1. ESTRUTURAS SOCIAIS E POLÍTICAS
1.1. Estrutura social e poder político
1. A sociedade portuguesa
caracteriza-se por uma extrema e duríssima dominação de classe. É o domínio dos
banqueiros, dos capitães de indústria, dos latifundiários, dos grandes da
especulação, da alta burocracia (política, administrativa, militar, económica,
clerical), do mandarinato de formação universitária – sobre os operários, os
assalariados rurais, os empregados, a maioria dos intelectuais, os estudantes e, também e
cada vez mais, os pequenos comerciantes, os pequenos proprietários rurais. Vive-se uma
dominação de tal modo deprimente que parte considerável da população activa retirou
para o estrangeiro.
Traduz-se essa dominação no contraste
entre a magreza dos salários e o esplendor dos lucros; na escandalosa repartição dos
rendimentos, que reserva aos trabalhadores uma paupérrima fatia e guarda para o patronato
a parte de leão; na violenta repressão das classes trabalhadoras a todos os níveis; na
galopante inflação, particularmente notória no que respeita às necessidades mais
elementares; em forte concentração do poder económico em poucas mãos enquanto a
esmagadora maioria do povo se encontra espoliado da posse dos meios de produção; no
sistema fiscal, ajustado aos grandes interesses; na ineficiência e no custo da segurança
social; na degradação dos hospitais e serviços de saúde; na penúria alimentar; na
especulação dos terrenos, que onera a habitação; na anarquia urbanística, que repele
os trabalhadores para periferias dramaticamente inacessíveis; na dureza das condições
de trabalho; na compressão do sindicalismo e denegação do direito a greve, mesmo como
simples meio de negociação do salário; no analfabetismo literal ou real; na severa
estratificação que barra o acesso à cultura; no obscurantismo imposto desde a escola
à informação.
2. Essa extrema dominação de classe
exerce-se no contexto de uma sociedade subdesenvolvida: a expansão das relações
capitalistas não é acompanhada de correspondente crescimento das forças produtivas. O
capitalismo, impotente para vencer a atrofia da actividade produtiva, parece confinar-se a
hipertrofia do parasitismo. Demasiadas coisas se encontram sujeitas às vicissitudes da
compra e venda: das consciências individuais às benesses do poder. A corrupção
ascendeu à posição de primeira dama do mundo oficial. O tráfego de influências atinge
proporções de crescente escândalo. A especulação parece não conhecer limites. O
capitalismo português revela-se estrutura incrustada na sobrevivência da sociedade
senhorial.
1.2. Regime político
1. O chamado Estado Novo e um
Estado militarista, policial e fascista, baseado na personalização, na concentração e
no monopólio do poder. É uma ditadura ofensiva dos mais elementares direitos do homem,
violentamente totalitária, sustentáculo da exploração do povo pelo grande capital
nacional e estrangeiro. A sua política dirige-se abertamente contra as classes
trabalhadoras, os intelectuais, a pequena burguesia e sectores da média burguesia, contra
os interesses dos portugueses em geral. O regime actual é um regime de cunho militarista,
em que as forças armadas, após violentíssimas purgas, se encontram passivamente
identificadas com o poder político. É um regime usurpador, de fachada constitucional,
criado anticonstitucionalmente e desprovido de legitimidade. Constitui a expressão
institucionalizada da opressão social e serve de sua exclusiva garantia de continuidade.
1.3. Natureza da actual fase do regime
O débil desenvolvimento dos meios de
produção do capitalismo português – onde se implantam ainda fortes sobrevivências
feudais – a par de uma desmesurada concentração da riqueza num número muito
restrito de indivíduos – provocando desigualdades e desequilíbrios sociais
profundos – explica o regime político adoptado pelo grupo dominante no nosso país
há quase meio século, a sua inerte estabilidade e a muito lenta evolução das
estruturas em que se apoia.
A ditadura fascista é ela própria,
porém, fonte de contradição e de limitações no seio do sistema, as quais após a
morte política de Salazar não manifestaram tendências para abrandar, tendo até
assumido, sob certos aspectos, formas mais agudas.
A transição do anterior ao actual
salazarismo foi imposta pelo descrédito e isolamento do regime, pelo dissídio entre um
capital habituado às antigas protecções e em parte à exploração colonial e um
capital à procura da integração europeia, e pela pressão de isolamento internacional e
do movimento anticolonial.
A situação política em Portugal não
sofreu qualquer alteração relevante com o advento de Marcelo Caetano.
A experiência dos cinco últimos anos do
regime define-se como um salazarismo disfarçado que rapidamente se transformou em
salazarismo desorientado.
1.4. Conservação das estruturas sociais e
políticas
Mantém-se e reforçam-se as estruturas
políticas e sociais do salazarismo. Agrava-se a dominação de classe. Intensifica-se o
processo de concentração capitalista. Aumenta a exploração dos trabalhadores. O
Decreto-lei nº 111/73 instituiu um regime de disciplina militar no trabalho. Persegue-se
e amordaça-se a juventude, negando-se a sua participação na vida do país.
Proletarizam-se as profissões liberais, a
intelectualidade e os pequenos proprietários, comerciantes e empresários. Acelera-se a
inflação. Congelam-se os salários mas não os preços. Fomenta-se a emigração.
Acentua-se a dependência do país em relação ao capitalismo desenvolvido, acelerando-se
e favorecendo-se a penetração do capital internacional. Prossegue e agrava-se a
repressão aos povos coloniais. Acentua-se o desprestígio de Portugal no mundo.
Mantém-se o totalitarismo e a supressão dos direitos de cidadania.
1.5. Manobra da falsa liberalização
Tão sentida e profunda é a aspiração do
povo português à liberdade que, em fins de 1968, a sucessão foi recebida com ilusão e
simpatia por algumas pessoas.
O herdeiro do poder, saudado como o homem
que iria por termo à ditadura, foi acolhido com a benevolência dispensada a um suposto
«cavalo de Tróia».
A pretensa liberalização do regime, que
muitos quiseram ver anunciada no discurso de 27 de Setembro de 1968, de Marcelo Caetano, e
em certos actos e factos sem conteúdo e de mera aparência, posteriores, não foi mais do
que uma manobra de falsa liberalização, para efeitos externos e ilusão dos ingénuos
internos. A verdade é que não houve nem há qualquer liberalização, antes se tem
reforçado a repressão e a arbitrariedade.
