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Sistema Educativo
Quarta, 14 Maio 2008
educacao2.jpgEm intervenção na Assembleia da República, no debate acerca do projecto de lei do CDS sobre a Autonomia, Qualidade e Liberdade Escolar, Miguel Tiago afirmou frontal rejeição do PCP a esta iniciativa devido à «matriz ideológica que o enforma, absolutamente contrária à CRP e à Lei de Bases do Sistema Educativo, e que transporta uma tendência para o recurso ao serviço privado como serviço público – o que é, em si mesmo, um inconciliável paradoxo».

 

Lei da Autonomia,  Qualidade e Liberdade Escolar
Intervenção de Miguel Tiago, na Assembleia da República

 

 

Senhor Presidente

Senhores Deputados,

 

O CDS traz hoje a esta Assembleia o seu Projecto de Lei  (projecto de lei nº 465/X) sobre gestão escolar a que decidiu chamar Projecto de Lei da Autonomia, Qualidade e Liberdade Escolar. Projecto que merece do Partido Comunista Português frontal rejeição. Frontal rejeição pela própria matriz ideológica que o enforma, absolutamente contrária à Constituição da República Portuguesa e à Lei de Bases do Sistema Educativo, e que transporta uma tendência para o recurso ao serviço privado como serviço público - o que é, em si mesmo, um inconciliável paradoxo.

Contra a Lei de Bases do Sistema Educativo e contra a própria concepção de escola laica, o CDS avança com um Projecto de Lei que mais não faz senão atribuir ao Estado as mesmas responsabilidades sobre a Escola Pública e qualquer outra escola, independentemente da sua raiz ideológica, política, religiosa ou empresarial. Isto significa que a Educação para o CDS não é uma forma de emancipação do povo, dos jovens e dos adultos, dos homens e mulheres, mas antes um campo de acção empresarial ou ideológica. Sendo o Estado laico, e laico não significa  "arreligioso", radica no grego "laiki" que significa "das gentes", "do povo", a Escola Pública, enquanto instrumento do Estado deve ser construída na base da mesma perspectiva de laicismo e orientada segundo os princípios da república.

A questão que se coloca quando confrontamos Ensino Privado com Ensino Público não é apenas a da empresarialização do sistema de ensino e a do consequente aumento de custos para os estudantes e famílias. Nem tampouco é apenas a da elitização do Ensino, a da estratificação qualitativa dos estabelecimentos de ensino e a da exclusão das camadas mais empobrecidas. A questão que se coloca é, além dessas, a do pendor ideológico da Escola. A entrega da função de ensinar a interesses privados, empresariais, religiosos ou políticos, com financiamento do Estado, ou seja, de todos nós, compromete incontornavelmente a qualidade do Ensino e a sua orientação. O Estado deve assegurar uma Escola Pública Gratuita e de Qualidade para todos, em todos os graus de Ensino e deve ter perante o Ensino Privado um mero papel regulador da qualidade, no cumprimento da Constituição da República.

Aliás, o Ensino Privado deve apenas existir na medida em que possa servir de opção e nunca enquanto única escolha para milhares de jovens que não encontram vaga no ensino público. Isto já se passa no Ensino Superior e nas creches e Jardins de Infância e a implementação de uma política como a que o CDS propõe alargaria essa situação a todo o Ensino.

É uma velha teoria, de velhos regimes, a de que o Estado deve estar limitado às suas funções políticas e jurídicas e de que tudo o resto, incluindo o Ensino Secundário, deve estar ao serviço da iniciativa privada. O que o CDS se propõe fazer é assumir com frontalidade essa política de retirada do Estado e de desmantelamento.

Ora já o mesmo não se pode dizer do Governo. Que pretende implementar uma política semelhante, mas de forma não anunciada. O Governo do Partido Socialista legislou à margem desta Assembleia, à margem da Lei de Bases do Sistema Educativo e da Constituição da República e assim traçou, por decreto, o fim da gestão democrática da Escola Pública, determinando a sua entrega aos interesses que se vão estabelecendo em torno da Educação e acentuando a relação de poder que existe entre o Governo e o estabelecimento de Ensino. Podemos quase dizer que o CDS e o Partido do Governo andam a buscar inspiração nas mesmas fontes, embora as materializem de formas um pouco diferenciadas. O Governo não anuncia o fim da escola pública, mas implementa um regime legal de estrangulamento da autonomia, de fim da democracia e de absoluta instrumentalização dos estabelecimentos de ensino, enquanto gradualmente os coloca sob a batuta imperdoável do sacralizado "mercado de trabalho".

