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Reforço dos direitos dos trabalhadores estudantes - Intervenção de Bernardino Soares
Reforço dos direitos dos trabalhadores estudantes - Intervenção de Bernardino Soares
Quarta, 09 Abril 1997

Senhor Presidente,Senhores Deputados:

Senhor Presidente,
Senhores Deputados:

Ser trabalhador-estudante é cada vez mais no nosso País um acto de vontade e de coragem. Os que o são, contrariando a lógica de um sistema que facilmente empurra para fora da escola e de uma sociedade que penaliza as famílias e obriga os jovens muito cedo procurarem emprego para aliviarem as faltas lá de casa. Ser trabalhador-estudante é atrever-se a fazer valer os seus direitos num mundo laboral cada vez mais desregulamentado e instável. É conquistar a palmo o direito a avançar na sua formação quando lhe devia ter sido dada de bandeja.

Só pelo simples facto de se trabalhar e estudar ao mesmo tempo se justificaria uma protecção especial. Mais ainda quando muitas outras dificuldades se levantam e entravam a luta do trabalhador pela sua formação escolar e pessoal e pela sua valorização profissional.

O Estatuto do Trabalhador-Estudante leva já quase 16 anos de vigência. Durante este tempo muito se alterou. Desde logo, a crescente precarização do emprego que hoje atinge a maioria dos jovens e que lhes limita a aplicação do Estatuto.

O Estatuto do Trabalhador-Estudante, passados todos estes anos necessita obviamente de alguns acertos para o adaptar à evolução das realidades. Mas não foi este o principal obstáculo ao reconhecimento dos direitos dos trabalhadores-estudantes. Foram sim a deficiente ou inexistente regulamentação de tantos aspectos da lei, bem como a ausência de fiscalização que garantisse o seu cumprimento, os principais entraves a que o Estatuto cumprisse na plenitude as suas funções.

Muitas das garantias e direitos seriam devidos aos trabalhadores-estudantes foram negados e por isso propomos nalguns casos a sua referência expressa. São exemplos o direito à acção social escolar, a garantia do subsídio de refeição na dispensa para exames, ou a participação na gestão escolar e educativa dos trabalhadores-estudantes.

Foi muitas vezes posto em causa o direito à acção social escolar, esquecendo-se que apesar de serem trabalhadores e portanto auferirem rendimento, têm muitos deles carência económicas e sociais plenamente justificativas, de uma explicitação legal que imponha a aplicação deste direito.

A lei actual garante já a manutenção da remuneração, e outros direitos. Na prática, e como aliás denunciaram as organizações de trabalhadores e de trabalhadores-estudantes foi frequentemente negado o direito ao subsídio de refeição. Daí que seja útil a clarificação inequívoca desta questão.

Por outro lado é necessária a criação de condições justas e adequadas nos estabelecimentos de ensino, desde logo a própria existência de ensino em horário adequado, o pós-laboral, mas também a existência de serviços de apoio às aulas como a secretaria, a biblioteca ou a cantina. Sem isso nãoestarão criadas as condições necessárias para suprir as dificuldades dos trabalhadores-estudantes, desde logo, por o serem, enfrentam. A sua participação na gestão da escola acautela a criação destas condições, garantindo uma maior sensibilização de quem dirige o estabelecimento de ensino.

De resto sucessivos Governos primaram pela ausência de uma política de desenvolvimento do ensino, nomeadamente do pós-laboral.

As restrições orçamentais dos estabelecimentos de ensino, causa directa da ausência de cursos do ensino nocturno e de condições dignas para os trabalhadores-estudantes, a par da falta de orientações por parte dos governos para o cumprimento do Estatuto levaram a um cada vez mais difícil acesso, por parte dos trabalhadores ao ensino.

Não há uma cobertura nacional de estabelecimentos de ensino, que permita que em todo o país os trabalhadores possam ter acesso à escola. No ensino superior as restrições ao financiamento empurram as Escolas Superiores para a limitação dos cursos nocturnos. São conhecidos casos como o do Instituto Superior Técnico ou do Instituto Superior de Economia e Gestão em que se caminha, se não houver intervenção em sentido contrário, para o desaparecimento do ensino pós-laboral, em muitos casos impossibilitando até a conclusão dos cursos por quem já os iniciou.