Disso são prova:
1. O discurso do Presidente do Conselho
de 27 de Novembro seguinte;
2. O nenhum significado da alteração
da legislação eleitoral, que continua a não permitir nem recenseamento nem eleições
sérias e dignas;
3. As eleições de 1969, que,
constituindo uma defraudação da vontade popular, opuseram um primeiro desmentido global
à promessa de liberalização, evidenciaram a recusa do regime a aceitar o jogo de uma
efectiva competição política e mostraram claramente que o Governo não quer encaminhar
o País para um regime democrático. Assim, é falso que o Governo tenha recebido qualquer
mandato do país;
4. A alteração da legislação
sindical não mais consentindo na sobrevivência de direcções livremente eleitas,
levando constantemente ao Tribunal e impugnação das eleições, e uma constante
intromissão do Governo e das polícias na vida sindical;
5. A manutenção da supressão dos
direitos de associação e de reunião;
6. A racionalização e o alargamento
da actividade policial; após alguns meses de relativo retraimento, a polícia política
lançou-se no início de 1970 em notória tentativa de recuperação. Rapidamente caminhou
para o agravamento da tortura, logo moralmente sancionada por duas leis, uma que reconhece
os suspeitos políticos como os mais temíveis criminosos (organização judiciária)
outra que expressamente denega o direito do arguido à defesa (organização da D. G. S.).
Como cúpula do sistema policial, foi conferido à polícia política þ monopólio da
competência na instrução de processos relativos aos crimes por ela mesma praticados.
Para cúmulo, as suas atribuições foram alargadas, passando a caber o exercício dos
poderes de juiz para validação das capturas aos mesmos funcionários policiais que têm
o poder de mandar prender. Em breve disporá de um sistema de numeração individual dos
cidadãos e de um ficheiro gerido por equipamento fundado em princípios cibernéticos,
para o que ficou já aberta por lei a possibilidade de violar a intimidade da vida privada
dos cidadãos. Lei dita de defesa da intimidade da vida privada. Atribui-se, por
consequência, uma máscara de legalidade a repressão, a qual passa, assim, a contar com
um grau de sistematização mais elevado. Assistiu-se ainda a um reforço da
subordinação e colaboração institucional entre os vários corpos policiais e o
exército e a polícia política; um alargamento das estruturas policiais, com o
empenhamento regular na actividade repressiva-política de corpos e entidades que até
agora só esporadicamente participavam nessa função e mesmo com a criação de novos
braços policiais (vigilantes universitários, curadores sindicais); um reforço
dos poderes policiais (designadamente com a atribuição da possibilidade de aplicar
multas em matéria política);
7. A nova lei de imprensa que,
conjugada com a declaração sobre o estado de subversão, sancionou a continuidade da
censura prévia administrativa aos periódicos, que de novo endureceu. Mais ainda: o
regime de censura alargou-se encapotadamente aos livros e aos discos e estabeleceu-se um
regime repressivo francamente mais severo;
8. O aumento da repressão contra os
estudantes, o encerramento de Associações Académicas e de Comissões pró-Associação,
as penas disciplinares aplicadas a estudantes, o assassínio do estudante Ribeiro das
Santos, a não readmissão dos professores afastados do ensino, a criação de vigilantes
– autênticos delegados da D. G. S. – nos estabelecimentos de ensino superior;
9. A nova legislação sobre
Cooperativas, com ilegal repressão e encerramento das que estavam legalmente
constituídas, submetendo-as a legislação que lhes não era aplicável, e contrariando a
jurisprudência que tinha sido fixada pelo Supremo Tribunal Administrativo. A pretexto de
separar as boas das más cooperativas, o regime deu um novo passo no sentido de limitar o
direito de associação, ameaçando de extinção as cooperativas que verdadeiramente o
sejam e extinguindo desde logo algumas;
10. A proibição das Comissões
Recenseadoras e Promotoras de voto;
11. A abolição das medidas de
segurança mas criando novas infracções e mais severas penalidades e mantendo em vigor o
artigo 67º do Código Penal que permite ressurgir, com outro nome, as medidas de
segurança, através da prorrogação de penas;
12. A conservação dos Plenários
Criminais;
13. As restrições, dificuldades e
obstáculos opostos durante, antes e depois das eleições legislativas de 1969, que não
foram nem livres nem sérias;
14. A alteração da União Nacional em
Acção Nacional Popular, dando-lhe autêntica feição de partido único, e impondo-lhe
mais rígida e coesa disciplina às ordens do Chefe;
15. Os poderes dados, na revisão
constitucional, ao Governo para estabelecer o estado de sítio e a criação de
situações de estados de subversão, permitindo facilmente suspender «ad eternum» as
liberdades fundamentais;
16. O regresso a utilização
pelo Governo dos decretos inconstitucionais n.º 25 317, de 13 de Maio de 1935 – caso
das demissões da Capela do Rato, agora também com fundamento na desobediência a ordens
policiais – e do n.º 36 387, de 1 de Julho de 1947;
17. A incriminação de elementos da
C.N.S.P.P.;
18. O reforço da Legião Portuguesa e da Brigada Naval;
19. As limitações políticas impostas
à Assembleia Nacional, através da aprovação pelos deputados disciplinados à palavra
de ordem do Chefe, de um novo regimento – após várias violações do anterior
– que retira à Assembleia Nacional e aos deputados todo o valor e poder de
fiscalização política e, até, de apresentar projectos de lei e avisos prévios, que
nem serão publicados na Assembleia Nacional, e que, portanto, ficarão ignorados do
país: isto, apesar de todos os deputados terem sido nomeados pelo poder;
20. A impossibilidade em que a
Oposição Democrática continua de poder organizar-se legalmente e com permanência e
direitos iguais à A.N.P.;
21. O facto da A.N.P. dispor de
todas as facilidades de toda a ordem, incluindo instalações, meios financeiros e
jornais, monopolizando o direito à vida política nacional, como se o País fosse uma
propriedade privada sua e do seu chefe, o Presidente do Conselho.
Os últimos anos correspondem, pois, a um
período da história da ditadura fascista marcado por um recrudescimento repressivo geral
(domínios político, sindical, escolar, associativo, disciplinar – administrativo,
militar, etc. ... ).
Esse recrudescimento repressivo e
determinado, em última análise, pela amplitude e pelas novas características assumidas
pelas lutas políticas, económicas e sociais contra a ditadura e a classe dominante.
Com efeito, inserindo-se no novo
condicionalismo criado com a subida ao poder de Marcelo Caetano, a oposição política e
social à ditadura e à classe dominante adquiriu um caracter mais aberto e
generalizado, empenhou activamente novas camadas da população, enraizou-se mais
profundamente nas reivindicações e descontentamentos sociais e profissionais, progrediu
no domínio das formas e dos métodos de acção, adquiriu uma poderosa dimensão de
massa.
