Partido Comunista Português
Procede à clarificação de conceitos atinentes à duração do trabalho-Intervenção de Odete Santos
Procede à clarificação de conceitos atinentes à duração do trabalho-Intervenção de Odete Santos
Quinta, 15 Maio 1997

 

Senhor Presidente
Senhores Deputados

A redução do tempo de trabalho para as 40 horas regressa ao debate na Assembleia da República, mais uma vez por iniciativa do Grupo Parlamentar do P.C.P.

Foi o P.C.P. quem, através de um Projecto de Lei pioneiro nesta matéria, trouxe para o Parlamento a grande reivindicação dos trabalhadores portugueses.

Foi o P.C.P. quem insistiu na urgência de, por via legal, se obter, como tempo máximo da duração de trabalho, as 40 horas semanais.

Na altura, o P.C.P. pôde contar com o apoio do Partido Socialista, é bom que se recorde.

Com esta atitude o Partido Socialista apresentar-se-ia ao eleitorado com uma proposta assim tornada credível. O Partido Socialista prometeu ao Povo Português, aos trabalhadores portugueses, a redução do horário semanal de trabalho para as 40 horas. Promessa que fez incluir no seu Programa de Governo.

Mas em breve ficou claro que a promessa não era para cumprir. Que o Partido Socialista usava de reserva mental mesmo no seu Programa de Governo.

Se alguém ainda tinha esperanças, perdeu-as definitivamente, quando, para espanto de muitos, o P.S. que sempre votara favoravelmente o Projecto do P.C.P., votou contra o mesmo texto por nós reapresentado nesta legislatura.

Hoje, os senhores Deputados do Partido Socialista têm a oportunidade de fazer jus a parte das suas promessas, de confirmar aquilo que repetidamente disseram aos representantes dos trabalhadores, nesta Assembleia, com publicidade, a respeito das pausas e intervalos de descanso. Têm oportunidade de mostrar uma só cara, e reafirmar em termos de uma nova lei, e não de uma lei interpretativa, aquilo que repetidamente disseram na Comissão de Trabalho e em subcomissões por esta criadas. A Assembleia teria estabelecido os limites materiais da aplicação da Lei. O Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais Direitos Liberdades e Garantias aprovado em Plenário teria estabelecido esses limites por forma a que as pequenas pausas e intervalos de descanso fossem consideradas trabalho efectivo. A proposta do P.C.P. para que fosse eliminado o nº 3 do artigo 1º da Lei 21/96 por forma a que ficasse claro que aqueles tempos não eram excluídos do tempo de trabalho para efeito da redução para as 40 horas, teria sido redundante. Porque, segundo foi expressamente afirmado, tal já decorria da lei.

Afirmações deste género foram feitas por deputados de todos os Grupos parlamentares, e chegaram mesmo a ser reproduzidas para todo o País perante os órgãos de comunicação social, sob as luzes dos canais televisivos.

Tudo isto constará para a história. Para o confronto com o que hoje se irá passar neste Plenário.

E o que se passar, nada dirá sobre a interpretação da Lei 21/96. Que essa será feita na sede própria, em face da vontade expressa pelo legislador, onde não serão de somenos importância as posições expressas pelos Grupos Parlamentares relativamente à forma como a lei estava a ser aplicada, onde não será de somenos importância, nomeadamente, o voto contra o recurso do P.C.P.. A negação no Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais Direitos Liberdades e Garantias, aprovado em Plenário, de um dos argumentos utilizados pelo P.C.P., precisamente o que dizia respeito às pausas e intervalos de descanso.

O que hoje se irá passar dirá aos trabalhadores, e a todo o Povo Português, se os Deputados estão dispostos a pôr fim à conflitualidade gerada pela Lei 21/96, pelo Governo, pela Inspecção de Trabalho, com manifesto desrespeito pelos direitos de quem trabalha.

O fim da conflitualidade, é isso que vos propomos. É isso que os trabalhadores esperam do Parlamento e o resultado da consulta pública sobre o diploma em discussão, prova o interesse dos trabalhadores na aprovação do Projecto. Os trabalhadores recorrem ao Parlamento,já que o Governo, de parceria com o a CIP, CCP,CAP e UGT numa dita Comissão de Acompanhamento, uma Comissão Para-Corporativa, menospreza a conflitualidade, e negando um dos seus emblemas- o diálogo-mostra os espinhos da "rosa". Aos trabalhadores, claro.