O actual Governo não mudou a política anterior e em ano e meio nada se avançou nesta matéria. A intenção anunciada no Programa do Governo de aperfeiçoar a legislação referente aos trabalhadores-estudantes não teve qualquer tradução prática. O Governo não intervém nesta matéria deixando degradar uma situação já de si grave.

Senhor Presidente,

Senhores Deputados:

O PCP ao apresentar este Projecto de Lei pretende aperfeiçoar os direitos dos trabalhadores-estudantes nas empresas e alargar o seu conteúdo. Desde logo alargando a qualificação de trabalhador-estudante aos estudantes que trabalham por conta própria, que estando desempregados se inscrevam nos Centros de Emprego, que frequentem cursos de formação profissional ou de ocupação temporária de jovens ou que estejam adstritos a qualquer vínculo ao serviço militar.

Em tempo de vínculos precários e da flexibilidade horária que o PS aprovou, mal se compreenderia que fosse de outra forma. O projecto do PS, talvez com a má consciência que a mensagem do Senhor Presidente da República sobre a lei da flexibilidade e da polivalência lhes deixou, prevê em determinado momento um horário máximo de oito horas diárias e 40 semanais para os trabalhadores-estudantes. Pareceria positivo à primeira vista. Mas logo no número seguinte, o PS desfaz as dúvidas prevendo que a entidade empregadora possa afastar unilateralmente esta disposição em favor da lei geral que flexibiliza os horários, com as consequências trágicas para a frequência das aulas que esta norma traz para os trabalhadores-estudantes.

O PCP propõe também a existência de um contingente especial no acesso ao ensino superior, enquanto existirem restrições quantitativas globais neste acesso, isto é, enquanto se mantiver o regime de "numerus clausus" que o PS prometeu combater.

Não é um privilégio injustificado mas sim um direito razoável para quem está fortemente condicionado na sua avaliação por factores extrínsecos à sua própria valia escolar.

Propomos ainda a existência de uma atenção especial no plano pedagógico e programático aos trabalhadores-estudantes, provavelmente com reflexos na preparação do corpo docente e na adequação dos programas.

Consideramos igualmente que este Estatuto deve ser amplamente divulgado junto dos estudantes uma vez que muitos não conhecem os seus direitos. Conhecer os direitos é um passo fundamental para os exercer e os defender. A obrigatoriedade da divulgação do Estatuto nas escolas é fundamental para suprir esta lacuna.

Do balanço feito da aplicação do Estatuto e tendo em conta que é nítido o propósito inicial de dar especial atenção ao reconhecimento dos direitos no trabalho, resulta que foi também na escola que surgiram dificuldades de aplicação do Estatuto. A diversidade de procedimentos e de requisitos exigidos em cada estabelecimento de ensino, muitas vezes ao arrepio do que a lei prevê, tem dificultado o exercício dos direitos dos trabalhadores-estudantes. E se no plano laboral a acção de fiscalização e actuação do Governo poderá ser indirecta, é particularmente inadmissível que nos estabelecimentos de ensino, especialmente nos públicos, que dependem directamente do Ministério da Educação se criem entraves à aplicação da lei.

Por isso se exige uma uniformização, salvaguardando os estudantes de uma certa discricionaridade existente.

Finalmente falemos do organismo previsto na lei para os problemas dos trabalhadores-estudantes. A lei já o prevê, mas nunca foi criado por nenhum governo e muito menos por este. Não se trata de mais um serviço público a sobrecarregar a estrutura do Estado. Trata-se sim de um instrumento fundamental para fiscalizar e denunciar os incumprimentos, para propor regulamentações e melhorias, para garantir no fim de contas a completa aplicação do Estatuto. Por isso é fundamental a participação lado a lado do Governo, dos estudantes e trabalhadores-estudantes e dos representantes dos trabalhadores.

Falar dos trabalhadores-estudantes e do seu Estatuto é falar do acesso de um grande número de cidadãos, especialmente jovens, ao ensino. É falar do direito à melhor formação pessoal e escolar. É falar da melhoria da nossa sociedade e do desenvolvimento do País.