Esta escalada da repressão é reflexo do
isolamento social e político da ditadura, que já não pode recorrer a outras formas de
contenção e enquadramento dos movimentos e grupos sociais, pois é cada vez maior o
leque de sectores afectados pela política do regime. Fica assim provado que o regime não
comporta, nem pode comportar quaisquer possibilidades de evolução.
1.6. Fracasso das tentativas de reformas
inviáveis
Para responder a dificuldades levantadas à
conservação da aliança do poder, foi proclamada, após o episódio da sucessão, uma
mudança, de pendor reformista, na linha governativa. O objectivo desse reformismo
situava-se essencialmente na tentativa de lançar o País na via do crescimento
industrial. Para isso foi anunciada uma reforma de indústria, que, em conjugação com a
reforma da educação e a liberalização do corporativismo, deveria encaminhar o País no
sentido do capitalismo moderno. A anunciada reforma da indústria, de sentido
produtivista, não atenuou a estagnação económica nem impediu o agravamento do
parasitismo, da especulação financeira e da corrupção. A reforma da educação, como a
reforma da saúde, não se mostrou consciente da necessidade de vencer os obstáculos
sociais que a condenam. A liberalização do corporativismo revelou-se inaceitável tanto
pelo Governo como pelo patronato, cujo poder se reconhece inseparável da compressão
corporativa. É patente o fracasso da experiência reformista que nunca pretendeu pôr em
causa a extrema dominação de classe ou a profunda dependência do país, procurando
simplesmente modernizá-las.
São inviáveis quaisquer medidas de
política económica que, para vencer o subdesenvolvimento, visem apenas o crescimento do
produto nacional bruto e não ponham em causa o predomínio da iniciativa privada, a
estrutura agrária, a mentalidade sumptuária, o constrangimento da expansão cultural, a
escassez do mercado interno, a asfixia da iniciativa popular pelas instituições
políticas e sociais.
Incapaz de vencer o subdesenvolvimento e a
fragilidade produtiva, o capitalismo não suporta um jogo democrático nem no plano
sindical nem no plano político. Um sindicalismo livre tornaria os trabalhadores
conscientes dos seus direitos e fá-los-ia cidadãos aptos a recusar na prática o sistema
da opressão social. Uma liberalização no plano político, mesmo limitada, exporia a
oligarquia a riscos muito superiores à sua capacidade política defensiva.
A solução dos problemas fundamentais do
povo português não pode esperar-se de uma evolução do regime, que é verdadeiramente
incapaz de os resolver.
A experiência do fracasso das tentativas
de reforma reveste-se do maior interesse teórico e prático. É o capitalismo, e não
apenas um governo ou um regime, quem está fracassando: mostra-se incapaz de promover o
desenvolvimento do país. Verifica-se impraticável a transição do senhorialismo
burguês ao neocapitalismo e, por maioria de razões, a democracia burguesa, embora se
admita como provável a evolução para uma tecnocracia autoritária ao serviço de uma
oligarquia renovada.
1.7. Desprestígio e impopularidade do
regime
Alastra o descontentamento e cresce a
politização e combatividade das massas populares. É cada vez maior e mais vigorosa a
oposição ao Regime: dos trabalhadores de todos os sectores, incluindo os funcionários
públicos, dos intelectuais, dos profissionais livres, da pequena e de alguns sectores da
média burguesia, das comunidades religiosas e de sectores cada vez mais importantes do
clero católico.
1.8. Crise do regime
A ditadura fascista é fonte de
contradições, as quais após a morte política de Salazar não manifestaram tendência
para abrandar, tendo até assumido, sob certos aspectos, formas mais agudas.
Assim se tem assistido ao agravamento
progressivo dos grandes problemas nacionais e à manifesta incapacidade do regime para os
resolver; ao alastramento do descontentamento da população e ao crescente alargamento da
actividade democrática em todo o País.
Continuando a dispor de uma muito escassa
margem de manobra, cada vez mais reduzida, não tendo conseguido alargar a base política
do seu apoio nem podendo empreender, por serem de ordem predominantemente estrutural, as
transformações que fundamentalmente se impõem, o regime continua sem perspectivas de ir
além de formas pouco evoluídas de capitalismo e de uma ditadura fascista que, fora
pequenas diferenças no estilo pessoal de governar, se encontra na perfeita continuidade
do salazarismo. É cada vez maior o número de portugueses cujo interesse
objectivo consiste na abolição do regime.
2. PORTUGAL NO MUNDO
Portugal é uma base do imperialismo e é
um país acentuadamente dependente dos países de capitalismo desenvolvido. Por seu lado,
o capitalismo português e, em grande parte, um capitalismo subordinado aos interesses
estrangeiros. Implantado por iniciativa estrangeira, de acordo com objectivos
estratégicos estrangeiros, directamente controlado do estrangeiro – atraído pelo
baixo preço da mão-de-obra portuguesa, pela benevolência do fisco português, e pela
complacência das autoridades portuguesas – é um capitalismo modesto na importação
de tecnologia, mas exigente na exportação de lucros. Sobretudo desde o início das
guerras coloniais o regime apela, persistentemente, para os investimentos e empréstimos
estrangeiros, hipotecando o futuro do país.
A participação de Portugal na N.A.T.O.
agrava esta dependência e expõe o país aos riscos de uma intervenção militar
estrangeira. Sucessivas cedências atraem a cumplicidade de alguns países de capitalismo
avançado, mas a sua política colonial arrasta-o para um progressivo isolamento
diplomático, ainda que esta política seja apoiada pelos governos mais reaccionários dos
países signatários do Tratado do Atlântico Norte.
a) Portugal e o Mercado Comum
A política de desenvolvimento do
reformismo e sobretudo uma política de internacionalização do capital. Proclamando uma
adequação às exigências da competição no plano externo, está de facto a agravar um
ajustamento às novas exigências de penetração do capital estrangeiro. O acordo
comercial com a Comunidade Económica Europeia – previsto há longos anos –
surgiu como uma surpresa para a qual o Governo nunca seriamente preparou o terreno e
agravara ainda mais a situação das exportações portuguesas e o défice da balança
comercial.
Na conjuntura europeia e mantendo-se as
estruturas capitalistas no nosso país, não havia qualquer alternativa de decisão no que
se refere à nossa ligação ao Mercada Comum.
