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10 de Outubro de 2003 No passado domingo, um ocasional «zapping» entre Pacheco Pereira na SIC e Marcelo Rebelo de Sousa na TVI confrontou-nos subitamente com a aparente inutilidade e completo fracasso de um nosso longo combate contra uma persistente deturpação e falsificação. Aconteceu que, quase à mesma hora, os dois distintos comentadores se referiram a Ferro Rodrigues como “o líder da oposição”, coisa que não deve ter causado a menor estranheza nos seus auditórios, na exacta medida em que se limitaram a ser respectivamente o 367º e 368º comentadores, jornalistas ou “pivots” de telejornais que pela 12765ª e 12766ª vez repetiram tal qualificação impingindo-a a milhões de portugueses. E, embora realisticamente não fosse de esperar outro resultado, compreender-se-á como que se sente alguém como nós que, pelo menos ao longo dos último dez anos, em cerca de uma dúzia de crónicas ou artigos e em cerca de meia dúzia de cartas a directores de órgãos de comunicação, zurziu nesta falsificação e apelou à sua anulação. A verdade é que, pelos vistos, fracassaram todas as técnicas, recursos ou métodos a que recorremos com tal objectivo. Desde logo, fracassou a argumentação séria e de bom senso que chamava a atenção dos repetidores da treta do “líder da oposição” para que, em rigor, não havia “uma oposição” mas “oposições” ou vários partidos de oposição e que, sendo um PCP há muitos anos um partido de oposição, não fazia nenhum sentido incutir a ideia de que pertence a uma coisa – “a oposição” – que seria liderada pelo Presidente ou Secretário-geral de outro partido. Fracassou a observação cortante de que, ao que constasse, o PCP se liderava a si próprio e não tinha nunca delegado em nenhum dirigente de outro partido o que quer fosse relativo ao seu papel, orientação, intervenção e representação. Fracassaram as falinhas matreiramente mansas adiantando que, a nosso ver, quem, dia sim dia não e consoante a época, atribuía ou ao líder do PS ou ao líder do PSD a qualificação de “líder da oposição” o fazia certamente, não no intuito deliberado de amesquinhar e subordinar politicamente o PCP, mas apenas por inadvertência, imponderação ou contágio semântico. Fracassou o argumento de recorte histórico que lembrava que, de 1983 a 1985, aquando do Governo do “bloco central” (coligação PS-PSD), o PCP era o maior partido da oposição e nem por isso alguém passou a qualificar Álvaro Cunhal de “líder da oposição”. Fracassou o argumento “económico” de que, sendo os órgãos de comunicação social sempre tão fixados na brevidade dos sons ou das letras, se passassem a dizer, consoante a época, “o líder do PS” ou “o líder do PSD”, sempre poupariam, por comparação com a palavra “oposição”, respectivamente seis e cinco letras. Fracassou o argumento pedagógico de que certamente não daria muito trabalho substituir a referência ao “líder da oposição” pela referência mais exacta ao “líder do maior partido da oposição” e que, apenas por mais duas palavras, não valia a pena continuar a dar vida a uma falsificação que tinha perversas consequências sobre terceiros. Fracassou a inocente e civilizada sugestão enviada a directores de órgãos de comunicação de que talvez o abandono da falsificação pudesse ser conseguido quer por uma adenda aos respectivos “livros de estilo” quer pela afixação de cartazes nas redacções. E finalmente, passando por cima do fracasso das violências verbais que também praticámos na esperança frustada de ao menos provocar polémica ou obter respostas, fracassaram também os apelos pungentes a que não dessem do PCP a imagem de algo tão volúvel e desavergonhado que, nos últimos dez anos, tem pertencido a um campo – a oposição – que, na versão da cassete falsificadora, tem sido sucessivamente liderado por António Guterres, por Marcelo Rebelo de Sousa, por Durão Barroso e por Ferro Rodrigues. O nosso fracasso está pois aqui assumido com todas as letras. E, no entanto, questão de consciência e integridade intelectual, sentimo-nos bem melhor do que se deveriam sentir todos os falsificadores. |