Senhor Presidente
Senhores Deputados:

Ao contrário do que o Governo pretende fazer crer, os atropelos aos direitos dos trabalhadores, os atropelos à lei não se centram apenas no Norte e Centro do País, não dizem respeito a um número ínfimo de trabalhadores, não se trata de um problema de somenos importância.Sê-lo-á para a Senhora Ministra, que refere que são "apenas" 270.000 os trabalhadores que "ainda" não beneficiam da redução do tempo de trabalho. Questão de somenos para a responsável da pasta do emprego, que não tem pejo em proclamar que é ridículo como o fez hoje na T.S.F., discutir pausas de 20 minutos por dia.

Mas a luta dos trabalhadores, a greve contra a aplicação abusiva da lei dura há mais de 5 meses. Prova evidente de que os trabalhadores de hoje sentem, como aqueles que, pioneiros na luta pela redução do horário de trabalho deram mesmo a vida nessa luta, sentem que o que continua a estar em causa, é o combate contra a desregulamentação do trabalho. Nessa desregulamentação, a linha avançada do patronato sempre utilizou a rapina relativamente ao tempo livre dos trabalhadores. Como hoje a utiliza, do Norte ao Sul do País segundo levantamento efectuado, que prova que por toda a parte, com honrosa excepção para as empresas que respeitam as pausas considerando-as tempo de trabalho efectivo, aos trabalhadores vai sendo roubado tempo livre dentro do tempo de trabalho. Aos trabalhadores é sonegada a redução para as 40 horas de trabalho, enquanto as empresas se preparam para tirar mais amplo proveito da lei 21/96, através da possibilidade de acabar com o carácter semanal do horário de trabalho, permitida com os ciclos de 4 meses, avançando-se já, nalguns casos, para a anualização do horário de trabalho.

Atingidos são muito mais do que os 200.000 trabalhadores dos texteis,vestuário e calçado.

Atingidos são os trabalhadores das indústrias de alimentação do sul e tabacos, do Comércio escritório e Serviços, das Indústrias de Celulose, Papel, Gráfica e Imprensa, da Construção, Mármores e Madeiras, das Indústrias Eléctricas do Sul e Ilhas, dos Transportes Urbanos de Lisboa, da Indústria Metalúrgica e Metalomecânica, da Portaria e Vigilância. Atingidos perante a inércia conivente do Governo, do Ministério do Emprego , da Inspecção do Trabalho. E atingidos das mais diversas maneiras. Há para todos os gostos no leque de atropelos à lei. Desde a alteração de horários sem qualquer consulta aos representantes dos trabalhadores, até à eliminação das pausas, à redução do horário à custa das pausas, à redução do tempo para o almoço, até ao próprio prolongamento do tempo de permanência na empresa. Tudo numa teia de cumplicidades com quem apadrinha tudo isto com um sorriso seráfico e muito entendido! O sorriso de quem entende que na Concertação é que está o ganho. Seguramente que está, mas para quem?

A Senhora Ministra tem feito questão de salientar a importância desta Concertação, não tendo qualquer pejo em afirmar, como o fez na resposta ao Senhor Provedor de Justiça que a lei 21/96 não é um texto apurado e rigoroso sob o ponto de vista técnico-jurídico. Pasme-se, perante tal afirmação da parte de quem faz gala de ostentar um ar de eficiência técnica. Pasme-se perante tal afirmação por parte de quem conta no seu gabinete com um Secretário de Estado, professor de Direito, autor de livros técnicos, onde chega a salientar a importância da luta dos trabalhadores pela redução do horário de trabalho.

Mas não se fica por aqui a senhora Ministra: ainda em resposta ao Senhor Provedor de Justiça, invocaria, em defesa da interpretação da lei feita no seu Ministério, que a Comissão de Acompanhamento tinha feito a interpretação autêntica do diploma. Esta afirmação, por parte de quem quer ostentar rigor, diz-nos da forma como o órgão legislativo, em questões de trabalho, a Assembleia da República, é encarada pelo Governo.

Ficámos a saber que a senhora Ministra, e através dela o Governo, consideram que os legisladores são a CIP, a CCP, a CAP e a UGT: Porque "os legisladores" é que fazem a interpretação autêntica. À Assembleia da República está apenas distribuído o papel de cartório notarial onde os deputados certificam que no dia tal, às tantas horas, e perante o Presidente da Assembleia da República, compulsada a consulta pública às organizações de trabalhadores que se revelou sem interesse para o efeito, compareceu o Governo na qualidade de procurador da Comissão de Acompanhamento, e atestou que era vontade dos membros da sua representada que entrasse em vigor a minuta de lei entre todos cozinhada.

