Em intervenção no final da
Marcha, Jerónimo de Sousa, disse: «Permitam-me que vos saúde. Que manifeste a
minha admiração e alegria pelo nível e dimensão desta Marcha inédita,
transformada numa torrente humana onde se sente o pulsar da inquietação face
aos perigos e ameaças, do protesto e do descontentamento perante as injustiças,
aliados à determinação e à confiança na luta pela liberdade e democracia.
Admiração e alegria tanto mais sentidas quanto nos tempos que correm sopram os
ventos avassaladores da ideologia dominante que nos convidam e empurram para o
pântano do conformismo e fatalismo, da alternância sem alternativa, da
interiorização nas consciências da ideia da inevitabilidade das injustiças e
desigualdades, da negação de um Portugal desenvolvido e democrático que
acreditamos ser possível com a vitória de Abril.»
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Marcha Liberdade Democracia
Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP
Permitam-me que vos saúde. Que
manifeste a minha admiração e alegria pelo nível e dimensão desta Marcha
inédita, transformada numa torrente humana onde se sente o pulsar da
inquietação face aos perigos e ameaças, do protesto e do descontentamento
perante as injustiças, aliados à determinação e à confiança na luta pela
liberdade e democracia. Admiração e alegria tanto mais sentidas quanto nos tempos
que correm sopram os ventos avassaladores da ideologia dominante que nos
convidam e empurram para o pântano do conformismo e fatalismo, da alternância
sem alternativa, da interiorização nas consciências da ideia da inevitabilidade
das injustiças e desigualdades, da negação de um Portugal desenvolvido e
democrático que acreditamos ser possível com a vitória de Abril.
E, aqui se expressou também da
forma mais visível e genuína o direito à indignação.
O que estamos hoje aqui a dizer
e a fazer resulta da avaliação que fazemos da situação nacional e do estado da
democracia.
Se é verdade que, ao longo de
mais de 30 anos, o regime democrático tem sido alvo de ataques por parte
daqueles que nunca se conformaram com as transformações e realizações operadas
com a Revolução de Abril, e posteriormente consagradas na Lei Fundamental,
actualmente, com este Governo PS de José Sócrates, a diferença reside na
dimensão e profundidade dessa ofensiva que não deixa intocável nenhuma das
vertentes do regime democrático – a democracia económica, a democracia social,
a democracia cultural e a democracia política. A própria soberania nacional
(concebida como o reconhecimento do direito de cada povo decidir do seu devir
colectivo) começa a ficar comprometida, com a perda e transferência de parte da
soberania, envolvendo Portugal em conflitos e processos que negam o objectivo
da defesa da paz como princípio e valor universal com o qual o povo português
se identifica e a Constituição consagra.
Esta Marcha Liberdade
Democracia teve como mola impulsionadora o momento em que o Tribunal
Constitucional decidiu executar uma norma da Lei dos Partido Políticos da
autoria do PS e do PSD, que exigia a prova de um mínimo de 5 mil militantes e
consequentemente a violação do princípio e do direito de privacidade dos
cidadãos que livremente fazem as suas opções políticas e partidárias mas não
podem ser sujeitos à devassa da sua ficha e opção partidária.
Tal intenção trouxe à
actualidade não só este aspecto da Lei mas o seu conteúdo e objectivos em articulação
com a Lei do Financiamento dos Partidos Políticos. Numa e noutra há um alvo
preferencial: o PCP, a sua autonomia, as suas características, a sua natureza;
e a sua maior realização política, cultural e popular: a Festa do «Avante!».
Resultante do empenhamento,
militância e contribuição das gerações de comunistas construímos este Partido
da classe operária e dos trabalhadores, que assume como único compromisso a sua
luta com os trabalhadores e o povo português, que recusa integrar o seu
projecto emancipador e transformador, o seu posicionamento, a sua intervenção e
organização em instrumentos do sistema capitalista formatados à medida dos seus
interesses.
Como homens, mulheres e jovens
livres não aceitamos que nos imponham um “modelo” único à sua imagem e
semelhança, não aceitamos que aqueles que proclamam “menos Estado” queiram
afinal impor e “estatizar” as nossas regras de funcionamento e organização.
