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Reforma da tributação do património
Intervenção do Deputado Lino de Carvalho
Quarta, 05 Junho 2002

Sr. Presidente e Srs. Deputados,
Sr. Deputado Francisco Louçã,

A reforma da tributação do património é, sem dúvida, uma daquelas matérias recorrentes na discussão política em Portugal. Eu diria que, mais que recorrente, é uma matéria sobre a qual aparentemente existe um grande consenso, isto é, é preciso terminar com os complexos, anacrónicos e burocratizados imposto de sisa e imposto sobre sucessões e doações e criar um imposto sobre o património que possa garantir a arrecadação de receitas do Estado mas também facilitar a vida dos contribuintes.

Eu disse «aparentemente», porquanto, infelizmente, como sabemos, não tem passado do discurso. Mesmo durante o último governo acabaram por não ser levadas a bom porto as sucessivas comissões que foram nomeadas para esse efeito. Nesse sentido, a iniciativa do Bloco de Esquerda, mesmo sendo, como o próprio partido proponente não o esconde, um projecto que eu me atreveria a designar de tipo «chave na mão», não deixa de ser meritória, no sentido em que coloca à discussão, no Parlamento, uma matéria que é importante e a qual, mais tarde ou mais cedo, teremos que discutir e resolver.

Em todo o caso, há três questões sobre as quais gostava de interpelar o Sr. Deputado Francisco Louçã.

Em primeiro lugar, o modelo que apresentam não demonstra - há uma afirmação geral, designadamente do Dr. Ricardo Sá Fernandes - que a aplicação deste imposto sobre os imóveis, juntamente com o resto que este vosso projecto arrasta, não se traduzirá num encarecimento do produto final, da habitação.

A minha primeira questão, muito simples, é, pois, esta: está o Sr. Deputado em condições de garantir que a aplicação deste modelo de tributação não vai traduzir-se num aumento do preço das casas?

Em segundo lugar, como sabe, relativamente a este assunto, há duas doutrinas: uma, que segue o caminho proposto pelo Bloco de Esquerda, que é a de reformar vários códigos, mas mantendo uma dispersão de impostos; e outra (aliás, é o caminho seguido na proposta da comissão de reforma presidida pelo Prof. Medina Carreira), que nós perfilhamos, que defende a criação de um imposto único sobre o património, que termine com esta multiplicidade de impostos, que desburocratize o processo e que facilite a vida aos contribuintes portugueses. Esta é, aliás, a nossa opção, e é nela que estamos a trabalhar!

Pergunto-lhe: Sr. Deputado, por que razão não optaram por uma solução baseada num imposto geral sobre o património, aliás no quadro daquilo que o Prof. Medina tinha avançado?

A minha última questão, Sr. Deputado, tem que ver com o facto de o Bloco de Esquerda propor a tributação do património imobiliário, mas deixando de lado o património mobiliário, pelo que lhe pergunto o seguinte: por que é que há-de tributar-se o produto do investimento num imóvel e não há-de tributar-se o produto do investimento num iate, em jóias, numa obra de arte?

São estas as questões que gostaria de ver esclarecidas.

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

A reforma da Tributação sobre o Património é, sem dúvida, matéria especialmente importante para um sistema fiscal menos complexo e socialmente mais justo.

Compromisso do Governo do Partido Socialista nunca chegou a ver a luz do dia, apesar dos fortes compromissos dos sucessivos titulares da pasta da Finanças e das declarações ajuramentadas do próprio Primeiro-ministro. Hesitando, criando Comissões cujos trabalhos foram ignorados, relatórios apresentados quando um Ministro já estava de saída e outro subia a escada do Ministério. Muito se discutiu, mas nada foi feito.

Uma reforma desta dimensão que revogará diplomas tão densos e tão enraizados na história da política fiscal portuguesa como a Sisa e o Imposto sobre as Sucessões e Doações mas que também terá de substituir o actual Código da Contribuição Autárquica e criar um novo e único Imposto Geral sobre o Património ou, em alternativa, avançar por caminhos mesmo que menos ambiciosos, em qualquer dos casos é uma reforma, que pelas consequências que tem na vida dos cidadãos mas também nas receitas fiscais do Estado, deverá ser (e eu atrever-me-ia a dizer só poderá ser) feita a partir do Governo e da própria Administração Fiscal porque só estes têm o conjunto da informação e a capacidade de simular as consequências destas estruturais alterações.