Ou, se se preferir, já que se trata de uma união de facto candidata a casamento, a Assembleia funciona como uma Conservatória do Registo Civil que recebe como convenção antenupcial o texto do acordo concertado.

Trata-se de facto de um desaforo. De uma ofensa aos próprios trabalhadores.

Como ofensivos são todos os jogos de palavras saídos do Governo sobre a questão da efectiva redução do horário de trabalho no tempo de trabalho. Ou, efectivamente, da redução do horário de trabalho no tempo de trabalho efectivo. Ou da redução efectiva do tempo de trabalho no período normal de trabalho. Nestes jogos de palavras é exímio o Governo, em especial a Senhora Ministra, o Senhor Secretário de Estado do Trabalho, sem se esquecer o Senhor Primeiro Ministro.

E não param por aqui as contradições. No debate na generalidade àcerca da proposta de lei da flexibilidade e polivalência, a senhora Ministra, logo a abrir afirmaria que se tratava de um momento histórico. Diria a senhora Ministra reportando-se à última alteração sobre o máximo do horário semanal de trabalho: Hoje, cinco anos volvidos estamos à beira de poder fixar esse máximo nas quarenta horas de trabalho.

Meses mais tarde, diria o Senhor Secretário de estado do Trabalho, na Comissão de Trabalho que o máximo legal continuava a ser de 44 horas de trabalho.

Mas nesta tosca encenação, os membros do Governo mostraram-se exímios em operações de propaganda e diversão que passaram por um raid compulsivo a empresas cumpridoras da lei para que todas as outras, relapsas, suspirassem por tão almejado prémio! Que passaram por comunicados nos jornais, confusos quanto baste!

Mas a verdade é que os trabalhadores não desmobilizaram, e não vão desmobilizar!

Senhor Presidente
Senhores Deputados

A lei 21/96 introduziu na legislação do trabalho a noção de trabalho efectivo.

Que para nós só tem uma interpretação, que é aquela que exaramos no nosso Projecto de Lei, para que tudo fique clarificado. O trabalho efectivo, inclui as pausas ou intervalos de descanso quando o trabalhador está no exercício das suas funções, ainda que haja paragem do posto de trabalho ou substituição do trabalhador.

A noção de trabalho efectivo que foi explicitada pelo Senhor Secretário de Estado do Trabalho em entrevista ao Jornal O Público, não é uma interpretação conforme à nossa Constituição, nem com a Ordem Pública Social que preside ao Direito do Trabalho de um Estado de Direito Democrático. Nem é uma interpretação que se possa arrogar de modernidade. A menos que, como diziam recentemente os Sindicatos Suíços em luta, que ganharam contra uma lei de flexibilidade, passem a estar na moda formas disfarçadas de escravatura.

A questão das pausas e intervalos de descanso de que tratamos, das próprias pausas contratadas não se podem presumir de interesse bilateral, ao contrário do que também disse a Senhora Ministra do Emprego em resposta ao Senhor Provedor de Justiça.

As pausas e intervalos de descanso conquistadas pelos trabalhadores são efectivamente tempo livre do trabalhador, ainda que no exercício das suas funções e não são problema individual. São problema do Estado de Direito Democrático.

Destinadas a proteger a saúde do trabalhador contra os ritmos brutais de trabalho, destinadas a assegurar a reprodução da força de trabalho, vão reverter em benefício da empresa, em benefício da produtividade, da competitividade Não pode ser remetida para o trabalhador uma parte do custo da força de trabalho utilizada pela empresa. Uma parte do custo da reprodução da força de trabalho. Retirar do conceito de trabalho efectivo as pausas e intervalos de descanso destinadas a assegurar a manutenção da força de trabalho nos níveis exigidos pela produção equivaleria a criar a ficção economicista de um trabalho descartável da própria pessoa do trabalhador.

Tempo de trabalho efectivo, é o tempo pressionado pelo trabalho.

Por isso mesmo, e apesar de ser uma cedência à luta dos trabalhadores, o despacho do Senhor Secretário de estado que concedeu que que a meia hora destinada à refeição no trabalho por turnos seria trabalho efectivo, tal despacho contém ainda o sinal retrógrado de compelir os trabalhadores à assinatura de um documento onde se declarassem disponíveis para o trabalho nessa meia hora.

Efectivamente assim não é nem pode ser.

O tempo livre dos trabalhadores foi invadindo o tempo de trabalho. Através das férias pagas, da suspensão do contrato de trabalho para licenças parentais, para a procura de emprego, para a formação profissional. O tempo livre dos trabalhadores das pausas e intervalos de descanso, que as empresas aceitaram como uma forma de aumentar a própria produtividade e competitividade, alojaram-se no conceito de tempo de trabalho.