Os países membros do Mercado Comum tem
estruturas políticas democráticas e estas são consideradas condição essencial para
uma adesão a essas comunidade. E por isso algumas pessoas pensam que o facto de nos
ligarmos ao Mercado Comum levaria a uma transformação das nossas estruturas no sentido
da sua democratização. São, no entanto, previstas outras formas de ligação, mais
ténues, das quais a mais diluída é a do acordo comercial, que foi a adoptada no caso
português. E este tipo de acordo não prevê aquelas condições de ordem política, nem
aquando da sua assinatura, nem posteriormente.
Repare-se, contudo, que estes acordos devem
ser considerados como etapas transitórias que hão-de levar à adesão. Mas o Mercado
Comum foi formado e mantém-se porque era a estrutura económica que satisfazia melhor as
necessidades e desejos dos grupos monopolistas internacionais ao criar, para estes, os
grandes espaços económicos. E através de acordos de tipo comercial, que,
progressivamente, se vão alargando, será possível chegar a esquemas de ligação
satisfatórios para aqueles grupos dominantes.
Por outro lado as estruturas ditatoriais
nos países ligados ao Mercado Comum não impedem, antes facilitam, a penetração e
domínio do capital estrangeiro e não é portanto de esperar qualquer tentativa no
sentido de levar esses países a adoptarem estruturas democráticas.
Portanto, se as massas trabalhadoras
quiserem, efectivamente, estabelecer um regime democrático e progressivo, hão-de
conquistá-lo e sabê-lo defender perante o aparecimento conjugado dos grandes grupos
monopolistas, e da grande maturidade política de cada povo resultará ou não o conjunto
de tentativas que fizerem para conquistar as estruturas democráticas e socialistas.
b) Portugal e a cooperação e segurança
europeias
A guerra fria e a política de blocos só
tem aproveitado ao fascismo, como provam os casos de Portugal, Espanha e Grécia. Pelo
contrario, a segurança e a paz na Europa – factores decisivos da paz mundial –
e a política de desanuviamento, que hoje o Continente atravessa tem que fatalmente
favorecer a luta pela democracia no nosso país. O destino do povo português está, desta
forma, intimamente ligado ao da Europa.
A existência de regimes fascistas na
Europa é, por seu lado, um entrave à paz, à segurança e à cooperação no nosso
continente. E, necessariamente, forçar estes regimes a participar de facto num sistema de
segurança colectiva e de cooperação e abrir aos povos sujeitos a tais regimes novas
perspectivas de luta pela sua libertação.
Forçar o governo português a subscrever
um tratado de segurança e cooperação europeias e a cumprir os acordos estabelecidos é
uma tarefa que se impõe, portanto, às forças democráticas do nosso país.
Consciencializar a opinião pública do nosso país nesse sentido é ajudar o nosso povo a
forjar mais um instrumento de luta contra o regime ditatorial que há cerca de 50 anos o
explora.
A luta do povo português pela paz e pela
democracia está assim intimamente ligada à luta pela segurança e cooperação europeia
ou, numa perspectiva mais vasta, à luta pela paz e cooperação de todas as nações do
mundo.
3. PROBLEMA COLONIAL
As guerras para que o Governo arrastou o
país nos territórios de Angola, Moçambique e Guiné – empreendidas para manter um
domínio colonial de exploração e opressão – tem perturbado profundamente toda a
nossa vida política, social e económica, afectam ainda mais profundamente os povos
daqueles territórios, impedem a nossa colaboração para a paz e o progresso universais e
acentuam o nosso isolamento internacional. Apesar da gravidade das suas consequências, o
Governo persiste em proibir qualquer debate sobre os problemas por elas implicados. Ao
proceder desse modo, o Governo mostra a fraqueza da sua posição e reconhece
implicitamente que os resultados de tal debate lhe seriam desfavoráveis.
As razões oficialmente apresentadas para a
política seguida assentam no escamoteamento das condições que permitiram a eclosão dos
conflitos armados. Com efeito, a história da colonização portuguesa em África assenta
na opressão secular de gerações e gerações de africanos; comércio de escravos,
guerras de ocupação do interior, trabalho forçado, espoliação de terras em proveito
dos colonos brancos e das grandes companhias coloniais nacionais e estrangeiras,
discriminação racial, colonização cultural com destruição dos valores espirituais
dos africanos, desrespeito total pelos direitos cívicos, repressão política. Ao recusar
uma solução pacífica para a situação criada, repetidamente proposta pelos Movimentos
de Libertação, o Governo de Oliveira Salazar só lhes deixou aberto um caminho:
responder à violência dos exploradores com a violência libertadora dos oprimidos.
Cabe-lhes, pois, toda a responsabilidade pela eclosão das guerras.
O desencadeamento das guerras levou o
Governo a acentuar ainda mais a opressão sobre os povos africanos: entrega das riquezas
das colónias a grupos económicos estrangeiros, alargamento da prática do trabalho
forçado, agravamento do racismo, espoliação de terras, chacinas de populações civis,
destruição de culturas agrícolas, obrigando a êxodos maciços das populações,
concentração forçada das populações em «aldeamentos» semelhantes a campos de
concentração, tortura e fuzilamento dos prisioneiros de guerra, internamento sem
julgamento e por período indeterminado em campos de concentração de milhares de pessoas
por mera suspeita, estreitamento das alianças com os regimes racistas da África do Sul e
da Rodésia.
Por outro lado, a guerra tem tornado ainda
mais trágica a situação do povo português: mobilização da juventude para um dos mais
longos e difíceis serviços militares de todo o mundo, que leva à emigração de
milhares de jovens; mais de 10.000 mortos e 20.000 jovens estropiados; grave deformação
das mentalidades; agravamento das restrições impostas às liberdades públicas;
agravamento dos impostos; quase metade do orçamento consagrado às «despesas de defesa e
segurança»; agravamento substancial do custo de vida; perda dos mercados de muitos
países que se opõem à política colonial; progressiva venda do país a empresas
estrangeiras; reforço do poder político de certos grupos económicos e de uma casta
política e militar que beneficiam profundamente com o prosseguimento da guerra. A
política do Governo é, pois, uma política antipatriótica.
Agravando as razões que a originaram, não
pode a guerra deixar de alastrar e acabar por vir a criar graves dificuldades à
execução dos próprios projectos reformistas do desenvolvimento capitalista.
