Partido Comunista Portugu�s
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Conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações electrónicas - Intervenção de António Filipe na AR

Transposição para a ordem jurídica interna a Directiva 2006/24/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março de 2006, relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações electrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações

 

Sr. Presidente, Srs.
Membros do Governo, dire
Srs. Deputados:

Esta proposta de lei (n.º 161/X ) e a directiva comunitária que ela se propõe transpor são mais dois exemplos da paranóia securitária que anda à solta por essa Europa fora.

Mais uma vez, vem rodeada da conversa do costume. Estão em causa direitos muito sensíveis que se relacionam com a privacidade dos cidadãos, cuja salvaguarda é essencial; é reconhecida a sensibilidade dos valores em presença; há que ter as maiores cautelas. Mas, como está em causa a investigação, detecção e repressão da criminalidade, vale tudo. Invoca-se a palavra mágica e vai-se a privacidade, vai-se a sensibilidade, vão-se as cautelas e vai-se a salvaguarda de direitos e valores essenciais.

O que aqui se propõe é que os dados de tráfego e os dados de localização, ou seja, quase tudo de todas as nossas comunicações, sejam conservados durante um ano, em que podem ser postos à disposição das autoridades competentes.

Quando digo «nossas», digo de todos nós, todos: governantes e governados, patrões, empregados e desempregados, activos e reformados, solteiros e casados, criminosos e inocentes, suspeitos e insuspeitos.

Quando digo «todas», são mesmo todas: chamadas vocais, correio vocal, teleconferência, transmissões de dados, reencaminhamento e transferência de chamadas, serviços de mensagens e multimédia, incluindo mensagens curtas, mensagens melhoradas e serviços multimédia, enfim, tudo o que a tecnologia permita em matéria de comunicações.

Quando digo «tudo», é quase tudo. Fica tudo registado sobre quem envia e sobre quem recebe todo o tipo de mensagens: a fonte da comunicação, o destino da comunicação, a data, a hora e a duração da comunicação, o tipo de comunicação, o equipamento dos utilizadores, a localização dos equipamentos, os números de telefone e endereços dos utilizadores, os códigos de acesso à Internet, os endereços do Protocolo IP, enfim, tudo, menos, em princípio, o conteúdo das comunicações. Em princípio, porque, no fim, não sei se alguém «põe as mãos no fogo» pela privacidade das comunicações.

Em princípio, tudo isto é justificado em nome do combate à criminalidade grave.

Mas no fim quem é que pode ter acesso aos dados? Não é só a Polícia Judiciária, nem é só a PSP, nem a GNR, nem a Polícia Judiciária Militar, nem o SEF, nem a Polícia Marítima, é também a Inspecção Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território, a Administração Tributária e, até, a Segurança Social.

Diz a proposta de lei que só podem ter acesso a estes dados as pessoas especialmente autorizadas, que são indicadas pelos operadores. As condições técnicas para a protecção e segurança dos dados são definidas por portaria governamental. A transmissão dos dados para as entidades competentes é feita por via electrónica. A violação das condições de segurança propostas, incluindo as mais graves, como a transmissão não autorizada de dados, não são ilícitos criminais, são contra-ordenações cuja gravidade é equiparada, na proposta de lei, ao fumo de dois cigarros nos Passos Perdidos desta Assembleia.

Convenhamos que, em matéria de segurança e confidencialidade, não

ficamos bem servidos.

Mas o pior é que pode ser autorizada a transmissão de dados não apenas de suspeitos ou arguidos mas também de pessoas de quem haja razões para crer que recebem ou transmitem mensagens destinadas ou provenientes de suspeitos ou arguidos. Pergunto: alguém de entre nós está em condições de garantir que não recebeu, não recebe, nem receberá mensagens de correio electrónico de algum suspeito ou arguido de algum ilícito criminal? Então, alguém está em condições de controlar as mensagens de correio electrónico que recebe? Nunca ninguém ouviu falar de correio electrónico não solicitado?

Alguém está em condições de garantir que, para além das mensagens destinadas a vender todo o tipo de produtos destinados a melhorar os atributos físicos ou a combater os vírus informáticos, não se arrisca a receber mensagens de conteúdo menos inofensivo?

No fim, vão dizer que estamos a exagerar e que podemos ficar tranquilos porque a transmissão de dados tem de passar pela autorização de um juiz. Quero dizer que não ficamos tranquilos. Não ficamos tranquilos porque não há despacho de juiz que esteja em condições de controlar um «monstro» com estes «tentáculos».

Em matéria de direitos, liberdades e garantias, seria bom que alguém, nos governos e nas instituições europeias, parasse um pouco para pensar até onde nos vai levar esta paranóia securitária por que estamos a passar.

Por isso, esta proposta de lei só pode contar com o nosso repúdio e com a nossa indignada oposição.