E é isto que o Governo não quer aceitar enfeudado à noção de tempo de trabalho que Autores franceses chamam de Temps des Marchands. Tempo geneticamente inseparável dos Capitalistas Interessados no aumento da utilização dos equipamentos à custa da exploração do Homem, ainda que para além das suas forças.

É esta noção, inconstitucional, que não pertence ao nosso ordenamento jurídico. E para que não restem dúvidas perante a confusão lançada pelo Governo propomos a clarificação de conceitos sobre duração de tempo de trabalho, onde o mais importante, é, sem dúvida, o que consta do artigo 3º, por forma a ficar claro que as pausas e intervalos de descanso quando o trabalhador se encontra à disposição da entidade patronal no exercício da sua actividade ou das suas funções, incluindo os períodos em que houver paragem do posto de trabalho ou substituição do trabalhador são tempo de trabalho e são trabalho efectivo. Embora sejam tempo livre do trabalhador, são tempo pressionado pelo trabalho, representam a carga real do trabalho.

Há uma ordem pública social que preside ás relações de trabalho. Que preside à organização do trabalho.

A regulamentação do tempo de trabalho não pode ser vista unicamente do ponto de vista da empresa. E é assim que o Governo considera esta questão, assumindo-se como um defensor dos interesses empresariais. Assumindo a desregulamentação da organização do trabalho.

Mas a desregulamentação do tempo de trabalho compromete o interesse geral e não apenas o interesse dos trabalhadores.

A imposição de trabalho aos sábados em resultado da interpretação feita pelo Governo do conceito de trabalho efectivo, privando os trabalhadores do seu tempo livre com a família, a não redução para as 40 horas do horário semanal de trabalho, limita o tempo para a vida social. Para além de ser um obstáculo à utilização da redução como uma forma de combate ao desemprego. O alongamento da jornada de trabalho, tal como se prevê na lei 21/96 insere-se na desregulamentação contra o interesse geral.

O Governo não quer aceitar que há uma ordem pública social inderrogável. Uma ordem pública que resiste a Comissões de Acompanhamento, a ordem pública social que os trabalhadores foram construindo através dos tempos e que defendem e defenderão com especial denodo, resistindo contra fraudes e enganos.

Hoje, a Assembleia da República tem uma oportunidade de pôr cobro à conflitualidade existente.

Sobre o Governo continuará a recair o labéu de nada fazer para que a lei 21/96 seja cumprida na interpretação que lhe foi dada pela Assembleia da República. Ou, melhor dizendo, sobre o Governo continuará a recair a mancha de considerar como legisladores os seus parceiros de Concertação.

A mancha de fazer interpretações retrógradas e inconstitucionais da noção de trabalho efectivo.

A mácula de criar uma trama em que acabou por ser colhido perante a resistência dos trabalhadores.

Trabalhadores que já tudo conheceram. Despedimentos por motivos ditos atendíveis, com a fundamentação de que a trabalhadora x não interessa por fazer greve. E mesmo tentativas de aliciamento para desmobilização da greve a troco de uns patacos.

Trabalhadores que em resultado da desregulamentação do trabalho, bem visível no regime de organização do trabalho defendido pelo Governo, são atingidos pelas mais diversas formas de opressão, particularmente visível nos despedimentos em massa como está a acontecer, por exemplo na Grundig, que anunciou hoje o despedimento de 140 trabalhadores.

Quando se luta com a determinação que pudemos ver nas empresas que visitámos, com a determinação que a senhora Ministra não viu porque o receio a assaltou, uma certeza pode considerar-se adquirida: a certeza de que a redução para as 40 horas de trabalho, tal como o P.C.P. sempre propôs, está ao alcance e será uma conquista dos trabalhadores.

Ao pretendermos a clarificação dos conceitos relacionados com o tempo de trabalho, quisemos dar uma contribuição positiva e construtiva que dignifique esta sede legislativa, uma contribuição que se transforma numa oportunidade de os Grupos Parlamentares, no acto da votação, corresponderem à palavra dada aos trabalhadores e às suas organizações; uma contribuição que não substitui a luta notável que eles têm vindo a travar, que há-de prosseguir para além do desfecho da iniciativa legislativa.

È que, Senhor Presidente e Senhores Deputados, estamos a tratar de um direito histórico que envolveu, durante mais de um século, gerações inteiras de trabalhadores e que há-de envolver outras.

O P.C.P. assume as suas responsabilidades que exigem opções.

E a principal é estarmos ao lado das aspirações mais justas reclamadas pelos trabalhadores.

Disse