Se este debate agendado pelo CDS tem algum mérito, não é o inerente à proposta porque ela mais não faz senão reapresentar sob outra escrita as propostas do antigamente e do neo-liberalismo mais retrógrado; é o de evidenciar as semelhanças entre a perspectiva do Governo e as da Direita - iguais no essencial (fim da democracia nas escolas, empresarialização do sistema, elitização do ensino, manipulação do sistema educativo, desresponsabilização do Estado perante a Escola Pública). E apresenta um segundo mérito: o de mostrar uma vez mais a forma como o Governo se furta a discutir na Assembleia da República a sua estratégia de fundo para a Escola Pública. O Partido Comunista Português apresentou o seu Projecto de Lei de reforço da Gestão Democrática dos Estabelecimentos de Ensino, apelou ao Governo para que viesse a esta Assembleia discutir o seu projecto, para que possibilitasse o confronto político e democrático. Mas o Governo preferiu, como já nos habituou, implementar uma reforma profunda sem nenhuma discussão, contra tudo e contra todos, à boa maneira de uma maioria absoluta que se vai tornando cada vez mais arrogante e prepotente. E isso significa que sabe que tem cada vez menos o apoio dos agentes educativos e da população. Por isso mesmo, o PCP trará o Decreto-Lei nº 75/2008 - da gestão e autonomia - à Assembleia da República por via da Apreciação Parlamentar que entregamos hoje.

As tentativas de desfiguração da escola pública, em que se insere claramente a proposta do CDS e o Decreto-Lei do Governo, mais não visam senão o fim da escola pública e a sua substituição por uma infra-estrutura de formação de mão-de-obra para o trabalho mal pago, criando apenas uma esfera de ensino para as elites destinado ao prosseguimento de estudos. A própria alteração imposta pelo Governo ao funcionamento democrático das escolas visa a instrumentalização e governamentalização mais directa dos estabelecimentos de ensino, levando a mão do governo até ao terreno de cada escola, transformando o professor num mero executor acrítico das orientações e o estudante num objecto numa linha de montagem. A fúria anti-democrática é tal que atinge o núcleo da gestão escolar, mas também as formas de participação que se geram em torno da escola, a participação democrática de professores e de estudantes, tentando limitar as possibilidades de intervenção de sindicatos e de associações estudantis.

A solução que aqui o CDS nos apresenta é apenas a transposição para a lei de uma realidade que já vai tomando forma no terreno educativo nacional: a da retirada do Estado e da Escola Pública e a entrega desse serviço e subjacente financiamento a entidades privadas de diversa natureza. Essa solução, como a realidade bem demonstra, não serve os interesses do país e aumenta os gastos públicos e das famílias com educação, como já vai sucedendo. Relembramos que cada família gasta em média, no início de cada ano, mais de 600 euros por cada filho no ensino secundário. O que é cada vez mais necessário é travar a sangria a que os governos têm submetido a escola pública, dotá-la das capacidades e meios para cumprir o seu papel constitucional, orientada pela formação integral do indivíduo. Uma Escola Pública, Gratuita e de Qualidade para todos.

O CDS não pode, como outros fazem - incluindo o governo - defender propinas porque acha que não devemos sustentar os estudos superiores de alguns e vir agora dizer que devemos sustentar os estudos secundários de muito poucos em colégios privados!

 

A Escola Pública não precisa de soluções milagrosas, nem de rupturas com a democracia, precisa, isso sim, do verdadeiro cumprimento das orientações contidas na lei de bases e o aprofundamento do seu potencial de autonomia e democracia. Os sucessivos governos não podem continuar a agir à margem da lei para depois dizerem que é a lei que está mal. A Escola Pública não pode continuar a ser alvo destes ataques que o Governo vai promovendo, seja através da supressão dos direitos dos professores e funcionários, através do subfinanciamento, ou do encarecimento e elitização do ensino. O CDS, honra lhe seja feita, assume o seu objectivo: substituir a escola pública pela escola privada aberta ao público. O Governo visa o mesmo e faz o mesmo, mas não assume.

Ambos contarão com a determinada oposição dos professores, pais, estudantes e funcionários do sistema educativo. Ambos contarão com a firme oposição do PCP.

 

Disse.

 

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