Aliás, o próprio Bloco de Esquerda reconhece-o ao apresentar este projecto de lei. Sem retirar nenhum mérito ao partido proponente pela iniciativa que hoje agendou para debate a verdade é que este é como que um projecto de chave na mão, resultante dp texto apresentado pela ECORFI, a Estrutura de Coordenação da Reforma Fiscal, do Governo anterior, presidida pelo posteriormente Secretário de Estado Ricardo Sá Fernandes.

Apresentado o projecto, está lançado o debate e, no mínimo o trabalho apresentado merece a discussão e a baixa à Comissão, aguardando porventura outras iniciativas que venham a ser apresentadas e ser objecto de uma ampla auscultação de todos os interessados. Da nossa parte, contribuiremos com o nosso voto para esse caminho. E se à falta de uma alternativa podemos dizer que vale a pena prosseguir este trabalho há reservas, interrogações e modelos diferentes que gostaríamos de trazer também a vossa reflexão.

Desde lodo não resulta claro se da substituição da Sisa pelo IVA (mesmo distribuído entre as taxas de 5% e 19%, consoante se trate de habitação social ou não) e da Contribuição Autárquica pelo Imposto Municipal sobre Imóveis não resulta um aumento geral do preço das casas. Há declarações do então Presidente da ECORFI a afirmar que não mas não conhecemos nem foram trazidos ao nosso conhecimento informação suficiente para demonstrar que tal não acontecerá.

Entretanto neste projecto é deixado de fora actualização da tributação dos prédios rústicos onde a injustiça e a perda de receitas para o Estado não é menor do que nos prédios urbanos. Já há alguma actualização das matrizes cadastrais e este é um caminho que deve ser acelerado, para se acabar com o facto de prédios de centenas e milhares de hectares, por exemplo, no Alentejo, pagarem valores ridículos de Contribuição Autárquica e no Norte pequenas courelas liquidarem valores bem superiores.

Há contudo duas questões que nos distanciam da opção das soluções da ECORFI expressas nesta iniciativa legislativa.

A primeiro tem a ver com a nossa preferência por um Imposto único sobre o Património, desburocratizado, mais próximo das preferências constitucionais, mais simples para os cidadãos e não a manutenção, como aqui se propõe, de vários instrumentos de tributação sobre a mesma realidade patrimonial: o Imposto Municipal sobre Imóveis, o IVA e ainda o Imposto de Selo embora este somente para as segundas e ulteriores transmissões de imóveis e para as transmissões gratuitas hoje tributadas em Sucessões e Doações. O facto de não haver tradição em Portugal, como justificam o Bloco, não nos parece ser razão suficiente para não se ir por esse caminho. Nem nos parece que tal Imposto viesse a ter custos administrativos superiores àqueles que resultam do actual quadro tributário ou do que nos é proposto. A solução de um conjunto de taxas a aplicar em função do valor colectável cuja matéria é determinada pela sua incidência sobre as várias categorias de bens patrimoniais, seguindo de perto a proposta da Comissão presidida pelo Dr. Medina Carreira parece-nos ser uma opção simples, desburocratizada e com menos custos.

Mas o segundo aspecto que nos distancia do modelo contido na proposta que temos hoje em debate é o da exclusão da tributação do património mobiliário. Mal se compreende que tributando-se o património imobiliário pelo seu valor (que não pelo rendimento) não se siga a mesma linha para os bens móveis como, por exemplo, os objectos de arte, aeronaves de uso particular, embarcações de recreio e automóveis (nestes últimos com a extinção, obviamente, do Imposto Municipal sobre Veículos). Porque é que se há-de tributar o produto de um investimento feito num imóvel, urbano ou rústico, e já não se tributa se o produto desse mesmo investimento fosse feito por exemplo na Gioconda de Leonardo da Vinci, nas Três Mulheres de Picasso ou, noutro quadrante, num célebre iate muito falado ? São valores patrimoniais, uns e outros, que devem estar sujeitos à mesma regra tributária.

É, aliás, no quadro destas opções que o PCP tenciona apresentar, a seu tempo, um Projecto de Lei de Tributação do Património.

Em todo o caso, e apesar das reservas manifestadas, entendemos que é necessário começar a desbravar terreno em matéria de tributação do Património e o projecto hoje em discussão é um contributo nesse sentido.

 

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