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Participaram:
Edgar Correia, membro da Comissão Política
do PCP
Paulo Rodrigues, Professor, membro da Comissão Nacional
para as Questões da Educação e do Ensino do PCP
O PCP pronuncia-se negativamente em relação à orientação estabelecida
pelo Ministério da Educação e agora aprovada pelo Conselho de Ministros no que
respeita aos exames do ensino secundário e ao acesso ao ensino superior.
Em primeiro lugar pelo carácter tardio da
fixação de orientações pelo Governo - repare-se que é já na
próxima segunda feira que está previsto que os alunos do ensino
secundário deverão começar a inscrever-se em exames nacionais
cujos objectivos e funções ainda ontem à noite estavam a ser
considerados em Conselho de Ministros. E a que acresce a
ausência de debate público, prévio, de questões de
reconhecida complexidade - científica e pedagógica, educativa e
social - e cuja crucial importância para o futuro de dezenas de
milhar de jovens ninguém pode ignorar.
Em segundo lugar é também de anotar
criticamente o facto do Governo do PS manter o essencial das
orientações estabelecidas pelos governos do PSD, quer no que
respeita à concretização do despacho sobre a avaliação do
ensino secundário de Couto dos Santos, que prevê uma acrescida
selectividade através da institucionalização de exames
nacionais de conclusão do ensino secundário, quer em relação
à manutenção de um sistema de acesso ao ensino superior
particularmente injusto.
A circunstância do próprio Conselho de
Ministros se referir ao carácter transitório da fórmula
estabelecida constitui o evidente reconhecimento de que os alunos
vão ser submetidos a um sistema que não serve e que por isso
necessita de ser modificado. A menos que se trate de uma
afirmação destituída de sinceridade e destinada apenas a
conter as justas críticas que começam a generalizar-se em
relação à orientação aprovada pelo Governo.
Tem um significado particularmente negativo que
o Ministério da Educação aborde a questão do acesso ao ensino
superior sem equacionar, por um momento que seja, a eliminação
do injusto sistema de numerus clausus, que todos os anos impede
dezenas de milhar de estudantes, devidamente habilitados, de
ingressarem em estabelecimentos públicos desse grau de ensino.
A fixação do chamado "valor
mínimo" da nota de candidatura ao ensino superior, em
circunstâncias em que a nota de candidatura pode estar
contaminada por classificações empoladas relativas ao período
de escolaridade no ensino secundário, apenas como instrumento
artificial de controle dos fluxos escolares (o que levou o
Ministério da Educação a admitir valores mínimos muito
inferiores a 10 numa escala de 0 a 20), não constitui uma medida
aceitável. E o carácter facultativo do estabelecimento desse
"valor mínimo" para os exames nacionais que, sob
pressão dos lobbies das escolas privadas, o Conselho de
Ministros decidiu ontem à noite, representa uma emenda pior que
o soneto que traduz o completo desnorte do Governo num ponto
muito importante da política educativa.
Importa ainda sublinhar que a introdução de
exames nacionais no ensino secundário, no contexto de um sistema
de avaliação que visa apenas aumentar a selectividade sem
melhorar de facto as condições de aprendizagem dos alunos, não
resolve o problema da melhoria da qualidade da educação nesse
grau de ensino nem contribui para a melhoria do ensino superior.
O Ministério da Educação quer impor a
realização de exames nacionais obrigatórios no final do ensino
secundário acenando com a eliminação das anteriores provas
específicas e com a utilização de algumas das classificações
dos exames do ensino secundário (disciplina de base e
disciplinas específicas) para a definição da nota de
candidatura ao ensino superior. Este sistema, além de incumprir
a Lei de Bases do Sistema Educativo (que estabelece que a prova
de capacidade para frequência do ensino superior deve ser
cumulativa com a habilitação com um curso do ensino
secundário), vem criar novas dificuldades e potenciar novas
injustiças. Como seja: a de permitir que o resultado de um
único exame possa ter um peso maior do que 60% na nota de
ingresso no ensino superior, o que é claramente excessivo; e do
local de realização dos exames nacionais - que terão lugar na
própria escola em que o aluno se inscreveu - poder favorecer
actuações menos lícitas já detectadas no passado em alguns
estabelecimentos, em especial do ensino privado, e provocar
desigualdades muito acentuadas entre os alunos em provas de
decisiva importância para o seu futuro.
Nove propostas do PCP
O PCP - apoiado na reflexão e nas propostas
das suas várias comissões que intervêm na área educativa - ao
mesmo tempo que valoriza a dimensão científica e pedagógica
que deve presidir aos processos de avaliação das aprendizagens,
recusa terminantemente a instrumentalização dos sistemas de
avaliação escolar ao serviço da regulação economicista dos
fluxos dos alunos entre os diferentes níveis de ensino e para os
diferentes destinos escolares.