Recusamos que o financiamento
do Estado aos partidos políticos os transforme em “departamentos” do Estado.
Aceitamos e propomos transparência e rigor nas contas, sem limitações à
iniciativa própria de recolha de fundos, mas menos dependência das subvenções
do Estado e consequentemente a redução das verbas.
Estareis de acordo, que sejam
estes princípios gerais a propôr na Assembleia da República.
Alguns analistas e meios de
comunicação social questionaram-nos sobre os objectivos desta Marcha. Se não
estaríamos a exagerar quando alertamos para a necessidade de defender a
liberdade e a democracia. É certo que existem concepções diferentes sobre a
caracterização e conteúdo destas duas palavras e como se avaliam as
consequências desta ofensiva em curso.
Sem abdicarmos do nosso
projecto que define o regime democrático porque nos batemos, temos um ponto de
partida e de referência: o regime democrático consagrado na Constituição da
República, Constituição que, apesar de sucessivamente alterada e revista,
continua a comportar uma concepção de democracia com vertentes inseparáveis no
plano económico, político, social e cultural, e onde a liberdade assume um
carácter intrínseco.
E é no confronto com a
realidade, com a política que está a ser levada por diante, face ao que se
inscreve e consagra na Lei Fundamental que a questão da democracia deve aqui
ser colocada.
Na definição de democracia
económica não se exige ao Governo que combata, recicle ou altere a natureza do
poder económico que segue a sua génese exploradora, a sua ânsia do lucro sem
limites. Poder económico que hoje reivindica a privatização de tudo o que possa
dar lucro, que entende os direitos dos trabalhadores como um estorvo e a
Constituição como um empecilho. Está na sua natureza! O que a Constituição
consagra e exige do Governo é que o poder económico não se sobreponha ao poder
político, que coexistam os três sectores da economia dando prevalência à
dinamização do sector público e o apoio às pequenas e médias empresas. O
Governo não está “em cima do muro”. Está cada vez mais submetido aos ditames
dos poderosos, sobretudo pela sua prática e decisões políticas e económicas. O
primeiro artigo da Constituição Económica consagra e obriga à sobreposição do
poder político sobre o poder económico.
No plano da democracia social
está na lógica implacável do poder económico conseguir mais lucro com mais
exploração e expropriações de direitos laborais e sociais. Está-lhe no sangue!
Mas a Constituição Laboral, no capítulo dos Direitos, Liberdades e Garantias,
estabelece a ideia e a garantia que o trabalho é em si um direito e sede de
direitos, o reconhecimento juridico-político dos direitos colectivos e de
solidariedade e da sua ligação com a democracia política.
Que faz este Governo do PS? Nem
sequer fica, nem poderia ficar, neutro. Deveria fazer opção clara do lado dos
trabalhadores e dos seus direitos. Com o chamado “Livro Branco sobre o Código
do Trabalho” coloca-se do lado de lá, do lado contrário dos constituintes e da
Constituição que, no confronto dilemático entre os interesses do poder
económico e os interesses e direitos dos trabalhadores, das classes e camadas
antimonopolistas, fizeram uma opção de fundo.
Também na chamada reforma da
Segurança Social, na saúde, na educação, a ofensiva caracteriza-se não só por
exigir sacrifícios aos trabalhadores, aos reformados, às populações e deixar
intocáveis os interesses dos poderosos, mas por tentar, pela via da
privatização, transformar estas áreas sociais (reconhecidas pela Lei
Fundamental como direitos universais) em áreas de negócio.
Mas os trabalhadores e as
populações reagiram, protestaram, lutaram e lutam em defesa dos seus interesses
e direitos. E este Governo auto-proclamado de “moderno” recorreu à resposta
clássica, com arrogância e autoritarismo, animado directa ou indirectamente
pelo silêncio ou mesmo com intervenção, uma escalada de ataques às liberdades.
