexénio e anos seguintes.

Como é evidente, sem esta obrigatoriedade do leasing os valores seriam muitíssimo mais baixos, não por qualquer diferença nas taxas de juro mas pela multiplicidade de soluções de financiamento que se abririam para a operação.

Quanto ao terceiro ponto: a falta de credibilidade da lei.

O problema é recorrente na execução das LPM's. Nenhuma das 3 leis foi executada a níveis minimamente aceitáveis, todas produzindo vultuosos saldos.

Da terceira LPM estava executado no termo do ano 2000 um total de 29,885 milhões correspondente a 46%. O saldo global, correspondente a 54% era de 35,19 milhões, dos quais o Governo considera "comprometido" 25,074 milhões.

Esta sucessão de saldos, que se arrasta há 15 anos, representa a quebra do compromisso que a Nação assume para a concretização dos seus objectivos de Defesa Nacional na componente militar. Nos anos da corrida à moeda única, a Política de Defesa Nacional e as Forças Armadas foram cruamente sacrificadas no altar de Maastricht. Não só no investimento, também na despesa corrente, que desceu sem parar até este ano, situando-se a percentagem do PIB este ano em 1,5%, quando em 1997 era de 1,7%.

Mas, pior do que os saldos é o quadro de possibilidades de manipulação que a LPM permite. Olhando para o conteúdo da Lei verifica-se: - o nº 3 do artigo 5º permite que na revisão bienal sejam cancelados e alterados programas e inscritos novos programas; o nº 4 do artigo 8º permite exceder o montante previsto para cada programa em mais de 30% em cada ano; - e o nº 3 do artigo 13º permite ao Ministro da Defesa Nacional fazer transferência de verbas entre programas com a mesma classificação funcional (mas a classificação funcional é sempre a mesma!) e até transferência de programas existentes para novos programas, sem nenhum limite.

Assim, o que temos é uma pseudo-lei, com pseudo-programas e pseudo-valores discriminados. Certo, quando muito, será o valor anual da despesa e mesmo esse, com a política seguida até hoje com saldos contínuos, não é um valor a gastar, é um tecto de despesa, um tecto lá muito em cima, para ninguém lá chegar.

Este quadro legislativo não corresponde à necessidade de garantir a estabilidade das previsões de investimento militar, contém mecanismos de financiamento que sobredimensionam o desperdício de verbas e define opções onde são mais relevantes as exigências decorrentes da nova conceptualização da NATO e da União Europeia do que o efectivo interesse nacional.

O Senhor Ministro da Defesa Nacional dirá que não está a fazer nem mais nem menos do que a galeria dos onze-ministros-onze que o antecederam no posto desde a aprovação da Lei de Defesa Nacional.

De facto, V. Exa. Senhor Ministro, o 12º, cumpre a regra: as LPM's vêm sucessivamente piorando, e esta 4ª LPM é inquestionavelmente pior do que a 3ª, como esta era pior que a 2ª.

Na 2ª LPM o PCP absteve-se em votação final global, sinalizando que o saldo global da Lei correspondia a um esforço orientado essencialmente para a defesa do interesse nacional.

Pelo que demonstrei não foi este o critério que presidiu a esta proposta de lei, que, a não ser profundamente alterada em sede de especialidade não corresponde ao interesse nacional e das Forças Armadas na forma como deviam ser encarados pelo Governo e por esta Assembleia da República.

 

 

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