Tendo fundamentadamente criticado o regime de
avaliação dos alunos do ensino secundário implementado pelo
despacho normativo nº 338/93 do ex-ministro Couto dos Santos e
reclamado na AR a suspensão legislativa da sua vigência
(Projecto de Lei nº 408/VI), o PCP tem particular legitimidade
para se opor à concretização que o Governo do PS pretende
prosseguir de um propósito de aumento da selectividade no acesso
ao ensino superior desligada da melhoria efectiva das condições
de aprendizagem dos alunos.
No que respeita ao acesso ao ensino superior o
PCP tem sido vivamente crítico do sistema vigente, que conjuga a
existência de numerus clausus, que só limitam gravemente o
acesso aos estabelecimentos de ensino superior público, com um
regime de acesso particularmente injusto e perverso, que visa
encaminhar todos os anos dezenas de milhar de estudantes para
cursos que não desejam e para escolas privadas, muitas das quais
desprovidas de qualidade. E por essa razão tem defendido na
Assembleia da República um Projecto de Lei que propõe um novo e
mais justo regime de acesso ao ensino superior.
Em coerência com o que têm sido as
posições do PCP em relação à avaliação dos alunos do
ensino secundário e ao regime de acesso ao ensino superior, e
sem prejuízo de ulteriores ajustamentos que o debate científico
e pedagógico recomende, são publicamente apresentadas as
seguintes nove propostas:
1ª A classificação do ensino
secundário deve estar ligada ao estímulo do sucesso educativo
dos alunos e à promoção da qualidade do sistema educativo, e
deve depender exclusivamente dos processos e resultados da
avaliação interna conduzidos nas próprias escolas.
2ª A eliminação do numerus clausus,
no sentido de restrição quantitativa, de carácter global, no
acesso ao ensino superior público, deve ser realizada no prazo
de três anos lectivos. Em relação ao próximo ano lectivo isto
deve significar, nomeadamente, que o Ministério da Educação
deverá prestar apoio a todos os planos sustentados de expansão
que os próprios estabelecimentos públicos de ensino superior
apresentem.
3ª O acesso ao ensino superior deve ser
realizado no quadro definido pela Lei de Bases do Sistema
Educativo (Artigo 12º), de habilitação com curso secundário,
ou equivalente, cumulativamente com prova de capacidade para a
frequência do ensino superior.
4ª A prova de acesso ou provas de
acesso, de avaliação de capacidade, também nos termos da Lei
de Bases do Sistema Educativo, deverão ter âmbito nacional e
ser específicas para cada curso ou grupo de cursos afins.
5ª Os júris para a elaboração destas
provas nacionais de acesso devem integrar professores do ensino
secundário e do ensino superior, devendo ser garantida a sua
adequação aos programas efectivamente leccionados no ensino
secundário.
6ª Para diminuir a contingência dos
exames, cada prova nacional de acesso deverá ter duas
oportunidades de realização cumulativas, sendo tomada em
consideração a nota mais elevada obtida pelo aluno, no caso de
ter optado por comparecer nas duas oportunidades.
7ª Os alunos deverão ser distribuídos
aleatoriamente, por concelho, em princípio, pelas salas
destinadas à prestação de provas, de forma a garantir
condições de igualdade na realização dos respectivos exames.
8ª A nota de candidatura aos
estabelecimentos públicos e privados do ensino superior deverá
ser calculada:
- 50% correspondente à média das classificações obtidas na
prova ou provas nacionais de acesso (específicas);
- 50% correspondente à média das classificações obtidas nos
10º, 11º e 12º ano de escolaridade.
9ª Para evitar a situação, indesejável e geradora de injustiças, de
se registarem classificações obtidas durante o período de escolaridade, anormalmente
baixas ou elevadas, consoante os estabelecimentos de ensino secundário frequentados
pelos alunos, seja em resultado de assimetrias regionais ou culturais, seja
em consequência da falta de isenção e de seriedade na atribuição de classificações,
deverá proceder-se à correcção estatística das classificações do ensino secundário,
que assegure aos estudantes uma maior justiça relativa, com base na comparação
destas com as obtidas nas provas nacionais de acesso (específicas).
As presentes propostas não configuram um "modelo" definitivo de
avaliação dos alunos no ensino secundário e de acesso ao ensino superior, antes
se ligam com a observação e a experiência das condições em que se desenvolvem
actualmente os processos de ensino / aprendizagem e a sua avaliação.
O aperfeiçoamento destes processos, o
desenvolvimento de uma escola pública de qualidade para todos os
portugueses, estamos certos que tornarão possível a prazo a
concretização de uma perspectiva em que a transição do ensino
secundário para o ensino superior se realize de uma forma justa.
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