Na tentativa de achar uma saída para o
impasse a que a guerra conduzira o regime, Marcelo Caetano preconizou uma via de
«autonomia progressiva do governo das províncias» e de «participação crescente das
populações nas estruturas políticas e administrativas», justificando a guerra não já
por razões históricas mas pela necessidade de defender as vias e bens das populações
contra os ataques dos «terroristas». Porém, a revisão constitucional, a Lei Orgânica
do Ultramar, e os estatutos político-administrativos das colónias são textos
suficientemente ambíguos e prudentes para nada alterarem de essencial, revelando
outrossim as contradições com que o regime se debate: a autonomia administrativa
concedida é muito reduzida e a participação das populações sujeita aos métodos
antidemocráticos já usados que lhes anulam qualquer autenticidade. Incapaz, pois, de
impor uma solução federalista pura com hegemonia branca e colaboração de uma pequena
burguesia negra, impossibilitado pela sua própria natureza antidemocrática e pelo ódio
racial acumulado de promover uma autentica e generalizada participação das populações
na gestão político-administrativa dos seus territórios, obrigado a um estreitamento das
alianças com os regimes racistas da África Austral e a entrega das riquezas das
colónias a poderosos grupos estrangeiros, o governo de Marcelo Caetano fracassa
estrondosamente na resolução do problema que mais condiciona a sua tentativa de levar a
cabo um reformismo capitalista, pois a guerra, longe de se atenuar, agrava-se ainda mais,
já que intactos e mesmo acrescidos se mantêm os motivos que lhe deram origem.
4. LUTAS DEMOCRÁTICAS E SUAS PERSPECTIVAS
4.1. Experiência de luta
O Movimento Democrático soube aproveitar a
abertura que o regime concedia, por ocasião das «eleições» para mostrar ao país a
natureza antidemocrática do «Estado Novo». Uma parte importante da população
assimilou a experiência de várias campanhas «eleitorais», e a sua parte politicamente
mais activa atingiu hoje uma consciência política clara sobre a natureza do regime e o
significado das «eleições».
A participação da Oposição Democrática
nas «eleições» de 1969 foi amplamente positiva, sobretudo por terem participado na discussão
dos seus problemas largas camadas da população nas reuniões de trabalho e de propaganda
eleitoral.
A campanha «eleitoral» levada a cabo em
1969 pela Oposição Democrática foi além do mais um poderoso instrumento contra as
«ilusões eleitoralistas».
A autorização para a realização do III
Congresso, embora seguindo-se a três anos de proibição, não deverá, ser considerada
como «generosa dádiva» governamental, mas sim como «conveniência necessária» do
regime face à luta das forças oposicionistas e à denúncia do caracter antidemocrático
e colonialista no plano internacional: tendo em vista o ano de eleições.
A participação maciça dos democratas foi
positiva, por representar uma intervenção popular efectiva, que pôs a nu a falsa
liberalização do regime, que fez a analise crítica da situação por ele criada,
desmascarando e protestando contra limitações impostas e acções intimidativas e
repressivas.
Foi positiva a acção dinamizadora que o
III Congresso desempenhou ao longo do país para o fortalecimento do Movimento
Democrático em cada distrito e sua extensão a mais vastos sectores da população.
4.2. Perspectivas e meios de acção da
Oposição Democrática
4.2.1. Perspectivas de luta
Só o Povo, com a classe trabalhadora na
vanguarda, pode salvar o país. Há que despertar, por isso, camadas cada vez mais largas
do Povo, vítima da exploração do grupo dominante. As perspectivas da Oposição
Democrática devem estar viradas para acções de massas que irmanem na mesma luta
operários, camponeses, intelectuais, empregados, pequenos e médios comerciantes,
industriais, agricultores, estudantes, etc. O radicalismo e o sectarismo são
incompatíveis com o desenvolvimento do Movimento; as acções do Movimento devem ser
massivas e abertas, e nelas devem participar todos os que se opõem à política
antidemocrática, antipopular, antinacional e colonialista do regime. A ampla
participação das classes trabalhadoras é a pedra fundamental do Movimento, pois elas
são a maior força da Oposição Democrática e as mais atingidas pela política
repressiva e exploradora do regime. A escolástica do regime abre um largo campo de
acção às forças democráticas. Devem aproveitar-se as carências, insuficiências,
erros, abusos e violências dessa política para esclarecer e motivar as populações. O
sentir real dos vários grupos sociais, homogéneos ou heterogéneos, constitui razão
imediata de actuação. O desenvolvimento das acções e reivindicações determinará a
crescente politização do Povo. As acções iminentemente políticas haverão de estar
também e sempre presentes, com caracter prioritário. A diversidade de acções
possíveis e o aumento das iniciativas podem definir-se como acções múltiplas de
base unitária. São inúmeras as hipóteses a estudar para o lançamento de
acções mobilizadoras de grupos de cidadãos.
De uma análise objectiva da situação no
nosso país ressaltam com maior nitidez os objectivos que deverão ser perseguidos pela
luta democrática, o que é de fundamental importância no sentido do planeamento da
acção, da escolha dos instrumentos e dos meios mais adequados e da mobilização e
concentração dos esforços. Tal determinação não deverá implicar, porém, segundo um
processo formal e puramente teórico, uma visão esquemática de encadeamento inevitável
das fases da luta. Dever-se-á ter sempre presente que no próprio processo da luta se
engendram situações inesperadas e que o ritmo de evolução destas é variável, pelo
que se deverá estar permanentemente atento à influência recíproca com outros planos de
actividade e ao ajustamento constante em relação à evolução das condições. Daí, a
necessidade dos objectivos imediatos e parciais não serem confundidos com os objectivos
fundamentais, mas deverem ter estas sempre presentes, bem como uma visão global.
Embora sujeita a todas as espécies de
limitações, a Oposição Democrática é uma realidade na vida política nacional. O
próprio Governo foi forçado a reconhecê-lo autorizando a realização deste Congresso.
Os democratas prosseguirão na luta pela conquista do seu direito à intervenção na vida
nacional impondo uma presença cada vez mais activa.
LUTA CONTRA A REPRESSÃO
E PELAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS
É tarefa urgente o alargamento e contacto
directo com cada vez mais amplas camadas populares na luta contra a repressão, pela
libertação de todos os presos políticos, pelo regresso dos exilados e reintegração
nos seus cargos dos demitidos por motivos políticos incluindo os que se recusaram a tomar
parte na guerra colonial, pela extinção da polícia política, da Censura e dos
Tribunais especiais, pela liberdade de expressão, reunião e associação, pela
formação de partidos políticos, pela liberdade sindical e pelo reconhecimento do
direito à greve.
É urgente denunciar o significado
político de cada iniciativa legislativa em concreto, e de um modo geral, da nova máscara
«legalista» do Governo.
É urgente denunciar o braço judicial da
D.G.S., o Tribunal Plenário, isolando-o e marginalizando-o em relação ao conjunto da
magistratura.
