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1. O projecto de proposta de lei que,
segundo veio a público, está hoje em apreciação no Conselho de Ministros, relativo
ao financiamento do ensino superior público, contem matéria suficientemente
grave e apresenta implicações tão profundas no sector educativo que se impõe
um primeiro comentário para chamar a atenção do país para algumas das suas principais
opções e consequências.
PCP alerta para que, a ser levada por diante esta iniciativa do Governo e a
serem aprovadas na AR as suas orientações - o que só será possível com o apoio
parlamentar, mais ou menos encapotado, do PSD ou do CDS/PP - estará criado um
factor de profunda instabilização da vida das universidades e politécnicos públicos
e estará aberto o caminho para uma nova crise académica.
PCP manifesta a sua crítica em relação ao facto de o Governo, após um ano e
meio de estar em funções, nada ter feito em relação aos gritantes problemas
que atingem o ensino superior. E anota como particularmente negativo que a primeira
e única iniciativa apresente afinal como principal objectivo o aumento das propinas.
Por tudo isto o PCP reclama vivamente que o PS e o seu governo mudem de rumo
na sua política para o ensino superior. Deixa uma advertência em relação às
pesadas responsabilidades que assumirão, caso se obstinem na concretização das
principais orientações que constam do projecto de proposta de lei agora conhecido.
E renova o propósito de dar firme combate a tal política e de apoiar a intervenção
e a luta dos estudantes e das instituições de ensino superior que se manifestem
no mesmo sentido.
2. Este projecto de proposta não configura
minimamente a lei de financiamento do ensino público de que há muito as universidades
e politécnicos carecem.
Impunha-se a consagração da responsabilidade
do Estado em relação ao financiamento integral do sistema de
ensino superior público de modo a concretizar a progressiva
gratuitidade estabelecida pela Constituição; a expandir o
número de vagas e eliminar o sistema de restrições
quantitativas globais no acesso (numerus clausus)
atenuando, como seria justo, o recurso forçado por milhares de
estudantes ao ensino privado, que é muito mais caro; a
possibilitar a significativa elevação da qualidade do ensino; a
abranger a generalidade dos domínios do conhecimento; a alargar
as condições de frequência do ensino superior por
trabalhadores - estudantes; a corresponder à relevância dos
vários cursos baseada na satisfação das necessidades sociais e
das aspirações pessoais; e a cobrir equilibradamente o
território nacional.
Impunha-se o estabelecimento, para cada
instituição pública, de orçamentos suficientes e estáveis,
em base plurianual, assentes em critérios objectivos que
cobrissem as componentes pedagógica, científica e cultural,
compreendendo quer uma componente de funcionamento quer uma
componente de investimento associada aos planos de
desenvolvimento estratégico. E que a prestação de serviços
por parte dos estabelecimentos públicos fosse apenas considerada
como fonte supletiva de receitas.
Impunha-se ainda que as propinas deixassem de
ser encaradas como fonte de financiamento do ensino público e o
seu pagamento invocado como condicionante da sua qualidade, e que
fossem definitivamente afastados os propósitos do seu aumento.
Mas o Ministério da Educação, ao arrepio das promessas eleitorais do
PS e da necessidade de encontrar solução para os principais problemas do sector,
apresenta um projecto de proposta de lei que prossegue e agrava as orientações
de inspiração neo-liberal dos anteriores governos que conduziram o ensino superior
à presente situação.
Na realidade esta proposta do Ministério da Educação:
a) - mantém o efectivo propósito de desresponsabilização
do Estado em relação ao ensino superior público, de agravamento da já elevada
contribuição dos estudantes e suas famílias (aumento de propinas, carácter muito
limitado da acção social escolar, manutenção dos numerus clausus) e de favorecimento
do ensino privado, designadamente através de modalidades que concretizam o seu
financiamento público e do alargamento acelerado das suas vagas;
b) - não respeita nem reforça o exercício da
autonomia democrática das instituições do ensino superior, e pelo contrário
consagra mecanismos sofisticados de interferência e de comando governamental,
por via do financiamento, nas decisões que são da competência das escolas;
c) - prevê uma definição algo circular da fórmula
de financiamento das escolas que não assegura a sua suficiência, não contempla
devidamente parâmetros e indicadores de qualidade, não dá garantias quanto ao
financiamento das actividades de investigação, e não estabelece o papel das
instituições escolares na determinação objectiva dos seus montantes;
d) - admite mecanismos de financiamento de base
concorrencial, que a pretexto de estimular a melhoria qualitativa do ensino
praticado, levam a recear na prática efeitos de sentido contrário, que acentuem
inaceitáveis assimetrias e desníveis.
3. Na proposta do Ministério
da Educação são de destacar alguns pontos que assumem uma particular gravidade:
O aumento das propinas, apresentado como
único, mas constituindo na realidade uma primeira etapa no
sentido da aproximação ao chamado "custo real do
ensino". É uma proposta que prossegue a crescente
desresponsabilização do Estado em relação ao ensino superior
público, já observável na diminuição das despesas por aluno
nos últimos anos e na manutenção do injusto sistema de numerus
clausus. É uma proposta que incumpre gravemente o princípio
constitucional que estabelece a progressiva gratuitidade do
ensino público. Que desrespeita a lei da autonomia que determina
serem os senados universitários quem detém competência para
fixar o seu montante. E que se for concretizada traduzir-se-á em
mais um pesado encargo para os estudantes e famílias, que já
suportam elevadas despesas em alojamento, livros e outro material
escolar - um autêntico imposto suplementar de cerca de doze
milhões de contos - e em acrescidas dificuldades para muitos
estudantes frequentarem o ensino superior.
São os conceitos administrativos de
"curso elegível" e de "estudante elegível".
Com o primeiro o Ministério da Educação pretende, pela via do
financiamento, comandar em sentido restritivo a capacidade das
instituições universitárias, de acordo com a lei da autonomia,
de criarem cursos. Com o conceito de "estudante
elegível", o propósito é o da redução economicista dos
efectivos escolares através de um severo regime de exclusão de
estudantes do ensino público. Exclusão que assenta num
mecanismo de limitação financeira do número de matrículas,
exterior ao funcionamento das escolas, ignorante das causas
objectivas e não resolvidas designadamente de natureza
pedagógica que estão na base do elevado nível de insucesso
escolar em alguns cursos, e que não atende às numerosas
situações de estudantes a tempo parcial.
Quanto à acção social escolar não
são garantidos níveis de suficiência nem uma aplicação
socialmente justa. A utilização de conceitos extremamente vagos
e imprecisos faz sobressair a opção do Ministério da
Educação por um sistema mínimo. Observe-se, por exemplo, que o
"estudante economicamente carenciado", condição que
restringe a atribuição de bolsa de estudo e que prioriza o
acesso a alojamento, é apresentado como aquele "cujo
agregado familiar revela sensíveis dificuldades na satisfação
das suas necessidades básicas". Com esta formulação não
será difícil fazer a demonstração oficial de que o número de
beneficiários é reduzido, pois diminuto é também o número de
estudantes que provêm de agregados familiares nessas
condições.
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