O exercício de direitos sindicais é coarctado e proibído em muitas empresas, o
direito à greve ameaçado, piquetes de greve são dispersados com recurso a
forças de segurança, dirigentes sindicais são expulsos, processos criminais são
cada vez mais frequentes contra quem faz uso de direitos constitucionais de que
é exemplo o caso do dirigente sindical da construção, mármores e madeiras por
estar à frente de trabalhadores com salários em atraso e ilegal e
arbitrariamente despedidos. Quem sofre a condenação sumária é o sindicalista e
não o que violou o direito ao salário e ao emprego dos trabalhadores.
Um pouco por todo o país vão
crescendo as limitações à liberdade de expressão e de propaganda, com regulamentos
inconstitucionais e intromissões abusivas de diversas autoridades e
instituições públicas ou privadas; multiplicam-se os casos de tentativas de
limitação do direito de associação e de autonomia das organizações.
Crescem as intromissões na
autonomia do Ministério Público; valoriza-se o facto de que as escutas
telefónicas possam ser efectivadas sem mandato; às forças de segurança é-lhes
dado, cada vez mais, o papel de reprimir e pressionar e não de prevenir;
desvaloriza-se o papel da Polícia Judiciária; desenvolvem-se os traços de um
Estado policial, num certo ressuscitar do critério que fez doutrina no tempo do
fascismo da “liberdade possível com a autoridade necessária”.
Estes ataques à democracia
política que se seguem à expropriação de direitos sociais conjugam-se com as
tentativas e ensaios de alterações ao sistema eleitoral, com o objectivo claro
de manipular o voto enquanto expressão eleitoral mas que vão mais longe e visam
condicionar a própria formação da vontade; restringir o leque de opções
possíveis e impor por obra de engenharia eleitoral uma bipolarização que
reduzisse a possibilidade de políticas alternativas e de uma alternativa
política, não tanto de “partido único” mas de “dois partidos da política única”
que já vigora há mais de 30 anos.
Citando Brecht: “Os poderosos
fazem planos para 10 mil anos”. Este Governo e em particular o
Primeiro-Ministro do alto da sua olímpica arrogância, embevecido pelo apoio e
aplauso dos poderosos, dos seus seguidores e clientelas que lhe auguravam a
perpetuação do cargo, julgou que seria tão fácil proceder à demolição dos
direitos sociais como descer a Avenida da Liberdade até aqui ao Rossio; que a
arrogância e a intimidação, aliada à doutrina dominante das inevitabilidades e
coberta com a propaganda, venceria resistências e esconderia a realidade de um
país mais injusto, mais desigual, menos democrático.
Enganou-se! Contra a ideologia
dominante das inevitabilidades os trabalhadores e as populações fustigados nos
seus interesses e direitos, a partir dos seus problemas concretos e aspirações
concretas, mostraram o seu descontentamento, elevaram o seu protesto, travaram
e travam a luta.
O PCP agora, como sempre, lá
esteve e está estimulando, mobilizando e solidarizando-se com justas causas,
razões e direitos dos trabalhadores e do povo português.
Agora, como sempre,
considerando a luta como chão mais sólido para travar o caminho a uma política
que impede o progresso, a justiça social e uma vida melhor para o povo e para o
país.
Único partido que se mantém fiel
ao compromisso com os trabalhadores, a juventude, os reformados, os pequenos e
médios empresários e agricultores!
Único partido que não aceita
ser metido no mesmo saco de outros comprometidos com o grande capital, que não
se fica pela reflexão e declaração que
sossegam consciências mas que não resolvem nada.
Único Partido que propõe ao
povo e ao país uma ruptura com esta política de desastre encetando um novo rumo
que assuma a democracia, a liberdade, a justiça social, o desenvolvimento, a
soberania nacional como pilares fundamentais.
Partido de causas justas mas
Partido de projecto por uma democracia avançada e de luta pelo socialismo.
Vós que aqui estivestes nesta
grande acção, nesta grande afirmação de esperança e confiança na liberdade e na
democracia, sejam portadores da mensagem, sejam obreiros de um Partido mais
forte e força alternativa para alcançar um futuro diferente onde voltem a
residir e irradiar os ideais e valores de Abril. Que este Rossio a transbordar
não seja ponto de chegada, mas de partida. Que cada um se dirija aos
democratas, aos cidadãos preocupados com o estado da democracia e com o estado
do país para, juntos com o PCP, retomar as alamedas da esperança.
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