É urgente denunciar a polícia política e
os seus crimes, estendendo-se tal denúncia a todos os aparelhos e agentes repressivos que
com ela colaboram.
É urgente denunciar a Censura e a
justificação da Lei de Imprensa.
LUTA CONTRA A GUERRA COLONIAL
É urgente empreender uma larga campanha
sobre as consequências da guerra colonial, forçando o debate tão amplo quanto possível
com as populações.
É urgente o desenvolvimento de uma ampla
campanha nacional exigindo o fim da guerra e a abertura imediata de negociações com os
movimentos de libertação das colónias na base do reconhecimento do direito dos povos
das colónias à autodeterminação e à independência.
É urgente a denúncia dos crimes de guerra
cometidos pelo exército colonial.
APOIO À LUTA DOS TRABALHADORES, LUTA
CONTRA A CARESTIA DA VIDA E CONTRA O CONGELMENTO DE SALÁRIOS
É urgente apoiar as reivindicações dos
trabalhadores nomeadamente pelo aumento de salários e pela revogação do decreto de
congelamento de salários, contra os despedimentos e o desemprego.
É urgente a mobilização das populações
contra o aumento do custo de vida sobretudo nos aspectos mais sentidos: renda de casa,
alimentação.
É urgente estimular a acção
reivindicativa das populações pela resolução dos problemas locais e regionais
(transportes, educação, saúde, habitação, etc.).
É urgente o desenvolvimento da
movimentação popular contra os monopólios e a submissão ao imperialismo.
Em face das condições que ficaram
descritas e dos objectivos que delas se extraem, poderá, ser muito larga a mobilização
das forças sociais em torno dos objectivos da acção democrática. Tal amplitude, longe
de representar uma limitação e um entrave ao desenvolvimento da luta constitui, nesta
fase, uma condição importante para um maior alargamento e profundidade da acção. Não
existe, pois, como artificialmente alguns defendem, inconciliabilidade absoluta entre
massas trabalhadoras e camadas desfavorecidas da burguesia, na medida em que a luta em
torno dos objectivos democráticos fundamentais têm o carácter de uma verdadeira luta
popular e serve os interesses das massas trabalhadoras.
Os interesses dos trabalhadores estão
intimamente ligados ao desenvolvimento da Oposição Democrática, mas é contra os seus
interesses transformar o Movimento Democrático num movimento de classe como preconizam
alguns teóricos pretensamente defensores dos trabalhadores. Os trabalhadores devem
integrar-se nos organismos próprios para o desenvolvimento da sua luta de classe mas cabe
ao Movimento Democrático divulgar as lutas dos trabalhadores, delas extrair conclusões
políticas que sirvam a luta geral do povo português e apoiar as suas justas
reivindicações.
Adormecida, humilhada, espezinhada, a
maioria do povo português vive inconsciente da sua própria força e não conhece os seus
direitos. Mas se as forças democráticas dispuserem de alguns meses de liberdade de
acção, a fisionomia social do país modificar-se-á radicalmente. Os potentados não
resistirão ao ataque conjugado da burguesia que expropriam e do proletariado que
exploram.
4.2.2. Organização
O aproveitamento das condições existentes
e a criação de outras só é possível com formas organizativas capazes; o espontaneismo
não pode arvorar-se em método de trabalho. As formas de organização serão ditadas
pelas acções e sua articulação bem como pela natureza e composição dos fenómenos e
grupos sociais abrangidos e ainda por razões de âmbito geográfico-administrativo.
Assim – e reportando-nos apenas a
tipos de organização legal imposta ao regime pela pertinácia na luta –,
poder-se-ão pensar três grandes grupos:
1. Formação ou manutenção de
movimentos ou acções específicos, permanentes ou temporários;
2. Incremento e difusão de movimentos
sócio-profissionais independentes e permanentes;
3. Activação de movimentos políticos
permanentes, de âmbito geográfico e administrativo, de caracter permanente. Existe
unanimidade de pontos de vista quanto à radicação em comissões de base. O
processo democrático deliberativo e electivo da base para o topo está suficientemente
provado e é irreversível, pelo que devemos impulsionar o seu alargamento. Os processos
cupulistas fecham o Movimento à participação efectiva das massas, razão porque são
inadmissíveis. A incorrecta, por exagerada, concepção da relação base/topo é
emperrativa da acção do Movimento e não tem nada de comum com o poder electivo e
deliberativo das bases; deve, por isso, ser combatido.
Só os progressos da consciência
democrática e popular e as acções verdadeiramente implantadas num movimento de massas
transformarão de um modo substancial a correlação de forças. Por outro lado,
uma crise geral do regime, provocada, por exemplo, pela secessão branca em Angola ou
Moçambique ou a abertura de negociações com o P.A.I.G.C. – soluções para que
crescentemente se inclinam importantes sectores do regime – oferecerá condições
excepcionais ao desenvolvimento da luta democrática e popular e pode criar uma dinâmica
de consequências irreversíveis desde que no momento crucial se verifique intervenção
adequada e oportuna da Oposição Democrática. Também a conjuntura financeira nacional
– expressa nas altas especulações com valores de bolsa sem correspondência a
desenvolvimento económico, na inflação, no crescimento da circulação monetária e da
dívida pública interna e externa, no astronómico desequilíbrio da balança comercial,
na corrupção administrativa, na luta desenfreada entre os grupos monopolistas e na
penetração acelerada do capital imperialista estrangeiro – converge
inevitavelmente, a mais curto ou longo prazo, para crise de idêntica natureza à atrás
referida, com as mesmas exigências de luta e intervenção populares e democráticas.
A estrutura do Movimento Democrático deve
processar-se sempre a partir das comissões de base e de coordenação e direcção, em
moldes democráticos. É essencial a prática constante da decisão, nas comissões de
base, dos problemas de orientação e organização do Movimento, sem prejuízo do papel
que compete às estruturas intermédias e de coordenação, pois a existência de
comissões dirigentes e também absolutamente indispensável ao êxito da acção do
Movimento.
Só uma sólida implantação nas camadas
populares abre a Oposição Democrática a possibilidade de uma acção eficaz. Impõe-se
o lançamento de unidades de base (à escala local, profissional ou outras), estimuladas
por uma iniciativa global, voltadas para a acção prática ao seu nível específico, mas
aptas a uma activa participação no movimento geral, decididas a vencer a tendência para
se fecharem sobre si mesmas, atentas à necessidade de evitar a discussão ideológica
pela discussão ideológica ou a contestação pela contestação, que afastam a maioria
dos potencialmente interessados e conduzem à esterilidade prática e ao intelectualismo
vazio.
