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Participaram:
- Edgar Correia, da Comissão Política do PCP
- Artur Batista, professor do ensino secundário, sindicalista
- Vanessa Silva, estudante, da Comissão Política da Direcção
Nacional da JCP
1. O Ministro da Educação apareceu, finalmente,
perante o país, para tentar justificar o descalabro dos exames nacionais do
ensino secundário e o recurso à bonificação administrativa das classificações.
Uma questão básica se coloca à partida:
— ou o Ministro da Educação não
compreende a natureza política e a gravidade do que se está a
passar e, por isso, é incapaz de apresentar uma apreciação da
situação, com um mínimo de objectividade e credibilidade;
— ou então a escolástica do discurso,
cuidadosamente composta com uma atitude de falsa humildade, tem
outro alvo: eximir-se, em momento de aperto, às
responsabilidades próprias e endossá-las, de forma sem dúvida
algo indecorosa, para terceiros seus subordinados.
Não passa também sem viva denúncia a
arrogância salazarenta de Marçal Grilo ao referir-se às
críticas ao seu ministério por parte dos partidos da
oposição, acusando-os, nomeadamente, de serem "factores de
perturbação" e, pasme-se, de "avançarem com
soluções".
Pela parte do PCP, que fique claro: a
educação não constitui uma coutada política do Professor
Marçal Grilo e do seu bocejante "pacto educativo"; a
sociedade portuguesa não precisa de menos, mas pelo contrário
está carecida de muito mais debate político, sobre o que na
realidade andam a fazer os responsáveis do Ministério da
Educação.
2. Diga-se, de uma vez por todas, que
o descalabro dos exames nacionais do ensino secundário deste ano não tem fundamentalmente
a ver (como o pretende o Ministro da Educação) com as gralhas, omissões e erros
que se verificaram em provas de exame.
Com isto não se afirma que essa ocorrência de
gralhas, erros e omissões, não foi grave. E que ela não
patenteou a profunda incompetência e a irresponsabilidade que
grassam no Ministério da Educação.
Chega a ser patético ouvir o Ministro da
Educação, no seu afã branqueador, afirmar que "o maior
erro ou os maiores erros que se podiam ter cometido, foram
aquelas que nós evitámos".
A questão fundamental, como é evidenciada
pela profunda discrepância das classificações dos exames
nacionais em relação aos resultados positivos da avaliação
contínua dos alunos durante o ensino secundário, é que a
política de exames nacionais seguida pelo Ministério da
Educação revelou ser uma decisão completamente errada.
É em nosso entender falacioso abordar o
mérito da realização de exames nacionais em contextos
internacionais completamente distintos e em sistemas educativos
que não apresentam um conjunto tão vasto e complexo de
deficiências e insuficiências como o nosso. E que, sobretudo,
não sofreram os efeitos arrasadores de uma "reforma"
educativa como aquela que o PSD empreendeu durante a última
década.
É essencial que se esclareça que a opção
por exames nacionais para finalizar o ensino secundário, foi uma
política dos anteriores governos do PSD que o actual Governo do
PS prosseguiu e concretizou, e que não teve nem tem como
objectivo fundamental melhorar o sistema educativo ou tornar mais
justo o processo de avaliação das aprendizagens dos alunos.
Afirmava o antigo Ministro da Educação, Couto
dos Santos, em Outubro de 1993: "se o actual sistema de
acesso ao ensino superior fosse eliminatório, as vagas
existentes (seriam) suficientes", e que isso aconteceria
dois anos depois com o exame nacional no fim do 12º ano
(Público de 7/10/93).
O que não é compreensível e é criticável
é que o PS, que enquanto na oposição foi crítico desta
política do PSD, uma vez chegado ao Governo não a tenha
alterado. E que se tenha limitado a aplicar e a concretizar os
planos dos anteriores governos de introdução de uma acrescida e
artificial selectividade na finalização do ensino secundário
desligada da melhoria efectiva das condições de aprendizagem
dos alunos como forma de limitação economicista do acesso dos
alunos ao ensino superior.
3. Como é conhecido, o PCP, primeiro
em 13 de Março e depois em 8 de Maio, pronunciou-se de forma muito negativa
em relação à orientação estabelecida pelo Ministério da Educação e aprovada
pelo Conselho de Ministros, no que respeita aos exames nacionais de finalização
do ensino secundário e ao acesso ao ensino superior.
O PCP, ao mesmo tempo que valorizou a dimensão
científica e pedagógica que deve presidir aos processos de
avaliação das aprendizagens, manifestou a sua terminante recusa
da "filosofia" das orientações assumidas pelo
Governo: a instrumentalização dos sistemas de avaliação
escolar ao serviço da regulação economicista dos fluxos dos
alunos entre os diferentes níveis de ensino e para os diferentes
destinos escolares.
Na mesma ocasião o PCP contrapôs às
orientações adoptadas pelo Governo, um conjunto de nove
propostas entre as quais se destaca a de que a classificação do
ensino secundário dependesse exclusivamente dos processos e
resultados da avaliação interna conduzidos nas próprias
escolas. Que, num quadro de eliminação em três anos lectivos
do numerus clausus, entendido como restrição quantitativa
global no acesso ao ensino superior público, as provas de acesso
ao ensino superior dos alunos habilitados com o curso secundário
acompanhasse o que está expressamente previsto na Lei de Bases
do Sistema Educativo, devendo ter âmbito nacional e ser
específicas para cada curso ou grupo de cursos (8 de Maio).
