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O 25 de Abril foi uma revolução. De âmbito nacional, portanto. Mas
isso não é contraditório com que, também por óbvias razões, se tenham
aqui, ou muito perto, registado os principais, mais dramáticos e
decisivos momentos: Largo do Carmo, Rua do Arsenal, Terreiro do Paço e
Tejo, estações de rádio e televisão, aeroporto, PIDE/DGS, Pontinha e
Cova da Moura, Caxias.
Na sequência destes acontecimentos, a
população pôs-se em marcha. Acompanharam-na técnicos, nomeadamente
ligados à habitação, para procurarem um novo estatuto e realização
prática de direitos até aí negados.
As autarquias,
prolongamentos e mandatários, sem meios de intervenção , do aparelho de
Estado fascista, foram de imediato saneadas e substituídas por órgãos
eleitos pele população, as comissões administrativas, cujos 260 membros
foram empossados legalmente até final de Novembro. Estas comissões
começaram a procurar recursos de intervenção, em conjunto com
cooperativas de habitação e mais de 125 comissões de moradores, dando,
por exemplo, contributo importante ao processo SAAL(Serviço de Apoio
Ambulatório Local), que marcou a diferença, nos bairros sociais.
Surgiram as brigadas de apoio local (BAL) essencialmente constituídas
por técnicos que apoiaram as outras estruturas na aquisição de
terrenos, elaboração de projectos e lançamento de empreitadas. Apesar
das dificuldades criadas a partir da Câmara e do Governo a partir do
final de 1975, este período ficou assinalado pela quantidade e
qualidade das intervenções e pela capacidade de realização das
populações organizadas.
Desse período registamos, em primeiro
lugar, o reconhecimento na prática do direito à população das barracas
a serem realojadas nos próprios locais, o que, de forma sistemática só
viria a acontecer mais tarde.
Os governos provisórios tomaram
importantes medidas positivas. E em Lisboa avançaram, na dinâmica que
já referimos, os arruamentos e pavimentações, o saneamento, os
balneários, a iluminação pública, as obras em habitação degradada, as
condições de escolas e de transportes públicos, a prática desportiva.
Até ao início da década de oitenta, e com legislação urbanística em
geral inexistente, foi publicado pela primeira vez oficialmente o PDM
(à data designado por Plano Geral de Urbanização (PGU). Verificou-se
alguma paralisia no licenciamento e apareceram novas urbanizações na
base de loteamentos.
Na década seguinte prolongou-se a ausência
de legislação urbanística geral com o consequente abandono e
desrespeito do PGU, reinou o casuísmo e continuaram as urbanizações por
loteamentos clandestinos. Por pressão da opinião pública e de moradores
iniciou-se a pedonalização de ruas e criaram-se os primeiros gabinetes
para bairros históricos. Mas os arruamentos e infra-estruturas
acentuavam a sua degradação e o número de barracas ia aumentando. No
final da década aumentaram de forma condenável os licenciamentos com
elevadas volumetrias, desrespeitando o PGU.
Entre 76 e 85 à
movimentação popular, apoiada nas estruturas já referidas,
corresponderam diferenciadas atitudes das forças políticas e, como
reflexo, por exemplo, o PCP evoluiu de maiorias em 2 Freguesias , para
6, depois para 9 e finalmente para 12 com uma votação de cerca de 27 %.
Superior à que então registava o PS.
Foi no final da década de 80
que esta situação e uma corrente de opinião muito generalizada que
contou com a participação activa de muitos técnicos, incluindo técnicos
municipais, criaram as condições para os principais partidos da
oposição se entenderem e criarem uma coligação, vencedora em 89 e que
dirigiu a Câmara até final de 2001.
Na década de 90 registou-se
uma progressiva consolidação e preenchimento do tecido urbano,
consolidaram-se novas centralidades, realizou-se a quase totalidade da
rede viária fundamental, substituindo o modelo radial por um outro,
radio-concêntrico, erradicaram-se praticamente as barracas, realojando
os seus habitantes, progrediu-se na reabilitação dos bairros
históricos, criando-se uma zona de intervenção com recursos
diferenciados e com uma estrutura municipal própria ligada à população,
executou-se o sistema principal de saneamento básico e registaram-se
múltiplas intervenções de qualificação e requalificação do espaço
público e construiu-se uma diversificada rede de equipamentos,
nomeadamente nas periferias. Alargou-se muito a prática desportiva, o
apoio social e a actividade cultural de origens municipais. A estrutura
municipal adaptou-se à resolução de novas necessidades, aproximou-se
das Juntas de Freguesia e da população. Durante os primeiros anos
negociou-se para impedir construções licenciadas no final do último
mandato da direita. O PDM, com todas as limitações que se lhe
detectaram, permitiu uma outra atitude de maior respeito e disciplina
urbanística dos empreendedores.
Resultado da iniciativa
governamental ou de parcerias diversas, mas sempre com algum grau de
acompanhamento por parte da autarquia, foi construída a Ponte Vasco da
Gama, melhorada a Ponte 25 de Abril, desenvolveram-se redes de
transportes com destaque para o Metro, requalificou-se a zona
ribeirinha com destaque particular para a Expo. Publicou-se a Lei de
Bases do Ordenamento do Território e decretos dela decorrentes sobre
planeamento e licenciamento de obras.
Apesar de tudo isto, por
erros próprios e por não satisfação de necessidades novas resultantes
da elevação das expectativas e nível de exigências de diferentes
camadas da população, a coligação de esquerda perdeu. Lisboa deu a
maioria à tangente na Câmara à direita e manteve a maioria de esquerda
na Assembleia Municipal.
A nova maioria já passou o meio do mandato e propôs-se romper com métodos e práticas anteriores.
É especialmente preocupante o que se passa com o planeamento e
licenciamento e intervenções casuísticas que se prendem mais com a
necessidade de deixar marcas pessoais do que agir em conformidade com
necessidades reais. A construção em altura e a afectação dos sistemas
de vistas, particularmente sobre o rio, também o são. Mas os fogos
devolutos continuam. E o relatório de actividades do segundo ano deste
mandato foi o que se viu...
Mas esta continua a ser a cidade de
Abril. Há responsabilidades que estamos prontos a assumir e a partilhar
no encontrar de uma alternativa. Lisboa não se conforma.
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