As comissões de base ir-se-ão agrupando,
através de representantes eleitos, em comissões de rua, bairro, lugar, fábrica,
freguesia, concelho e distrito.
O Movimento Democrático deve, pois,
procurar constituir nos distritos com um mínimo de condições para tal, ou continuar a
alargar nos principais, as seguintes estruturas que se consideram indispensáveis
(adequadas as particularidades de cada distrito) para a formação ou reforço de um
autêntico Movimento vinculado às massas, educando pela participação, assentando os
seus objectivos nas suas lutas reivindicativas:
– Plenário Distrital;
– Comissão Distrital;
– Comissões de freguesias e
concelhias;
– Comissões políticas profissionais
(as sócio-profissionais, as comissões de trabalhadores), da juventude trabalhadora e da
juventude estudantil, comissões de mulheres.
Julga-se imperiosa a criação de órgãos
permanentes no plano nacional, pelos motivos seguintes:
1. Único modo de se ter uma visão do
conjunto das acções;
2. Possibilidades de coordenar as
actuações dos vários movimentos e de manter uma informação de nível nacional;
Meio de ajudar movimentos e de acelerar a troca de experiências;
Possibilidade de resposta acelerada a situações novas;
Estabelecimento de contactos internacionais;
6. Processo de funcionamento de
secretaria a nível nacional, no intervalo dos plenários nacionais.
A todos os níveis devem observar-se os
seguintes princípios:
Respeito pela vontade popular, expressa nas discussões de base;
Representatividade obtida por processo electivo;
3. Rotação de quadros dirigentes;
4. Prática da fiscalização
democrática a todos os níveis.
Devem estabelecer-se as indispensáveis
regras de segurança para garantir a continuação eficaz das acções. É necessário um
planeamento da acção política, como garantia da continuidade e fortalecimento do
Movimento.
A luta da Oposição Democrática, neste
país, não tem significado se nos seus objectivos não estiver o propósito de
desencadear acções de massas que imponham a sua legalidade.
Neste sentido, todas as formas que conduzam
a uma clandestinização da luta democrática são condenáveis, pois contrários à
abertura pública e à largueza mobilizadora com que aquela deverá processar-se. O que
não significa, de modo algum, desprezo pela importância de formas clandestinas de luta,
mas o conhecimento de que os dois planos não deverão confundir-se embora possam ser
complementares. Para além, pois, deste perigo no âmbito das acções democráticas,
existe ainda o do legalismo, isto é, a movimentação democrática acabar por se
auto-limitar de acordo com as regras impostas pelo Governo.
É à política de intransigência,
brutalidade e violência que o fascismo tem vindo a exercer sobre o povo português que
haverá que assacar a verdadeira responsabilidade pelas formas violentas que a luta
política assume ou venha a assumir em Portugal.
4.2.3. Unidade
Só a unidade na acção dos oposicionistas
poderá pôr termo à ditadura fascista e construir um Portugal democrático, livre e
independente. É necessário e urgente o reforço da unidade de todas as forças
democráticas empenhadas em lutar efectivamente contra o regime e o sistema. A unidade da
Oposição Democrática consiste em conjugar esforços na acção e para a acção, no
respeito pela diversidade das posições ideológicas.
É dever de todos os democratas manterem-se
unidos na obtenção do objectivo fundamental de lutar por todos os meios ao seu alcance
pela instauração da democracia.
A questão central do Movimento é pois
concretizar na acção a identidade de objectivos essenciais que, na actual fase da luta,
existem, no plano social, entre as classes e camadas não monopolistas, no plano
político, entre os diferentes sectores da Oposição Democrática. Para isso é
fundamental atrair e mobilizar desde aqueles que sempre lutaram pela democracia, e pelo
povo, aos que chegam à luta e lhe insuflam novas forças, até aqueles que são
susceptíveis de serem ganhos para a luta democrática. Verifica-se que, efectivamente, os
esforços visando a unidade estão rapidamente a alcançar êxito. Ao nível das
principais tendências pode-se afirmar, hoje, que a unidade é um facto, no plano dos
objectivos e da organização. O movimento vai assumindo o sentido real e concreto de uma
frente ampla e unitária contra o regime.
O III Congresso da Oposição Democrática
contribuirá decididamente para a unidade na acção, frente ao actual regime, de todas as
forças oposicionistas democráticas.
4.2.4. Próximas eleições
As próximas eleições para deputados
abrem largas perspectivas ao Movimento Democrático. Devem ser encaradas como um período
excepcional para a abertura do Movimento a todas as camadas populares. Esse período, o
ano eleitoral no seu todo, oferece condições favoráveis para um aproveitamento
organizativo. Deve-se, pois participar nelas, aproveitando as mínimas garantias de
actuação política para desenvolver uma larga batalha de massas pelos objectivos
democráticos fundamentais. Sem quaisquer ilusões (ou erros) eleitoralistas que
condicionem ou desviem o Movimento, deve este procurar organizar-se visando a sua
continuação para além das «eleições», encaradas como e apenas um momento alto da
sua acção pela Democracia.
Um aproveitamento correcto das eleições
por parte da Oposição Democrática não dá, ao Regime qualquer legitimidade, antes pelo
contrário, obriga-o a desmascarar-se, logo, é politicamente importante.
O período eleitoral deve ser encarado
fundamentalmente como um período em que a Oposição deve traçar um diálogo com o Povo,
com ele discutindo opções políticas, económicas e sociais;
Deve-se proteger contra as medidas
restritivas, intimidativas e repressivas que o Governo usou para que o Recenseamento
Eleitoral não passe de um instrumento ao serviço do regime.
Deve-se discutir amplamente com as massas
populares o correcto aproveitamento das «eleições», no contexto dos seus problemas.
4.3. Objectivos da luta democrática
A solução do problema português implica
a transferência do poder da oligarquia para as camadas populares.
Cumpre basear a democracia portuguesa no
respeito da legalidade democrática e garantir a neutralidade doutrinária do Estado, um
regime ilimitadamente pluralista e pluripartidário, a vigência das liberdades públicas,
a formação do poder por delegação representativa do sufrágio universal, a separação
dos poderes, o controlo do executivo pelo legislativo, a democratização da
administração local, a eficiência e racionalidade da administração, a legalidade dos
actos administrativos e seu controlo judicial, a plena judicialidade do processo penal em
todas as fases. A transição ao socialismo e à construção do poder dos trabalhadores
operar-se-á no quadro de tais instituições, no estrito respeito da legalidade
democrática e unicamente nesse contexto.