Criticámos a obstinação do Ministério da
Educação em aumentar a selectividade no acesso ao ensino
superior desligada da melhoria efectiva das condições de
aprendizagem dos alunos, e prevenimos que para além da
perturbação que estava já a provocar, ela não demoraria a
revelar a sua grave inadequação e a acarretar incalculáveis
prejuízos para muitos milhares de estudantes.
Esbarraram com a total surdez e insensibilidade
do Ministério a simples reclamação de medidas concretas que
minimizassem as dificuldades dos alunos e que conferissem maior
equidade à realização dos exames nacionais de finalização do
ensino secundário e de acesso ao superior. Medidas tão simples
como a de diminuir a contingência dos exames nacionais, com a
possibilidade de cada prova ter duas oportunidades de
realização cumulativas, sendo tomada em consideração a nota
mais elevada obtida pelo aluno, no caso de ter optado por
comparecer nas duas oportunidades; e a garantia de efectivas
condições de igualdade na realização dos exames nacionais nas
escolas públicas e privadas, através da distribuição dos
alunos em cada concelho por ordem alfabética pelas salas
destinadas à realização das provas.
Sem alegria sublinhamos que o PCP teve razão
nas posições que tomou e nos alertas que fez.
E como o PCP muitas outras entidades —
desde sindicatos de professores, a associações de estudantes e
associações de pais — que, numa perspectiva mais ou menos
extensa, assumiram posições críticas em relação às
orientações do Governo em relação à finalização do
secundário e ao acesso ao superior.
Marçal Grilo afirmou que o objectivo dos
exames nacionais era de credibilizar o ensino secundário. Como o
resultado foi exactamente o oposto, para além de todos os
restantes efeitos negativos, ao Ministério da Educação e ao
Governo não pode, evidentemente, deixar de ser averbada uma
séria reprovação da sua política.
4. A atribuição de um bónus de dois valores
na classificação final do ensino secundário constitui, a "solução"
improvisada pelo Governo para que as reprovações no ensino secundário não excedam
aquilo que julgam constituir o máximo socialmente suportável.
O Ministro da Educação ao vir agora
caracterizar o atrapalhado e injusto improviso das bonificações
como resultante de um eufemístico "trabalho com as
classificações" e de uma original "pedagogia de
senso" que ocupariam o espírito dos responsáveis da
Avenida 5 de Outubro, não consegue esconder que se trata de uma
má solução e de mais um passo de uma política errada, gerador
de novas injustiças e frustrante das legítimas expectativas de
milhares de estudantes. E de uma má solução, de cujos
inconvenientes e injustiças os estudantes e a opinião pública
em geral, estão a ganhar crescente consciência.
Em primeiro lugar porque o valor da
bonificação é completamente artificial — o Ministério da
Educação limitou-se a estabelecer uma fasquia de reprovações
que admite ser socialmente suportável, e a bonificar em
conformidade as classificações do ensino secundário. As
dezenas de milhar de estudantes que obtiveram nota positiva na
avaliação contínua no ensino secundário e que agora se vêem
retidos nesse grau de ensino por causa dos exames nacionais e da
fasquia arbitrariamente escolhida, com que sentimento de justiça
encararão essa situação?
Acresce, além disso, a desigualdade que
projecta no acesso ao ensino superior, entre os alunos da reforma
e os que já haviam anteriormente completado o ensino
secundário.
O facto da bonificação de dois valores
aprovada pelo governo ser insuficiente para reparar os danos
provocados a toda uma geração de alunos e ser geradora de novas
distorções e injustiças, leva o PCP a lembrar as suas
propostas que apresentou há dias ao país. E que representam uma
forma muito mais adequada e justa de minorar as consequências
negativas da política do Governo em relação à finalização
do ensino secundário e ao acesso ao ensino superior.
Como é conhecido, são três essas propostas:
1.ª — anulação dos resultados dos exames nacionais do ensino secundário,
para finalização do ensino secundário e a sua substituição pelas classificações
obtidas nos processos e resultados da avaliação interna conduzidos nas próprias
escolas, salvo no caso em que os resultados dos exames nacionais permitam aos
alunos obter uma classificação mais elevada;
2.ª — os resultados dos exames nacionais referentes à disciplina base
e à disciplina ou disciplinas específicas, serão apenas utilizados para a composição
da nota de candidatura de acesso ao ensino superior.
3.ª — com vista à candidatura ao ensino superior, deverá ainda ser promovida
uma correcção estatística das classificações do ensino secundário (através da
comparação das classificações obtidas por avaliação interna com os resultados
dos exames), de modo a reduzir os efeitos de discrepâncias perversas e a assegurar
uma maior justiça relativa entre os alunos.
5. Quando o Ministro da Educação vem
solenemente garantir ao país que a análise dos resultados dos exames nacionais
será feita em todas as vertentes, mas delas exclui o exame das opções políticas
fundamentais do seu ministério e do Governo;
quando recorre à linguagem forte do apuramento
até ao fim das responsabilidades... dos outros; quando, com
refinada hipocrisia, admite erros, mas limita-os às anomalias
verificadas em algumas provas de exame;
quando, objectivamente, foge a assumir as suas
responsabilidades políticas nas orientações fundamentais da
política que foi seguida;
— obviamente que o país tem o direito de
exigir, ao Ministro e ao Governo, que assumam plenamente essas
responsabilidades.
A equipa ministerial da educação pelos erros
que cometeu — e que foge a reconhecer —, pelo
impenitente verbalismo que substitui à acção política, não
dispõe já hoje da credibilidade indispensável para promover
com sucesso a correcção da política herdada de anteriores
governos e levar por diante uma nova e urgente política
educativa de orientação democrática.
E o Primeiro Ministro não se pode eximir das
suas responsabilidades.
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