A instauração da democracia política e
inseparável da investigação e aplicação de um modelo de desenvolvimento que promova
não apenas o crescimento económico mas também uma transformação estrutural da
sociedade no sentido de uma evolução anticapitalista.
Cumpre assegurar o pleno emprego de todos
os cidadãos, e colocar a política económica ao serviço do progresso social e da
elevação do nível de vida dos trabalhadores. Dar prioridade aos programas de
educação, saúde, habitação popular e segurança social. Desenvolver uma política de
fomento económico e promoção social das zonas predominantemente rurais. O êxito dessa
orientação supõe que os trabalhadores disponham de inteira liberdade sindical
(incluindo o direito à greve) e conquistem o direito de participar no planeamento,
na execução e no controlo da política económica e social.
Cumpre introduzir profunda alteração na
esfera do direito de propriedade como primeiro passo para a instauração do socialismo; a
socialização do sector bancário e financeiro e das empresas beneficiárias de
privilégio político, com respeito pelos interesses dos pequenos accionistas e dos
pequenos depositantes; um plano de desenvolvimento assente no controlo estratégico dos
sectores-chave da economia pela extensão do sector público; uma reforma agrária pelo
estímulo a cooperação nas zonas de minifúndio e pela expropriação dos latifúndios.
Mas só no quadro de uma sociedade socialista os grandes problemas nacionais receberão
solução estável, uma sociedade onde os meios de produção sejam propriedade colectiva,
o poder expressão da vontade popular e a cultura obra da capacidade criadora de todos.
Cumpre praticar efectiva política de
descolonização, reconhecendo o direito dos povos das colónias à independência total e
entrando em conversações com os Movimentos de Libertação, com vista à concretização
dos seguintes objectivos: cessar fogo imediato; libertação de todos os prisioneiros
políticos e de guerra; retirada integral das forças militares e policiais portuguesas;
transferência de todos os poderes políticos e administrativos. Ficam, assim, criadas as
condições para a elaboração de um acordo para o desenvolvimento de um estreito
intercâmbio cultural e económico entre Portugal e os novos Estados num plano de
cooperação e igualdade entre as partes. As linhas de solução enunciadas são as
únicas que permitirão terminar com a guerra, extirpar os ódios, dar a Portugal a
possibilidade de contribuir para o progresso dos territórios africanos em fraterna
colaboração com os respectivos povos, abrindo-nos as portas da amizade e da cooperação
de todos os povos do mundo e libertando-nos da vergonhosa aliança com os regimes racistas
da Rodésia e África do Sul.
ANEXO I
A LEGITIMIDADE DO PODER CONSTITUÍDO
Pelo movimento militar de 28 de Maio
de 1926, instituiu-se uma ditadura militar.
A dissolução do Congresso da República
em 9 de Junho de 1926, pelo Decreto nº 11.711, é um acto nulo de pleno
direito por isso que se não respeitou o artigo 47º da Constituição, segundo a
substituição aprovada pela revisão que originou a Lei 891, de 22 de Setembro de 1919,
pois não houve prévia consulta ao Conselho Parlamentar, nem foi fixada data, dentro dos
40 dias imediatos, para eleição de novo Congresso.
Toda a legislação emanada do Governo,
posterior a 28 de Maio de 1926, na parte em que contrariou os preceitos constitucionais,
é nula de pleno direito, e ninguém lhes devia ou deve obediência (§ 8º do
artigo 47º da Constituição Política de 1911).
Assim, são nulos de pleno direito os
decretos-lei que legislaram sobre a eleição do Presidente da República e sobre o
plebiscito da Constituição de 1933, e todos os decretos com força de lei de Abril de
1933, por força da mesma disposição constitucional de 1911, que era a que vigorava, a
qual só podia ser modificada ou substituída legitimamente por uma eleição, ao abrigo
da lei eleitoral vigente em 28 de Maio de 1926, de um Congresso da República com poderes
constituintes, que discutisse e votasse uma nova Constituição.
Foi nulo de pleno direito o Acto Colonial
de 8 de Julho de 1930, aprovado pelo Decreto nº 18.570, como o foi a sua republicação
na Constituição de 1933.
Mesmo que, e não é esse o caso, não
fosse inconstitucional a Constituição de 1933, todos os decretos-lei sobre direito de
reunião, expressão de pensamento, republicando o Acto Colonial, estabelecendo a
composição e funcionamento do Conselho de Estado, eram inconstitucionais em face da
própria Constituição de 1933, por desrespeito das normas do seu artigo 108º, pois
tinham obrigatoriamente de ser, e não foram, submetidos a ratificação da Assembleia
Nacional, nos primeiros cinco dias após a sua eleição.
Logo, o Governo nunca se legitimou, e foi e
continua a ser usurpador.
Porque se apoia essencialmente nas Forças
Armadas, que fizeram a revolução de 28 de Maio, e num aparelho de repressão, e numa
organização corporativa de partido único, e numa propaganda organizada, além de uma
polícia política de poder discricionário, do controle dos meios de informação e do
livro, do proteccionismo ao grande capital nacional e multinacional, de uma constante
intervenção na vida sindical, limitando-lhes as possibilidades de se autogerirem
livremente, porque não houve jamais, desde 1926 até ao presente, eleições livres e
honestas, com legislação adequada a garantir a genuidade das eleições, e em todos os
actos eleitorais houve discriminação entre os candidatos do regime e os de oposição, e
ameaças tanto do Governo, como até das Forças Armadas – não devendo esquecer-se a
do general Botelho Moniz de que a situação não mudaria nem a votos nem a tiros – e
a que neste ano de eleições de 1973, ainda há pouco foi proferida pelo chefe do Estado
Maior, general Brandão – o Governo continua por legitimar, continuando a ser uma
ditadura militar que após um regime de totalitarismo fascista, ao serviço do grande
capital, camuflada de fachada constitucional, criada anticonstitucionalmente.
ANEXO II
Em homenagem à coragem cívica dos
cristãos reunidos na última passagem do ano na Capela do Rato, o III Congresso da
Oposição Democrática solidariza-se com a sua posição e os actos que ali praticaram a
propósito da guerra colonial.
ANEXO III
MOÇÃO
O Congresso da Oposição Democrática,
preocupado com a informação contida numa publicação de The Overseas Companies of
Portugal intitulada The Portuguese Economy, segundo a qual Portugal
consumiu em 1966 e 1967 respectivamente 135.000 e 110.348 toneladas de napalm, declara
considerar necessário um esclarecimento publico sobre a veracidade desta informação e,
casa ela seja exacta, sobre a sua utilização.
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